Aos alunos do Delce Horta e todos aqueles que se interessarem em encenar...
CENÁRIO
Apenas
um banco estará presente em
cena. O vazio e a penumbra do ambiente devem provocar a
sensação de luto e concentrar as atenções para as personagens. A iluminação
deve ser feita apenas por um spot.
PRÓLOGO
A cortina se abre e no palco está o narrador. Ele deve fazer a ponte
entre o presente e o passado, deixando claro o objetivo da peça. Sua voz deve
ser firme e forte, transmitindo toda a emoção que marca o espetáculo.
Narrador: No
início deste ano de 2015, o jornal francês Charlie Hebdo sofreu um ataque covarde
que matou 8 jornalistas em sua sede, em Paris, além de outras pessoas, um atentado
que chocou o mundo. O que os matou se resume em uma palavra – INTOLERÂNCIA.
Sim, isso tirou a vida deles. O “crime” cometido foi usar a liberdade de
expressão para fazer charges em referência à religião islâmica, assim como
faziam com tudo e todos. Alguns extremistas decidiram que deveriam dar um
basta, impor respeito, ou medo, talvez, afim de evitar novos desenhos.
Eu e o mundo perguntamos como um
simples desenho é capaz de gerar tanto ódio.
Nas manifestações em repúdio a este
ataque, nas ruas e nas redes sociais, este foi o cartaz que mais se viu [mostrar a placa com os dizeres: Je suis
Charlie]. Quer dizer: eu sou Charlie, em francês. Todas essas pessoas
queriam dizer que elas tomavam partido do jornal, defendendo a liberdade de
expressão e condenando a intolerância demonstrada com as mortes.
O ódio que marca o que acabei de
falar é recorrente na História. Poderíamos citar inúmeros fatos em que a
humanidade se viu diante de uma grande brutalidade. Alguma pode se equiparar,
mas dificilmente será maior do que aquilo que você vai assistir agora.
Serão 4 histórias de vida, morte e
renascimento. E vocês sairão daqui com uma missão.
ATO 1
Uma música começa a tocar. A cortina
está fechada e se abre lentamente. As personagens estão atrás de uma divisão no
palco. Deverão estar vestidos de preto. A música diminui até não se ouvir. Ainda
sem entrar no palco as personagens começam a falar.
Ester: No
início da década de 1930, o nazismo tomava conta de um país arrasado pela
primeira grande guerra e pela Crise de 29.
Rute: Os
judeus foram considerados culpados pela situação difícil.
Rebeca: A
Alemanha estava fragilizada, e o discurso de Hitler conquistou o apoio
necessário para chegar ao poder.
Aleksander: E o
ódio nazista estimulava a perseguição aos judeus. Sabem o resultado disso?
Ester: 6
milhões!
Rute: 6
milhões de judeus!
Rebeca: 6
milhões de judeus foram assassinados!
Aleksander: 6
milhões de judeus foram assassinados pelos nazistas.
ATO 2
Novamente
uma música é ouvida. A primeira personagem entra no palco através de uma
abertura no pano que o divide. A música diminui até parar. Nesta primeira
parte, todas as 3 alunas entrarão juntas no palco e cada uma contará uma parte
da história da Ester.
A primeira aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Ester 1: Meu
nome é Ester. Sou austríaca e judia. Eu tinha mais ou menos 30 anos quando o
nazismo conquistou o poder na vizinha Alemanha. Nesta época eu já era
professora, profissão que me formei desde o 18 anos. Quando era pequena me
lembro de brincar no quadro negro com as outras crianças. Sempre gostei muito
de estudar. Cresci sabendo que ensinar era a minha vida. [satisfação no rosto, orgulho] Achava que a educação era o bem mais
precioso que uma pessoa podia ter. Ninguém tira um conhecimento de você, nós
carregamos a vida toda o que aprendemos.
Meus pais eram muito bons comigo. Eles
já estavam perto da casa dos 60 anos. Deus sempre nos ajudou e possuíamos uma
boa condição de vida. O mesmo acontecia com o restante da família.
Eu era a única mulher entre os
filhos. Confesso que era um pouco mimada [esboça
um sorriso] Meus quatro irmãos sentiam ciúmes de mim. Coisa de irmão que se
sente rejeitado. Acho que acontece em todas as famílias. Mal sabiam eles que
iríamos passar por uma rejeição mil vezes pior.
A primeira aluna volta para a parte de trás do palco, ainda
em cena.
A segunda aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Ester 2: Pela
minha profissão, eu já tinha conhecimento sobre o nazismo, sabia das suas
ideias e sempre alertei a minha família quanto aos seus perigos. Meus pais
tinham muitas riquezas no país e não aceitavam sair de lá. Acabei ficando
também. Mas sempre falava que um dia a situação iria ficar séria para o nosso
lado, que o Hitler era antissemita, não gostava dos judeus. Ninguém achava que
ele teria coragem de fazer o que fez. [fisionomia
fica bem séria]
Lembro que as coisas aconteciam muito
rápido. Parece que as pessoas foram hipnotizadas. Começou toda aquela discussão
de raça ariana. Os povos germânicos, como os alemães, eram considerados de uma
raça superior. Diziam, repetindo Hitler, que a Alemanha deveria formar um
império com os povos de raça pura. As raças inferiores deveriam ser
exterminadas para não contaminar as gerações arianas. [fica nervosa, balança a cabeça negativamente]
E mesmo eu sendo austríaca, o mesmo
país de Hitler, era colocada no mesmo grupo das aberrações, já que eu era
judia. Vejam só [continua a discordar com
a cabeça]... aberração! Como pode o fato de eu ser judia significar que sou
inferior? De onde é que estes loucos tiram estas ideias? Somos todos de uma só
raça – a raça humana. Todas as outras diferenças entre nós são culturais. Qual
é a diferença entre uma pessoa com cabelo e outra careca? Qual é a diferença
entre um alto e um baixinho? Não há nada que possa comprovar a superioridade de
um ou de outro. [pequena pausa]
Aberração! Aberração são os que pensam desta maneira.
Ah, meu povo! [olha para o nada, desiludida] Fomos perseguidos durante séculos.
Não merecíamos! Quantas gerações deixaram de nascer por causa do ódio. Pra que tanto
ódio? Até que ponto o ser humano é capaz de chegar!
Quando o Hitler anexou meu país,
começou a surgir um monte de leis. Fui proibida de dar aulas, cassaram o meu
diploma de professora. Tiraram o que havia de mais importante na minha vida.
Diziam que uma judia não tinha nada a ensinar ao povo alemão. Perdi a minha
profissão! O que eu faria dali em diante?
Uma outra lei proibia o
relacionamento entre alemães e judeus. A justificativa? Não se podia permitir
que filhos impuros nascessem. Somente pais arianos poderiam gerar filhos
arianos. [olhar saudoso] Eu lembro
que tinha um vizinho alemão, muito bonito, que eu era apaixonada. Ele retribuía
alguns sorrisos. Não sei se gostava de mim. Mas minhas esperanças terminaram
nesta época. Se fossemos pegos namorando, nós dois seríamos presos. Um absurdo!
Os nazistas também passaram a nos
obrigar a somente andar nas ruas identificados como judeus. Uma estrela de Davi
tinha que ser colocada como braçadeiras em nossas roupas. [passa a mão pelo braço] Quando passava algum soldado nazista na
calçada que estávamos, éramos obrigados a passar pela rua.
E como os soldados gostavam de
maltratar os judeus! Um dia, estava passando numa rua com dois primos e meu
irmão. Quando os soldados nos viram, começaram a nos arrastar para o meio da
rua... nisso juntou um monte de pessoas para ver o “espetáculo” [falando com ironia] Fizeram os meninos
tirarem suas camisas e com elas limparem o chão. Nunca havia sentido tanta
vergonha na minha vida. Todos nos chamavam de porcos, imundos e riam, riam
muito, se divertiam com a nossa humilhação.
Certa época, Hitler ordenou que
ficássemos em guetos. Era
sempre a pior região da cidade, suja, abandonada. Agora seria a casa de milhões
de judeus.
Éramos retirados de casa sem que
pudéssemos ter tempo de arrumar nossas coisas. Não podíamos levar móveis, jóias
e outros bens materiais. Claro que muitos escondiam e conseguiam levar. Meu pai
juntou todo o dinheiro que tinha em
casa. O que estava no banco acabou nas mãos do governo. Um
roubo!
Uma das lembranças mais tristes que
tenho deste momento é quando nossa família andava pela rua em direção ao gueto.
Colegas da época da escola, vizinhos, ex-namorados, amigos, não importa que
vínculo tivesse com os judeus, todos assistiam com alegria a nossa tragédia.
Muitos nos xingavam, outros aproveitavam para invadir nossas casas e lojas para
roubar o que podiam. Parece que eles estavam aliviados, agora não faltaria mais
casa e empregos para os verdadeiros arianos. [suspiro profundo] Até que ponto o ser humano é capaz de chegar!
A segunda aluna volta para a parte de trás do palco, ainda em
cena.
A terceira aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Ester 3:
Quando chegamos ao gueto eu já estava no meu limite. Não entendia como havíamos
chegado naquela situação. O que iriam fazer conosco? Haveria como sofrer mais do que já tínhamos
sofrido?
No mesmo dia em que nos obrigaram a
ir para o gueto, fui falar com um oficial nazista. Assim que cheguei perto dele
recebi a ordem para sair. Insisti que tinha uma coisa importante para falar com
ele. No mesmo instante, ele retirou uma arma do uniforme e apontou pra mim. Não
tive medo, tinha que insistir, pois sabia que talvez fosse o único momento que
conseguiria falar com um oficial. Disse que era professora, que no gueto havia
muitas crianças e seria uma atitude bondosa da parte dele autorizar o
funcionamento de uma escola para os menores. [pequena pausa] Ele me olhava, ainda com a arma apontada para mim,
quando esboçou um sorriso. Pensei que estava conseguindo convencer e continuei
a falar. [pausa]
[baixa
a cabeça] Foram minhas últimas palavras [pausa] Só me lembro de ainda ter ouvido: vermes não aprendem nada!
[emocionada,
sem choro] Não me arrependi de ter feito aquilo. Já havia sofrido muito.
Não aguentaria mais aquilo. Minha vida era o ensino. Sem ele não tinha razão
para viver. Nunca mais eu tive numa sala de aula, mas coloquei na cabeça que
poderia continuar ensinando, mesmo sem vida. Pois o que me tiraram é feito de
carne e osso, perdi o meu corpo. [aumenta
a voz] A minha memória eles não podem matar. Continuo ensinando, para quem
quiser aprender. Ensino que o preconceito e a intolerância levam ao ódio e que
o ódio leva a morte. Ensino... a paz...
simplesmente.
Eles podem ter me matado, mas eu
ainda vivo! [em voz alta, firme]
As 3 alunas voltam para a coxia lentamente, enquanto a música
sobe.
ATO 3
A
música continua. A segunda personagem entra no palco através de uma abertura no
pano que o divide. A música diminui até parar. Nesta primeira parte, todas as 3
alunas entrarão juntas no palco e cada uma contará uma parte da história da Rute.
A primeira aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Rute 1: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Eu sou a Ruth. Sou polonesa e judia. Tinha 12 anos quando a
guerra começou. Eu era apenas uma estudante, assustada em ver o meu país ser
invadido pelos nazistas.
Minha mãe morreu no meu nascimento. O
médico chegou a dizer que havia muito risco no parto, que talvez a vida dela
corresse perigo. Mas ela não pensou duas vezes. Deu sua vida por mim. Sempre
que me lembrava dela, olhando algumas fotos antigas, [faz o gesto como se estivesse vendo a foto] imaginava como seria
tê-la ao meu lado. Queria tanto ser como qualquer menina, vendo sua mãe se
maquiar, se vestir, arrumar o cabelo, tudo pra depois imitar. [pausa] Eu nunca tive isso.
Fui criada pelo meu avô. Meu pai saiu
um dia pra trabalhar e nunca mais voltou. Eu era bebê e não me lembro. Até hoje
não se sabe se ele morreu ou fugiu pra outro lugar. Acho que no fundo o meu avô
sabe a verdade, mas pensa que sou muito nova para entender estas coisas.
Meu avô? [fala com satisfação] É a única pessoa que tinha. Era a minha
família. Ele me ensinou tudo. Só nunca tinha me dito que as pessoas podiam ser
ruins, fazer maldades. Isso ele nunca tinha me ensinado, eu aprendi sozinha.
A primeira aluna volta para a parte de trás do palco, ainda
em cena.
A segunda aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Rute 2: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Um dia meu avô me acordou com pressa, estava pálido, nunca tinha
visto ele daquele jeito. Saímos de casa tão rápido que nem tive tempo de pegar
a Sofia, minha boneca preferida.
Fiquei bem assustada com tudo aquilo.
Nós andávamos em fila para um lugar longe, com um muro alto. Passávamos por
cima de uma passarela pra chegar do outro lado. As pessoas chamavam de gueto o
lugar que seria a minha casa dali em diante.
No início, tínhamos que achar um
lugar pra ficar. Como éramos só eu e meu avô, não foi difícil achar um quarto.
Ficávamos juntos com uma família de cinco pessoas. Entre eles tinha uma
bebezinha muito fofa. Não lembro bem o nome dela, até porque eu só conseguia
lembrar da minha boneca quando olhava pra ela. O bebê ficou sendo a minha
Sofia. A Sofia de verdade!
Meu avô já estava bem idoso e tinha
um problema nas pernas, não sei bem o que era, mas às vezes ele reclamava de
muitas dores.
Como ele não podia trabalhar,
recebíamos a menor quantidade de alimentos. Muitas vezes era um pão velho, duro
e esverdeado. [faz cara de nojo] Não
cheirava bem, mas comíamos de tanta fome. Outras vezes era batata que
recebíamos. Meu avô cozinhava e comíamos como se fosse a melhor das comidas.
Era melhor que o pão.
De vez em quando os nazistas passavam
gritando para que todos os adultos saíssem de casa. Eram as seleções para
trabalhos fora da cidade. Nestes momentos eu ficava gelada, morria de medo de
levarem meu avô. Todos nós ficávamos em silêncio, espremidos em um esconderijo
atrás do armário. Sempre dava certo.
Estas seleções de trabalho eram bem
estranhas. Os caminhões que levavam os judeus voltavam sempre vazios, ninguém
nunca voltava pra ver a família. E sempre precisavam de mais gente. Estranho
porque eu ouvia as pessoas reclamarem que não tinha emprego. [fala tentando entender a situação]
Algumas pessoas diziam que não era
trabalho. Falavam que era pra enganar os judeus, pra gente não se revoltar...
na verdade, todos eram levados para um negócio de campo de concentração. Não
sei bem o que era, mas devia ser ruim. Ninguém queria ir pra lá. E olha que
viver no gueto era horrível.
Como a comida era rara, muitas
pessoas passavam fome. Eu mesma sentia dores no estômago de vez em quando. [colocando a mão na barriga] Tinha gente
que não aguentava e morria. Nas ruas, todos os dias se viam gente morta,
apodrecendo pelo caminho. A fome matou muitos judeus no gueto. Elas se deitavam
na rua e perdiam as forças para levantar. Uma coisa muito triste. Sem contar as
doenças que se pegava por estar tão fraco. As pessoas emagreciam até ficarem
somente pele e osso.
Com os corpos nas ruas, vinham também
as pragas. Ratos e baratas eram comuns nos guetos. Não tinha uma pessoa que não
tivesse contato diário com estes bichos. Pulgas e piolhos invadiam as casas. As
crianças eram as maiores vítimas. Eu mesma tive o meu cabelo cortado por causa
dos piolhos. [passa as mãos no cabelo]
Passado um bom tempo nesta condição,
chegou a pior dia da minha vida. [rosto
fica bem triste] Numa destas passagens dos nazistas, mandando que as
pessoas se apresentassem, o meu avô estava na rua. Tinha ido buscar comida. Ele
já estava bem magro, parecia outra pessoa, perdeu uns 30kg. Quando foi
abordado, disse que não podia trabalhar, mostrando as pernas com problema. O
soldado não pensou duas vezes... [pausa]
meu avô não teve chance de reagir. [pausa] Assisti aquela cena da janela. Vi minha
família terminar naquele dia.
A segunda aluna volta para a parte de trás do palco, ainda em
cena.
A terceira aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Rute 3: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Depois da morte do meu avô, confesso que não tinha mais vontade
de viver. Não tinha mais ninguém. Ainda me distraía com a Sofia, mas não era a
mesma coisa que ter alguém da família por perto.
Passados alguns meses, começaram a
levar todos embora dos guetos. Eu, a Sofia e a sua família ficávamos
escondidos. Uma destas vezes, uma equipe de soldados invadiu a nossa casa. A Sofia
chorava muito e seus pais taparam a sua boca com um pano. Enquanto isso os
nazistas reviravam as coisas, buscando algum sinal de vida. Qualquer barulho
naquele momento seria mortal. Quando eu olhei para o bebê, vi o seu rostinho
ficando roxo. [pausa] Estava morta! [pausa] Morreu sufocada com o pano. [pausa] Na hora eu não me contive e
deixei escapar um gemido, quase um grito. No mesmo instante os pais da Sofia
também taparam o meu rosto. Ainda ouvia os soldados quebrando tudo do lado de
fora. Comecei a ficar tonta sem o ar pra respirar. [pausa] Aos poucos o som foi diminuindo, diminuindo, até que não
ouvimos mais nada. Neste momento, ainda sufocada decidi sair. Um soldado que
havia voltado me viu e me levou.
Tudo aconteceu tão rápido que não
consigo nem dizer quanto tempo durou a viagem, só sei que quando eu me vi já
estava no que eles chamavam de Campo de Concentração. Mal cheguei e os soldados
começaram a fazer filas, todas de meninas novas como eu. Disseram pra nós que
estávamos fedendo. Um deles ainda gritou: [imitando
um soldado] “Judeus sempre fedem”. E falaram que prepararam um banho pra nós.
Aquilo era meio estranho pra mim. Eu
não devia primeiro conhecer onde eu iria ficar? Eu estava muito cansada pra
tomar banho. Só pensava em dormir. Mas fomos todas nós para o tal banho.
Chegamos a uma grande sala, fria e sem janelas. Só conseguia ver alguns buracos
no teto e um negócio que só podia ser a ducha onde saía a água.
Quando nos trancaram, estávamos lá,
todas nuas, olhando uma pra outra. Cada segundo que passava aumentava a nossa
angústia. Eu olhava para o chuveiro e nada de sair água. De repente ouvimos um
barulho. [pausa] Logo depois uma
fumaça começou a sair do teto. Era um cheiro muito ruim e começamos a gritar e
correr para a porta. Eu olhava em volta e via o desespero. Quando eu fecho os
olhos, [fecha os olhos] ainda posso ver a cara da morte. Ela me olhava
e sorria. Não pude fugir dela. [pausa]
Não quero que sintam pena de mim. Sou
forte! A vida me fez assim. O que eu quero é que a minha memória não se apague.
[pausa] Eles podem ter me matado, mas
eu ainda vivo! [em voz alta, firme]
As 3 alunas voltam para a coxia lentamente, enquanto a música
sobe.
ATO 4
A
música continua. A terceira personagem entra no palco através de uma abertura
no pano que o divide. A música diminui até parar. Nesta primeira parte, todas
as 3 alunas entrarão juntas no palco e cada uma contará uma parte da história
da Rebeca.
A primeira aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Rebeca 1: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Meu nome é Rebeca, sou italiana e judia. Tinha 36 anos quando fui
para o país do meu marido. Ele era um alemão comerciante de tecidos. Antes de
começar a namorá-lo, costurava para suas lojas. Fomos ficando apaixonados um
pelo outro. Ele sempre dizia que eu era a melhor costureira da Europa. Acho que
ele falava isso pra me agradar.
Tivemos uma filha linda, que tinha 8
anos naquela época. Sara era o nome dela, mas só chamávamos de Sarinha. Era o
xodó da casa. [com alegria] Adorava
ler. Ela viajava quando eu contava histórias antes de dormir.
Vivíamos como uma família feliz. Meu
marido era ótimo pra mim. Estávamos muito bem. Pena que aquela alegria iria
durar tão pouco.
A primeira aluna volta para a parte de trás do palco, ainda
em cena.
A segunda aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Rebeca 2: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Poucos dias depois de chegarmos à Alemanha, fomos surpreendidos
com a notícia de que estaria proibido o casamento entre judeus e alemães.
Ficamos sem saber o que fazer. Tínhamos muito medo. Pensávamos em voltar pra
Itália. Mas como eu iria conseguir passar pela fronteira? Os judeus já estavam
sendo enviados para os guetos.
Alguém nos denunciou, talvez um
vizinho, e um dia os nazistas bateram em nossa porta. Meu marido disse que era
alemão e até mostrou seus documentos. Os soldados, mesmo desconfiados, já se
viraram pra ir embora quando ouvimos um grito do lado de fora: “A mulher é
judia”! [com a voz modificada]
Fui levada à força junto com a
Sarinha. Foi a última vez que eu vi o meu marido. [pausa] A última vez que ele viu a filha. [baixando a cabeça]
Fomos levadas ao gueto, mas ficamos
por pouco tempo. Nos colocaram em caminhões, depois em trens superlotados. Não
nos diziam para onde iríamos. Eu só pensava em proteger a minha menina.
A viagem de trem foi uma tortura. Uma
pequena janela para todo o vagão. Era insuficiente para a entrada de ar, e
difícil de respirar. Durante dias, passamos a conviver com o mal cheiro do
lugar. Todas as nossas necessidades eram feitas ali, no mesmo lugar que
comíamos. [cara de nojo]
Na verdade, comer era força de
expressão. Durante todo o trajeto só nos deram sopa. Sopa de mato em meio a
urina, fezes e outros dejetos humanos. Não! Não tentem imaginar! Mesmo que
queiram, não se compara ao que eu vivi.
Quando chegamos, fomos separados.
Homens para um lado e mulheres para o outro. Mesmo assim, ainda selecionavam os
que pareciam ter boa saúde. Doentes, idosos e crianças muito pequenas não
sobreviviam ao primeiro dia no campo de concentração.
Eu era magra, com aparência de
frágil, e minha filha podia facilmente ser descartada por seu tamanho. Só um
milagre nos salvaria naquele momento.
E ele aconteceu. Um dos oficiais que
faziam a seleção era um cliente do meu marido, conhecia e admirava o meu
trabalho como costureira. Sem falar comigo, para que os outros nazistas não
pensassem que havia algum sentimento de pena por parte dele, ordenou que eu e a
Sara fossemos levadas para o alojamento dos oficiais. Nós trabalharíamos para
ele.
Aquela era uma exceção. A maioria,
quase todas as pessoas que participavam, direta ou indiretamente do nazismo,
tinha ódio dos judeus. Nós éramos considerados um inseto, nos matar era algo
normal, como quem esmaga uma barata que invade a sua casa. [fala com espanto]
O mais difícil foi passar por tudo
aquilo com a Sara. Eu faria de tudo pra não deixar ela sofrer. Falava até que
tudo aquilo era um filme. Um faz de conta como nas historinhas que lia pra ela
antes de dormir. Todos nós estávamos ali pra atuar num papel.
Quando ela ouvia os tiros ou escutava
alguém chorando, gritando, dizia pra mim que não gostava de fazer aquele filme,
que já estava na hora de voltar pra casa, estava com saudades do pai. [emocionada, sem choro] Eu só falava que
o filme já ia terminar, faltava pouco. Faltava pouco!
Eu sabia que não estava morta ainda
porque trabalhava pra um oficial. Tinha que aceitar tudo pra não ver a minha
filha vulnerável.
Sofia não sabia, mas quando ela
dormia o oficial que havia salvado as nossas vidas também tirava um pouco dela.
Eu era violentada diariamente. Se existe um inferno, não deve ser pior do que
aquela vida. [com a voz embargada]
A segunda aluna volta para a parte de trás do palco, ainda em
cena.
A terceira aluna dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto as outras permanecem paradas, de cabeça baixa.
Rebeca 3: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Quando o oficial que me abusava foi transferido, não sabia se me
alegrava ou se ficava triste. Por um lado ele me humilhava, me fazia sofrer,
mas eu sabia que a minha filha estava viva. Com a saída dele, poderia a
qualquer momento sair do alojamento e voltar para o campo. E lá eu sabia que
não duraria um dia.
E o que ocorreu não foi diferente
disso. Depois de uns dias, nos levaram para uma sala fechada. Eu sabia que era
uma câmara e que saía um gás venenoso que matava as pessoas. Mas quem chegava
achava que era um local pra tomar banho. Era isso que os nazistas diziam, que
eles iriam tirar a sujeira do gueto e da viagem. Tiravam as nossas roupas,
cortavam os nossos cabelos e pediam todos os objetos de valor, com a promessa
de que devolveriam no final do “banho”.
Acontece que, naquele dia, havia
algum problema com a câmara de gás. Acho que era por excesso de uso. Nos
levaram para um grande paredão. Sabia o que iria acontecer. Presenciei vários
fuzilamentos naqueles tempos de alojamento.
Sara estava muito nervosa, ficou
chocada com toda aquela situação. Quando estávamos chegando perto da parede,
falei baixinho pra ela: [pausa]
“Sarinha, se acalme, está será nossa última cena. [respira fundo] Eles vão nos matar e nós vamos fingir que estamos
mortas. [bem emocionada] Depois
disso, vamos embora daqui. Saímos deste campo de concentração para entrar no
coração de muitas pessoas. Porque eles podem nos matar, mas ainda viveremos”!
As 3 alunas voltam para a coxia lentamente, enquanto a música
sobe.
ATO 5
A
música continua. A quarta personagem entra no palco através de uma abertura no
pano que o divide. A música diminui até parar. Nesta primeira parte, todos os 3
alunos entrarão juntos no palco e cada uma contará uma parte da história do
Aleksander.
O primeiro aluno dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto os outros permanecem parados, de cabeça baixa.
Aleksander 1: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Eu sou o Aleksander. Nasci e fui criado na Alemanha. Mas o fato
de ser um alemão não importava muito para os nazistas. Sendo de família judaica
eu não tinha nacionalidade, era somente judeu.
Meus pais tinham mais ou menos uns 40
anos quando eu saí de casa, ainda adolescente. Eles eram lavradores e não
aprovaram a ideia. Eu era apaixonado por música, aprendi a tocar violino com um
tio. Fui tentar a vida na cidade, pois sabia que no campo não ia ter futuro com
a música. Ia tocar pra quem? Para os bois? [sorrindo]
Não! Eu sonhava grande. E segui o meu sonho.
Tocava em restaurantes da cidade...
vivia de favores na casa de parentes e amigos. Não era fácil, mas a atém que me
alimentava bem. E com o pouco que ganhava dava pra comprar as outras coisas e
viver bem. Mas o que me agradava mesmo era ver as pessoas se emocionarem com a
minha música. No entanto, rapidamente aquilo tudo iria desmoronar.
O primeiro aluno volta para a parte de trás do palco, ainda
em cena.
O segundo aluno dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto os outros permanecem parados, de cabeça baixa.
Aleksander 2: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Passei uns 5 anos da minha vida tocando violino na cidade. Até
que veio a ordem para os judeus irem para os guetos. Fui um dos primeiros a
chegar. E a sair também. Eu estava com uns 19 ou 20 anos, cheio de saúde. Logo
que me viram disseram que iriam me levar para outro lugar. Estavam precisando
de trabalhadores. Fazer o que? Os judeus não tinham escolha!
Fiz parte do primeiro grupo de judeus
a chegar ao pior dos campos de concentração. Logo que saí do trem que nos
levou, a primeira coisa que vi foi uma imensa chaminé, naquele momento inativo.
Um soldado olhou pra mim e disse: [com
voz diferente] “Gostou rapaz! Pois a chaminé é a única saída daqui.” [pausa] Somente depois que a chaminé
começou a funcionar que entendi o que o soldado quis dizer com aquela frase.
Não sei se foi sorte ou azar, mas o
fato de ter sido um dos primeiros a chegar me manteve vivo naquele campo. O
preço? Vivenciar coisas que eu jamais imaginei que uma pessoa era capaz de
fazer com o seu semelhante.
Meu trabalho era no forno e funcionava
assim: [pausa] os judeus chegavam ao
campo de concentração e os que eram considerados incapazes de trabalhar eram
separados. Os nazistas mentiam dizendo que iam ser levados para tomar banho e o
jogavam na câmara de gás. Lá, uma substância venenosa tomava conta do ambiente.
As pessoas gritavam e choravam desesperadas, até que em 15 minutos em média não
havia mais ninguém vivo. Os corpos eram levados para outra sala, onde se
finalizava a inspeção para ver se ainda existia algo que pudesse aproveitar do
cadáver, como um dente de ouro. Ali, umas três pessoas, contando comigo, se
revesavam colocando os corpos em carrinhos e levando-os direto para o forno. A
chaminé, então, era a saída de quase todos os corpos. E eu fui obrigado a
participar desta matança em escala industrial.
Diziam que a cremação era a melhor
maneira de se desfazer dos corpos. Mais fácil, rápido, higiênico e que não
ocuparia o espaço de covas.
Se não bastasse ter que conviver
diariamente com isso, ainda presenciei outras atrocidades no campo.
Algumas pessoas eram selecionadas
para servirem de cobaias em experiências, como se fossem ratos de laboratório.
Cérebros eram trocados de crânio. Braços e pernas recebiam outros corpos. Uma
das experiências queria saber quantas vezes um bebê suportaria ter ossos do seu
corpo quebrados. [balançando a cabeça
negativamente]
Os corpos dos judeus também serviam,
para fazer obras de arte... arte para os nazistas, é claro. Esculturas com
ossos e até abajur feito de pele humana eram produzidos nesta época. Não havia
limites para a loucura! [pausa] Já
alguns oficiais tinham hábitos bizarros. Do alojamento, praticavam tiro ao
alvo. [pausa] Qual era o alvo? Os prisioneiros!
Ninguém tem noção do que foi viver
nos campos de concentração. Viver não! Sobreviver! Diariamente perder um pedaço
de dignidade, de respeito pela humanidade. Muitos não suportavam o trabalho
forçado, a perda da família e se matavam. Outros morriam de frio, especialmente
quando colocavam os judeus no meio da neve, sem roupas, de castigo. Se é que
precisava dar algum outro castigo. Estar ali já era o pior deles.
E para ser justo, nos campos de
concentração não havia somente judeus. Além dos presos políticos, estavam
também negros, homossexuais, ciganos e testemunhas de Jeová. Mas,para continuar
sendo justo, nenhum deles tinha o tratamento que nós tínhamos. Até mesmo estes
prisioneiros nos humilhavam. Fomos perseguidos pelos próprios perseguidos!
O segundo aluno volta para a parte de trás do palco, ainda em
cena.
O terceiro aluno dá um passo à frente e começa a falar,
enquanto os outros permanecem parados, de cabeça baixa.
Aleksander 3: [entra em cena e anda lentamente até o centro
do palco] Depois de alguns anos, começamos a receber notícias de que a
Alemanha estava perdendo a guerra. Mesmo sendo alemão, pela minha situação, eu
não podia deixar de ficar muito feliz. Talvez houvesse esperança de tudo aquilo
terminar.
Os nazistas deram ordem para esvaziar
os campos de concentração. Queriam eliminar os vestígios de tudo que
praticaram. Mataram um bom tempo na capacidade máxima, na máquina de produzir
cadáveres. No final, quando a saída era inevitável, abandonaram tudo. E nos
levaram juntos.
Iniciamos, então, uma longa caminhada
que acabou se transformando na grande Marcha da Morte. Quase 2 milhões de
judeus morreram neste momento. Estávamos no inverno europeu. Não havia água,
nem comida. Andando a pé por centenas de quilômetros, as pessoas iam ficando
pelo caminho.
Depois de 2 semanas caminhando sem
parar, em meio a estradas cobertas de neve, adoeci. Sentia que estava muito
fraco. Eu ardia em febre.
Sabia que se parasse de andar morreria. Isso acontecia com
todos. [pausa] Mas meu corpo não
agüentou. [pausa] Eu parei!
Não saí do campo pela chaminé...
aquele soldado nazista estava errado. Não pude marchar, mas creio que cheguei
ao meu destino. Apesar de meu corpo ter ficado ali pelo caminho, na verdade eu
não parei. Continuo andando cada vez que minha história é ouvida. [pausa] Todo aquele sofrimento pode ter
me matado, mas eu ainda vivo! [em voz
alta, firme]
As demais personagens entram em cena. Ficam os 12 alunos em
cima do palco, juntos.
ATO 6
Todas as personagens estão aliviadas. Seus objetivos foram
alcançados, estavam libertos para que suas histórias chegassem ao conhecimento
de todos, para que a memória deles transformasse o ódio de hoje em paz. A lição que fica é a
de que devemos respeitar as diferenças, devemos ser tolerantes.
As 4 personagens (12 alunos) saem do palco em direção ao
público, misturando-se a plateia. Enquanto isso a música toca ao fundo e
diminui lentamente
Ester:
Sobrevivemos enquanto somos lembrados.
Rute: Nosso
sofrimento deve ser visto como uma lição.
Rebeca: Um
aprendizado para que não se cometam os mesmos erros do passado.
Aleksander:
Devemos tolerar as diferenças, respeitando a todos.
Ester: Não
importa a cor!
Rute: Não
importa a beleza!
Rebeca: Não
importa a religião!
Aleksander:
Diga não ao ódio!
Cada um dos atores entrega a placa que a identifica para um
dos presentes na plateia. As 4 personagens falam juntas, em voz alta, tocando
no ombro das pessoas e olhando bem nos seus olhos.
- Não me deixe morrer!
Terminado, sobem novamente para o palco, ficam de frente para o público e
as cortinas se fecham. Encerra-se o espetáculo
FIM
Um comentário:
Olá, professor! Sou aluna do 2º ano do ensino médio do IFRN e faço parte de uma Cia desenvolvida a partir da matéria que estamos pagando, artes cênicas. Adoramos sua peça e gostaríamos de saber se para você está tudo ok se nós encenarmos ela! :)
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