quarta-feira, 14 de março de 2018

Coloque-se no meu lugar*

CENA 1

NARRADOR: Empatia: substantivo feminino. Capacidade psicológica para sentir o mesmo que uma outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo. Colocar-se no lugar do outro é uma das melhores qualidades que uma pessoa pode adquirir na vida. Tarefa complicada, é verdade. Muitas vezes, essa atividade mental não se aproxima da realidade. É preciso vivenciá-la. [Monta o cenário de uma escola]
PROFESSOR: Vamos começar a aula da matéria mais legal da escola.
PEDRO: Você não é professor de Educação Física.
LUANA: Fica quieto, garoto! melhor aula não é Educação Física.
RAFAEL: Qual é então?
LUANA: A aula... vaga. (todos riem)
PROFESSOR: Quanta baboseira. Vamos aprender História. (muito animado)
ALUNOS: Ahhhhh! (desanimados)
PROFESSOR: Que animação, hein galera?
SIMONE: Eu não entendo pra que aprender História.
PEDRO: É, só tem coisa velha.
LUANA: Quem vive de passado é museu.
PROFESSOR: Ignorância pura. Olhar para o passado nos faz entender melhor o presente. Vocês não querem compreender o mundo onde vivem?
ALUNOS: Não!!!!
PROFESSOR: Se não vai por bem, então vai por mal. Vamos fazer uma prova oral surpresa.
RAFAEL: Ah não, professor! Você não avisou nada.
PROFESSOR: Deve ser por isso que ela se chama “surpresa”, não acha?
SIMONE: É, faz sentido.
PROFESSOR: Vamos começar... Pedro, qual é o continente mais rico do mundo atualmente?
PEDRO: É a África.
PROFESSOR: Muito bom!
LUANA: Essa também era fácil.
PROFESSOR: Então vou te fazer outra bem fácil... Qual é o continente mais pobre do mundo atualmente?
LUANA: A Europa, ué!
PROFESSOR: Exatamente.
SIMONE: Faz uma mais difícil pra mim, professor.
PROFESSOR: Então tá bom, tem algo na História desses dois continentes que explica a situação atual deles.
SIMONE: Mas é claro, os europeus foram escravizados por séculos. E foram os africanos que usaram essa mão de obra nas suas colônias.
RAFAEL: Os europeus mereciam isso mesmo, aqueles brancos sempre viveram de modo primitivo, se matando...
PROFESSOR: Rafael, não fale uma coisa dessas. Já não basta os séculos de preconceito que meu povo sofreu? Só por que você é negro acha que tem o direito de se achar superior a nós?
PEDRO: É, cara, viajou agora, hein!
LUANA: Isso é racismo, viu?
SIMONE: Que idiota pensar assim.
TODOS: Coloque-se no meu lugar. [Todos continuam a conversar e o Rafael se destaca]
RAFAEL: Eu não sou racista. Tenho um monte de amigos brancos. A empregada lá de casa é branca e eu nunca a tratei mal. Pelo contrário [riso malicioso]... Depois o errado sou eu. Percebe só. A maioria dos criminosos na prisão são... brancos. Vai me dizer que é coincidência? Pra cima de mim? [todos percebem e retrucam]
PROFESSOR: Quer dizer que os brancos são mais criminosos do que os negros?
RAFAEL: São os números, professor.
PEDRO: E você acha que não tem nada a ver com os anos de exclusão social?
LUANA: A desigualdade de oportunidades é enorme.
SIMONE: Sim, você acha que é fácil ser branco no Brasil.
TODOS: Coloque-se no meu lugar. [retirada do cenário, todos saem]

CENA 2

CICI: Ai, Gisele, o Marquinhos está tão estranho.
GISELE: Também acho. Tá até andando de um jeito diferente, olha só.
ISABELA: E as roupas, agora só quer saber dessas cores sérias.
MARQUINHOS: O que vocês estão cochichando ai, meninas?
TODAS: Nada!
MARQUINHOS: Ah sim, vou fingir que acredito.
CICI: Vou falar a verdade, tá... você anda muito diferente, Marquinhos.
MARQUINHOS: Diferente como?
GISELE: Ah, sei lá, você era tão alegre, espalhafatoso. Agora tá mais contido.
ISABELA: Usava umas calças coladas, coloridas... olha isso agora. (aponta)
MARQUINHOS: Vocês têm razão.
CICI: Você admite que mudou?
MARQUINHOS: Acho que está na cara, né?
GISELE: Muito, tá dando até na pinta.
MARQUINHOS: Será?
ISABELA: Já tem gente por aí comentando...
MARQUINHOS: Comentando o quê?
CICI: Ah, Marquinhos. A gente já percebeu que você não olha mais para os meninos.
GISELE: E olha que o Hugo do primeiro ano dá um mole pra você.
ISABELA: E tem uma coisa ainda pior.
MARQUINHOS: Ah não!
CICI E GISELE: O que é?
ISABELA: Esses dias eu me abaixei pra falar com o Marquinhos e reparei que ele ficou olhando para o meu peito.
CICI E GISELE: Que nojo, Marquinho.
MARQUINHOS: Não é o que vocês estão pensando… (falação) Tinha uma mancha de ketchup na blusa.
CICI: Bem que agora eu também lembrei de um dia que eu te vi entortando o pescoço quando a Gisele passou.
GISELE: Não acredito, Marquinho!
MARQUINHOS: Eu posso explicar.
CICI: Acho bom mesmo.
GISELE: A gente vê na televisão, ouve falar, mas nunca acredita que alguém tão próximo vai acabar nesse caminho.
ISABELA: Vamos, Marquinhos, fala.
MARQUINHOS: Calma, gente, eu vou falar.
CICI: Então fala.
GISELE: A gente não aguenta mais essa agonia.
ISABELA: Desembucha logo, Marquinhos.
MARQUINHOS: Eu sou...
TODAS: Você é...
MARQUINHOS: Eu sou...
TODAS: Você é...
MARQUINHOS: Eu sou hétero!
TODAS: Eu sabia!!!
MARQUINHOS: Eu estava me segurando com medo da reação de vocês.
CICI: É meio nojento, sabe, mas somos suas amigas, relaxa.
GISELE: Vai ser difícil pra sociedade te aceitar.
ISABELA: Ai gente, vou confessar. Ainda estou em choque. Tem certeza que você gosta de meninas?
MARQUINHOS: Tenho, Isabela. Você acha que é fácil se assumir assim.
CICI: Pelo menos agora ele saiu do armário.
GISELE: Só não vai agora querer dar em cima da gente.
ISABELA: Ah é, amizade tem limite. Quer saber, Deus não gosta que faça essas coisa... é pecado.
MARQUINHOS: Pecado é roubar, matar... não estou fazendo mal para ninguém. Eu bem que tentei ser diferente, sabe. Existe toda uma pressão da família, de todo mundo. Mas eu nasci assim, não é uma escolha. Coloque-se no meu lugar.
ISABELA: Não sei não. Minha mãe falou que esse tipo de gente vai tudo para o inferno.
CICI: Se enxerga, Isabela. Fala para sua mãe que os preconceituosos é que vão para o inferno.
MARQUINHOS: Por que as pessoas se incomodam tanto com o que a gente faz com nossa sexualidade?
GISELE: Eu ouvi dizer que um tal Freud (usar a pronúncia errada – “Freudi”)
TODOS: Freud (com a pronúncia correta – “Fróidi”)
GISELE: Esse mesmo... Ele falou que as pessoas que se importam muito com a sexualidade dos outros é porque tem a sua mal resolvida.
CICI: Ah, eu já li isso também. Na verdade, o medo de ser hétero faz com que a pessoa ataque quem é assim.
ISABELA: Eu não concordo.
CICI: Ignora essa aí, Marquinho. Não há diálogo possível com quem é dogmático.
ISABELA: Ei! Eu não sou dogmática… Mas espera aí, Cici, o que isso significa?
CICI: Significa que a pessoa acredita numa verdade absoluta e não aceita discuti-la.
MARQUINHOS: Olha, falou bonito agora.
CICI: Vamos, Marquinhos, libera esse hétero que tem dentro de você.
GISELE: A gente até te ajuda com as gatinhas. [no fundo do palco, passa uma menina]
MARQUINHOS: Dá licença, meninas. Agora o papai aqui vai trabalhar.

CENA 3

[Entram dois trios, um de meninas e outro de meninos; as falas se intercalam; primeiro acende a luz das meninas]
FABIANA: E essa menina nova que se mudou lá pra escola, hein?
LIVIA: Nossa, menina mais lerda... nunca vi.
PAULA: Não pega ninguém, muito fraca.
FABIANA: Não fala muito não porque você também é do time dela.
LIVIA: É mesmo, Paula. Geral apareceu com um gatinho na festa da Letícia e você tava lá sozinha.
PAULA: Tá bom, vai, quero enganar quem? É a minha mãe.
FABIANA: O que tem a sua mãe?
PAULA: Ela me disse que eu tenho que ser mais reservada, esperar o menino certo.
LIVIA: Misericórdia, que coisa mais ultrapassada.
FABIANA: Sua mãe parece que está no século XXI.
LIVIA: Fabiana, nós estamos no século XXI.
FABIANA: Ahhh, aqueles “xisinhos” me confundem toda.
PAULA: Pra ser sincera. Eu não acho que as mulheres têm que ser tão pra frente, sabe. Eu concordo com minha mãe.
LIVIA E FABIANA: Chata!
PAULA: Eu quero conhecer um príncipe, casar com ele e formar uma família feliz.
LIVIA E FABIANA: Iludida!
LIVIA: Paula, se liga, o lance é pegar geral, tá ligada?
FABIANA: Esse lance de casamento é coisa de homem.
LIVIA: Chega a ser patético ver aqueles homens apaixonados, crente que a gente liga pra isso.
PAULA: Eu gosto!
LIVIA E FABIANA: Cala a boca, Paula!
FABIANA: A gente fala assim uma com a outra porque sabe que ninguém se magoa. Se fosse com um menino...
LIVIA: Ele já estava chorando (imita): “sua bruta, grossa, eu sou sensível, tá?” [riem; apaga as meninas, acende os meninos]
FERNANDO: Vou ser sincero com você, Bruno: esses braços de fora estão indecentes.
TIAGO: Eu acho que essa bermuda tá muito curta também.
BRUNO: Ah, o que é que tem? O que é bonito é pra se mostrar.
FERNANDO: E o que as pessoas vão falar de você?
TIAGO: Vão falar não, né Fernando... já estão falando.
BRUNO: Falando o quê?
FERNANDO: Você fica andando na rua desse jeito, às vezes até sozinho.
TIAGO: Qualquer dia uma mulher aparece aí e te pega à força.
BRUNO: Então você está sugerindo que se isso acontecer eu serei o culpado?
FERNANDO e TIAGO: Com certeza!
BRUNO: Mas que papo é esse agora?
FERNANDO: A gente tem que se dar valor, Bruno. Ficar mostrando o corpo assim não é coisa de homem decente.
BRUNO: Mas não está calor?
TIAGO: Só por isso vai ficar andando por aí como um galinha.
BRUNO: Aí não!
FERNANDO: Eu vou ter que concordar. Desse jeito está parecendo que você quer pegar todas as meninas.
BRUNO: Agora você está me ofendendo. Sou homem direito. O tamanho das minhas roupas não define o meu caráter.
TIAGO: Sei não, tá agindo que nem mulher agora.
FERNANDO: Essas bruxas que só nos vêem como um pedaço de carne.
TIAGO: Não liga para os nossos sentimentos.
FERNANDO: Nos magoam com suas cantadas toscas.
BRUNO: Que cantadas?
FERNANDO: Uma vez, uma mulher me disse: “me chama de roupa suja e me esfrega no seu tanquinho.”
TIAGO: E outra vez, passou um grupo de mulheres, tinha acabado de sair do futebol, e começaram a gritar: “gato, você vai pegar ônibus? Porque você tá no ponto.”
BRUNO: Pois eu gosto das mulheres de antigamente. [os dois vão saindo e Paula se aproxima] Gosto de dar flores, fazer poesias, beijar a mão, puxar a cadeira ou abrir a porta primeiro... hoje em dia é difícil encontrar uma menina assim.
PAULA: Eu gosto dessas coisas.
BRUNO: Sério?
PAULA: Sério.
BRUNO: Então temos muito que conversar.
PAULA: Eu também acho.

CENA 4

NARRADOR: Achei o casal bonito, e vocês? Bom, o que importa mesmo é que você esteja percebendo por qual caminho estamos te levando. Repito, não é fácil se colocar no lugar do outro, principalmente quando você está dentro do padrão imposto pela sociedade. [Entram as meninas; Solange fica afastada]
ANDRESSA: Vocês viram como a Solange emagreceu?
JULIA: Foi só começar a namorar... esse povo não tem jeito.
DAYANE: Se continuar assim o João vai largar essa menina.
ANDRESSA: Eu acho que a gente tinha que dar um toque nela.
JULIA: Amiga é para essas coisas, né gente?
DAYANE: Além do mais, nós somos...
TODAS: A gang das gordinhas suculentas!
ANDRESSA: E quem é do nosso bando não pode se desviar não.
JULIA: Cruz credo, se eu perder minhas gordurinhas eu acabo com o meu charme.
DAYANE: Até porque, vamos combinar, os garotos gostam é de um baconzinho.
TODAS: Quem gosta de osso é cachorro! [chegam perto da Solange]
ANDRESSA: Oi amiga maravilhosa!
JULIA: Só se for por dentro, né?
DAYANE: Julia, guarda seu veneno, guarda. (Julia faz o gesto de limpar o veneno)
SOLANGE: Oi, meninas! Tudo bem com vocês?
ANDRESSA: Com a gente está.
JULIA: Você que não parece nada bem.
DAYANE: Pode se abrir com a gente.
TODAS: A gente gosta tanto de você! (faz o gesto de limpar o veneno)
SOLANGE: Eu não tenho nada, pelo contrário, minha vida está ótima.
ANDRESSA: Você tem espelho em casa, Solange?
JULIA: Você perdeu todas as suas dobrinhas.
DAYANE: Esqueceu quem nós somos?
TODAS: A gang das gordinhas suculentas!
SOLANGE: Ai amiga, vocês sabem que eu sou do contra. Você olha as atrizes, as cantoras, as modelos... só tem gordinhas.
ANDRESSA: Mas é claro, meu amor!
TODAS: Se é gordinha, tem saúde.
SOLANGE: Mas é um padrão de beleza irreal. Eu já tentei de tudo. Coloco um prato de pedreiro na minha frente e a fome não vem.
JULIA: Conheço esse tipinho. (cochichando para a amiga) Se não consegue engordar é porque não tem força de vontade.
DAYANE: Minha filha, olha essas camadas de suculência aqui (aponta para a barriga). E essa protuberância aqui. (aponta para a bunda) Isso aqui é muito Big Mac com coca cola, querida.
SOLANGE: Mas eu não consigo, juro que já tentei de tudo.
ANDRESSA: Se não bastasse ter perdido a suculência, dá até pra ver que você está torneada.
JULIA: Quem vê assim até pensa o pior.
DAYANE: Não, Solange, não vai me dizer que...
TODAS: Você entrou pra academia?
SOLANGE: (envergonhada) Entrei, mas só faço 4 vezes na semana.
TODAS: Quatro vezes?
ANDRESSA: Já estou até vendo, daqui a pouco tá com aquela barriga chapada, sarada.
JULIA: Vira essa boca pra lá, Andressa. Você quer que o João largue ela?
DAYANE: (puxando a amiga) Eu quero. Ele é tão gato! (faz o gesto de limpar o veneno)
SOLANGE: Gente, lá na academia é super tranquilo. Um treininho bem de leve, duas horinhas. [entram um professor de ginástica bem espalhafatoso e 3 meninas repetindo os gestos]
PROFESSOR: Vamos lá minhas franguinhas. Quem vai ficar cavalona nesse verão?
TODAS: Eu.
PROFESSOR: Então vamos começar com um alongamento pra evitar lesões. Dobra a coluna até 45 graus. [todas imitam e uma fica parada.
MENINA 1: Serginho, É 45 graus celsius ou fahrenheit?
PROFESSOR: Ai você me pegou. Sou péssimo em Matemática! Vou pesquisar e te falo.
MENINA 2: Continua Serginho, quero ficar cavalona.
PROFESSOR: Então como é que é... é 1, é 2, é 3, é 4...
MENINA 3: Eu tô sentindo queimar a perna.
PROFESSOR: Vai poderosa, deixa esse quadríceps crescer.
MENINA 1: Lá vem ele com Matemática de novo.
PROFESSOR: Deixa de moleza, meninas. Agora vamos tornear esse bumbum.
MENINA 2: Ah, essa série eu gosto.
PROFESSOR: Prende...solta. Prende... solta... (faz o gesto com)
MENINA 3: Xô, gordurinhas!!! [apaga a luz; saem]
ANDRESSA: Deus me livre.
JULIA: Cansei só de pensar.
DAYANE: Solange, vamos agora para um rodízio de pizza pra tirar essa secura toda.
ANDRESSA: Afinal...
JULIA: Nós somos...
TODAS: A gang das gordinhas suculentas! [saem]

CENA 5

[Cenário de escola; 3 meninos de um lado e 3 meninas do outro]
FÁBIO: Nossa, cara, hoje a Rosinha tá um esculacho.
ROBERTO: Isso é bom ou é ruim?
FÁBIO: Deixa de ser bobo, tô falado direito com você.
ROBERTO: Você não tem chance, tira seu cavalinho da chuva.
FÁBIO: Por que está falando isso?
ROBERTO: Fábio, todo mundo sabe que a Rosinha é gamadona no Geraldo.
FÁBIO: pô, cara, não brinca não.
ROBERTO: Tô te falando... quer um conselho? Tenta outra, meu velho.
FÁBIO: Será? Se bem que competir com o Geraldo é covardia.
ROBERTO: Pois é, olha só o charme dele [enquanto isso o Geraldo faz caras e bocas].
FÁBIO: E o óculos fundo de garrafa.
ROBERTO: Maior sacanagem, ele sabe que as mulheres perdem a linha com isso. [chega perto do Geraldo]
FÁBIO: E aí Geraldo, tudo tranquilo?
GERALDO: Neste momento estou sereno, o céu dos meus pensamentos não encontram nebulosidade.
FÁBIO: O cara fala bonito, né?
ROBERTO: É, diz a previsão do tempo sem nem perguntar.
FÁBIO: Deixa de ser burro, é uma figura de linguagem.
GERALDO: Mais precisamente uma metáfora, caros colegas de classe.
ROBERTO: Ah sim, agora eu entendi.
FÁBIO: Geraldo, você tem que contar pra gente qual é o seu segredo.
GERALDO: Seja mais específico, meu caro Fábio.
ROBERTO: Ele quer saber como você faz para fazer sucesso com as meninas.
GERALDO: Queridos colegas, se vocês tivessem a fórmula para transformar qualquer coisa em ouro, vocês contariam para alguém.
ROBERTO: Caraca, tu consegue fazer isso?
FÁBIO: Roberto, fica quieto, fica.
GERALDO: Todos nós sabemos que as mulheres preferem os homens de grande...
ROBERTO e FÁBIO: De grande?
GERALDO: De grande... QI.
ROBERTO: O que é “QI”
FÁBIO: Aquilo que você tem bem pequenininho.
ROBERTO: Ué, mudou de nome? Nem é tão pequenininho, tá?
GERALDO: QI é o quoeficiente de inteligência. As mulheres se derretem quando eu digo que o meu é 130.
FÁBIO: Caramba! Assim você humilha a gente.
ROBERTO: Nem pra emprestar um pouquinho pra gente, maior egoísta... [foco nas meninas]
MARTA: Queria tanto que o Geraldo desse bola pra mim.
TATI: Ai, só em sonho. Ele só tem olhos pra...
AMBAS: Rosinha!
ROSINHA: Dirigiram a palavra para a minha pessoa?
MARTA: Ah Rosinha, chega ser chato esse lance dos meninos só olharem pra você.
TATI: É só você passar que dá pra sentir a paixão no ar.
ROSINHA: Impossível!
AMBAS: Impossível o quê?
ROSINHA: Nitrogênio, oxigênio, gás carbônico, argônio, esses gases nobres sim estão no ar. A paixão não.
MARTA: Nossa, como você é sem imaginação, hein, Rosinha.
TATI: Só pensa em estudo, nunca vi.
ROSINHA: É por isso que sou tão popular. Se vocês estão incomodadas, tem uma fila de meninas querendo ser minha amiga. Vou começar a distribuir senha.
MARTA: Não Rosinha, pelo amor de Deus. Não faz isso com a gente.
TATI: Se a gente não andar com você ninguém enxerga nós duas.
MARTA: Você acha que é fácil ser só um rostinho bonito?
TATI: Eu não pedi pra nascer assim, tá.
AMBAS: Coloque-se no meu lugar.
ROSINHA: Ai, não fala assim. Eu ajudo vocês.
AMBAS: Oba!
ROSINHA: Fiquem aí olhando como a mamãe aqui conquista a caça. [vai em direção ao Geraldo com um andar desajeitado]
MARTA: Será que um dia eu vou andar com tanto charme assim?
TATI: Eu sonho todos os dias com isso.
GERALDO: Olá!
ROSINHA: Olá!
GERALDO: Tenho que dizer que nem a mais potente placa de vídeo é capaz de reproduzir tamanha beleza.
ROSINHA: Que lindo! Sabe, Geraldo. Existe o Star War, o Star Trek... mas o que eu queria mesmo era Star perto de você.
GERALDO: (tímido) Me dá um Ctrl + Alt + Del porque travei agora.
ROSINHA: Ahhh, você não é postagem do Facebook, mas eu estou curtindo.
GERALDO: Então aperta o Start e namora comigo?
ROSINHA: Claro que sim. Pode fazer o download do meu coração. [saem]
TODOS: Queria tanto ser como eles.

CENA 6

NARRADOR: Não é tão difícil imaginar um mundo assim, não é mesmo? O complicado mesmo é ter consciência de que você tem algum preconceito. O problema sempre está no outro... Agora, qual seria a melhor forma de mudar esse cenário? Sou meio pessimista, sabe? Mas é sempre bom ter um fio de esperança no ser humano. A começar por vocês que estão aqui. [Monta o cenário de uma escola]
PROFESSOR: Vamos lá pessoal. Todos lembram o que a gente discutiu na última aula?
PEDRO: Quando foi a última aula?
LUANA: A gente discutiu alguma coisa?
RAFAEL: Não lembro nem o que eu comi hoje no café da manha.
SIMONE: Professor?
PROFESSOR: Finalmente alguém lembra de alguma coisa nessa sala.
SIMONE: Qual é a sua matéria mesmo?
PROFESSOR: Simone, estamos em Junho e você não sabe que dou aula de História?
SIMONE: Já estamos em Junho? Caracoles!! O tempo passa rápido, gente.
PEDRO: Essa aí é doidinha.
LUANA: Doida sou eu, ela é surtada.
RAFAEL: Vamos prestar atenção na aula?
TODOS: Pode começar a aula, querido professor.
PROFESSOR: É bom mesmo... Na última aula, discutimos a questão do racismo.
PEDRO: Ah é, verdade. Agora eu lembrei.
PROFESSOR: Pois então, por que, sob o ponto de vista científico, é incorreto falarmos em raças humanas?
LUANA: Essa é bem simples. O que identifica a cor da nossa pele é uma substância chamada melanina. Quanto maior a sua quantidade, mais escura será a nossa pele.
RAFAEL: Por isso, Luana, os cientistas não enxergam sentido em dividir as pessoas de acordo com a cor da pele, pois é apenas uma dentre milhares de características físicas que nos diferenciam.
SIMONE: É só pensar bem, gente: tem algum sentido você dizer que existe a raça das pessoas de olhos azuis, dos olhos, verdes, castanhos...? E pior, dizer que um deles é superior a outro?
PEDRO: E se disséssemos que os carecas são inferiores aos cabeludos? Ou que os baixinhos são superiores aos altos? [começam a se virar para a plateia]
LUANA: Isso parece estranho pra você?
RAFAEL: E pra você
SIMONE: É um absurdo, não acham?
PROFESSOR: Então, turma, por que será que ainda existem pessoas racistas?
PEDRO: Ah, sei lá. Só pode ser ignorância.
LUANA: Eu, sinceramente, acho que é burrice.
RAFAEL: Eu não queria dizer isso, mas... achar que alguém é superior a outro por causa da cor da pele? Que lixo!
SIMONE: Isso não faz sentido algum. Nenhuma característica física, nenhuma, determina o caráter ou a capacidade de uma pessoa.
PROFESSOR: Pelo visto vocês aprenderam direitinho.
PEDRO: Tiramos 10, professor?
PROFESSOR: Calma, também não é assim. 10 eu não dou pra nenhum aluno.
LUANA: Ihhhh, olha o preconceito, hein professor.
RAFAEL: É isso aí, tá discriminando os alunos agora.
PROFESSOR: Vocês estão deturpando as minhas palavras.
SIMONE: Você não disse agorinha mesmo que não ia dar 10 pra gente.
PROFESSOR: Perfeitamente. Disse isso aí.
PEDRO: Não estou entendendo.
PROFESSOR: Alunos maravilhosos como vocês merecem mil.
TODOS: Professor, professor, professor. [Todos em estátua. Entra o narrador.]
NARRADOR: Quando eu imaginei um final feliz, algo pra dar esperança, não precisava ser uma coisa tão surreal assim, não é mesmo. Acho que vou colocar só um pouquinho de realidade aqui.
PROFESSOR: Pelo visto vocês aprenderam direitinho.
PEDRO: Tiramos 10, professor?
PROFESSOR: Calma, também não é assim. 10 eu não dou pra nenhum aluno.
LUANA: Ihhhh, olha o preconceito, hein professor.
RAFAEL: É isso aí, tá discriminando os alunos agora.
PROFESSOR: Vocês estão deturpando as minhas palavras. Quer saber? Esse debate valeu só 1 ponto. Quero o resumo dos capítulos 4, 5, 6 e 7 para a próxima aula. 10 linhas por página.
SIMONE: E quem não fizer?
PROFESSOR: Vai tomar uma fichinha de ocorrência.
PEDRO: E se não trouxer a ficha assinada?
PROFESSOR: Só vai entrar com o responsável. [Luana levanta a mão] O que foi, Luana?
LUANA: Posso ir ao banheiro? [Professor faz cara de decepção. Toca o sinal da saída.]
PROFESSOR: (para a plateia)Todos aqui já devem ter ouvido falar que no Brasil não existe racismo.
RAFAEL: Isso só pode ser conversa de quem não quer enxergar a realidade.
SIMONE: Os negros ganham em média 55% da renda dos brancos.
PEDRO: Dos 10% mais pobres do Brasil, 71% são negros. Aliás, esse número também está presente em outro dado chocante. De cada 100 pessoas assassinadas no país, 71 são negras.
LUANA: Acho que vocês estão começando a perceber que o racismo não está só nas palavras.
PROFESSOR: Ele está presente na brutalidade policial, que enxerga a cor da pele como uma marca de que um indivíduo é mais perigoso do que outro.
RAFAEL: Ele está presente na cultura nacional. Só 10% dos livros publicados no Brasil têm autores negros.
SIMONE: E não vai ser fácil achar protagonistas negros nesses livros, pois 80% deles são brancos.
PEDRO: Onde estão os negros nas novelas? Fazendo papel de empregada doméstica? Eles não podem ser empresários, médicos…
LUANA: Vocês podem achar que estamos exagerando. Mas no cinema nacional, cerca de 30% dos atores são negros, só que a maioria deles em papéis marginais.
PROFESSOR: Isso sem contar que só 2% dos diretores são negros.
RAFAEL: Não precisa decorar esses números, tá?
SIMONE: É, o professor não vai te cobrar na prova.
PEDRO: Só quero que você reflita.
LUANA: Então vamos, gente? (Todos estão de saída e Rafael fica. Olhar fixo no público)
PROFESSOR: Você não vem, Rafael?
RAFAEL: Eu ainda não deixei o meu pedido pra eles… (devagar) COLOQUE-SE NO MEU LUGAR. (aumenta a voz) COLOQUE-SE NO MEU LUGAR (Todos chegam até ele e o pegam. Ele continua repetindo, mas cada vez mais baixo)

CENA 7

ISABELA: Eu ainda estou de queixo caído com a revelação do Marquinhos.
CICI: Não tem motivo pra isso. Cada um tem a sexualidade que quiser.
ISABELA: Ai, não sei não. Difícil ter que conviver com um amigo assim.
CICI: Eu que o diga, difícil é pra ele ter que conviver com uma amiga assim.
ISABELA: Você acha que eu sou…
GISELE e CICI: Preconceituosa!
ISABELA: Nossa! É um complô agora? Até você, Gisele? Tá concordando com a Cici agora?
GISELE: Não sei, acho que já comecei a pensar diferente.
CICI: Eu não tenho mais dúvidas. Vou apoiar o Marquinhos no que ele decidir ser.
ISABELA: Por que você tomou essa decisão?
CICI: Lembram da última vez que a gente conversou com ele? (Marquinhos aparece e espia)
ISABELA: Como não lembrar, o dia em que o Marquinhos saiu do armário.
CICI: Pois é exatamente esse tipo de piada ridícula que magoa o nosso amigo.
ISABELA: Ah, não tem nada demais. Todo mundo fala essas coisas. [Marquinhos chega]
MARQUINHOS: Todo mundo, Isabela? Então se todo mundo começar a comer cocô você vai sair comendo?
GISELE: Que nojo!
MARQUINHO: Se todo mundo se tacar no rio Paraíba você pula junto, Isabela?
CICI: Responde agora!
ISABELA: Eu não queria te deixar assim.
MARQUINHOS: Eu confio em você, somos amigos. O mínimo que a gente espera é compreensão, carinho...
GISELE: Você também agora anda espiando os outros, isso é típico de...
MARQUINHOS: Chega, Gisele. Respeito é bom e eu gosto.
CICI: Bem feito, eu avisei pra vocês.
ISABELA: A gente respeita a sua opção sexual.
MARQUINHOS: Opção? Sério isso? Você escolheu gostar de homem, Isabela?
ISABELA: Claro que não. Eu, eu simplesmente gosto, ué.
MARQUINHOS: Então é isso que eu sinto.
GISELE: Quer dizer que se você pudesse escolher...
MARQUINHOS: Não sei, Gisele. É muito mais complexo do que vocês imaginam. Você acha que é fácil viver o tempo todo sob os olhares intimidadores enviando flechas venenosas pra você? Senhoras falando que Jesus vai voltar, que sou um pecador. Valentões dizendo que isso é falta de porrada. Mulheres falando que sou um desperdício... (se emociona) Meu pai... dizendo... que sou a vergonha da família. Acha mesmo que alguém escolheria essa vida? Eu nasci assim e não acho que preciso ficar me justificando para as pessoas como se isso fosse um crime.
CICI: O que vocês têm que entender é que o que o Marquinhos ou quem quer que seja faz na sua intimidade é problema só deles.
MARQUINHOS: Eu queria saber por que as pessoas vivem se metendo na vida dos outros.
ISABELA: Mas vocês podiam ser mais discretos.
GISELE: Aí, não Isabela. Vou concordar com eles. O que é ser discreto pra você? Basta duas pessoas do mesmo sexo andarem de mãos dadas para causar um tumulto. Que mundo é esse que faz alguém se incomodar com um gesto de carinho e ignorar uma criança que dorme na rua ou um mendigo que passa fome na esquina. Há algo muito errado com os valores das pessoas. [começam a olhar para a plateia]
CICI: Isso quando não ouvem ofensas, xingamentos ou até mesmo são agredidas.
MARQUINHOS: A cada hora, um gay sofre algum tipo de violência no Brasil. E quase diariamente, ao menos uma pessoa é assassinada por causa da sua orientação sexual. São dados que dão ao Brasil o triste troféu de país mais perigoso do mundo para um homossexual viver.
ISABELA: E tudo isso por causa de pessoas como eu... como vocês. (aponta para a plateia)
TODOS: Sim, como vocês!
GISELE: Não se sinta ofendido. Só admita que você se sente incomodado com o assunto.
CICI: Que já fez piadinhas idiotas sobre isso.
MARQUINHOS: Admitir é o primeiro passo para mudar. E nunca é tarde para isso.
CICI: Sabe aquele colega homossexual? Aquele mesmo que você, sendo uma pessoa ignorante, implica, magoa.
GISELE: Você se lembrou? Ontem mesmo você fez isso?
ISABELA: Você é o que ouviu? E o que você fez? Achou normal?
MARQUINHO: Você é o que sofreu? Saiba que isso é inaceitável. Tenha coragem de denunciar. Porque isso é errado e tem um nome:
TODOS: HOMOFOBIA.
CICI: Não deixe que a religião, sua família, seus amigos.
GISELE: Quem quer que seja.
ISABELA: Pense por você.
MARQUINHOS: Você é responsável por suas ideias.
CICI: Questione.
GISELE: Pesquise.
ISABELA: Abra sua mente.
MARQUINHOS: Coloque-se no meu lugar.

CENA 8

NARRADORA: Eu faço isso o tempo todo. Questionar é o verbo mais praticado por mim. As pessoas tem uma mania louca de achar que o que acontece hoje em dia sempre foi do mesmo jeito. Gente, as coisas mudam o tempo todo. Sempre vai haver uma origem, uma explicação sobre tudo, até mesmo dos preconceitos. E vocês sabiam que o machismo pode ser considerado o mais antigo deles?
FERNANDO: Não acredito que quem está narrando a nossa história seja uma mulher.
TIAGO: Saudades do tempo de Shakespeare.
NARRADORA: Por quê?
BRUNO: Você não sabe? Naquela época todos os papéis teatrais eram interpretados por homens, inclusive os femininos.
NARRADORA: Que horror! Então o Romeu daquela época beijava outro homem?
TIAGO: Isso aí.
NARRADORA: Credo! [entram as meninas]
FABIANA: Pelo visto essa narradora perdeu a última cena.
LIVIA: Acabamos de falar sobre isso e você esta aí fazendo piadinha de mal gosto?
PAULA: Acho bom você dar o fora. A gente continua daqui. [narradora sai]
FERNANDO: Onde estávamos mesmo?
FABIANA: Estávamos discutindo por que os homens e mulheres têm que ter papéis tão definidos.
TIAGO: Porque homem é homem, mulher é mulher.
LIVIA: Falou O FILÓSOFO.
PAULA: Descobriu a pólvora: (imita) Homem é homem, mulher é mulher.
BRUNO: Quem gosta de zoar é homem. Mulher deve se comportar, ser recatada.
TODAS: Ah coitado!
FABIANA: Meninas fazem tudo que os meninos fazem, queridos. Vocês que não veem.
TIAGO: Ah tá, vai me dizer que meninas arrotam.
LIVIA: O quê? A Paulinha aqui sabe cantar o hino do Flamengo só com arroto. Vai, Paula, mostra pra eles.
PAULA: Tá maluca?
BRUNO: Viu? Fica mentindo só pra comprovar suas teses.
PAULA: Que mentindo o quê, Bruno. Só não faço agora porque preciso de no mínimo uma latinha de coca-cola.
TODOS: Que nojo!
FABIANA: Até parece que vocês também não fazem nada que as pessoas dizem ser de menina.
FERNANDO: Não fazemos mesmo.
LIVIA: Ah é, vai me dizer agora que vocês não assistem novela? Não choram?
FERNANDO: Não! [percebe que falou sozinho] Você não vão falar nada?
TIAGO: Pô, Fernando. Você sabe que a gente se amarrava em Carrossel.
BRUNO: Tiago (emocionado), e quando a Maria Joaquina ficava sacaneando o Cirilo?
TIAGO: Cara (chorando), não lembra não que volta a emoção toda de novo. [as meninas se aproximam e os meninos tentam disfarçar]
TODAS: Que fofo! [agora, falas para a plateia]
FABIANA: Vamos combinar? Os meninos ficam muito mais interessantes quando assumem que são sensíveis.
FERNANDO: Eu tenho que falar que as meninas ficam mais interessantes quando arrotam?
TIAGO: Cara, não é isso. Mas aquelas que são muito bonequinhas são um saco mesmo.
BRUNO: Meu sonho é ter uma mulher que jogue vídeo game, assista futebol comigo...
PAULA: Eu adoro videogame. (tentando se aproximar)
BRUNO: Sério? E futebol?
PAULA: Bruno, eu arroto o hino do Flamengo... eu adoro futebol.
BRUNO: Eu vou comprar uma Coca-Cola e você me mostra.
PAULA: Só se for agora. (os dois saem apaixonados)
LIVIA: Esses aí se deram bem de novo.
TIAGO: A gente também pode se dar bem.
LIVIA: Jura? Mas você não vai ser machista, né.
TIAGO: Com você, meu amor, eu sou o que você quiser.
LIVIA: Acho bom. [saem]
FABIANA: Acho que sobrou pra gente, Fernando.
FERNANDO: É, mas vamos ter que colocar um pouco mais de seriedade, porque o assunto é mais grave do que parece.
FABIANA: Verdade, mesmo após a conhecida Lei Maria da Penha, mais de 5 MIL mulheres são assassinadas no Brasil.
FERNANDO: São crimes geralmente cometidos pelos próprios parceiros, homens que dizem amá-las.
FABIANA: Amor é muito diferente disso, não é Fernando.
FERNANDO: Claro, quem ama não usa a violência, seja qual for a relação.
FABIANA: Vocês meninas, fiquem atentas. Quem já namora ou pretende namorar... nunca deixe o menino te agredir.
FERNANDO: Não aceite nada que não seja um gesto de carinho. Vocês mulheres merecem.
FABIANA: E quanto aos meninos... tome cuidado. Agredir uma mulher não é só um crime.
FERNANDO: É sinal de que você é covarde e não tem moral de ser chamado de homem.
FABIANA: Agora a gente pode relaxar, né Fê?
FERNANDO: Acho que sim Fabi. Mas tá cheio de gente olhando.
FABIANA: É só a gente sair, ué.
FERNANDO: E quem vai continuar a História? [chegam as meninas]
TODAS: Nós.
FABIANA E FERNANDO: E quem são vocês?
TODAS: A gang das gordinhas suculentas! [Fabiana e Fernando saem]

CENA 9

SOLANGE: Ai, amigas, queria agradecer vocês por abrir os meus olhos.
ANDRESSA: Imagina, Solange, amiga é para essas coisas.
JULIA: O que fez você mudar de ideia?
SOLANGE: Eu não aguentava mais o controle que estava fazendo sobre meu corpo.
DAYANE: Como assim?
SOLANGE: Você acredita que, quando eu acordava, a primeira coisa que eu fazia era ir direto para o banheiro?
ANDRESSA: Mas todo mundo faz isso.
JULIA: É, dá uma vontade louca de fazer xixi.
SOLANGE: Mas não era pra isso.
DAYANE: Era pra que então?
SOLANGE: Eu ia me pesar, tirar todas as medidas do corpo... ficava lá uns 5 minutos olhando para o espelho. E isso se repetia o dia todo, até a hora de dormir.
ANDRESSA: Nossa, deve ter uns 5 anos que eu não subo numa balança.
JULIA: As duas estão erradas.
DAYANE: Verdade, o excesso de preocupação ou o desleixo completo com o corpo são igualmente ruins para a nossa saúde.
SOLANGE: Não só para a saúde física, pra ser sincera. Eu comecei a deixar de fazer um monte de coisas que eu gosto, de sair e me divertir... estava ficando neurótica.
ANDRESSA: É, vou admitir. A ansiedade em saber que eu não conseguia emagrecer me fazia comer ainda mais.
JULIA: Aí você começa a “chutar o balde”, né?
ANDRESSA: Acho que é isso mesmo.
DAYANE: Quando a gente levanta a nossa autoestima com o nosso grito de guerra.
TODAS: A gang das gordinhas suculentas.
DAYANE: É um manifesto contra qualquer tentativa de padronizar o nosso corpo.
SOLANGE: Eu entendi... nós temos genéticas diferentes, estilos de vida diversos, é natural que nossos corpos não sejam iguais.
ANDRESSA: E temos que entender que há beleza nessa diversidade.
JULIA: Claro que há, mas seja que tipo de corpo você tem, a saúde é prioridade.
DAYANE: Ninguém está pedindo pra você ter aqueles gominhos na barriga. Vai por mim, a maioria das fotos de revista que você vê são todas retocadas de fotoshop.
SOLANGE: Isso é fato. Lembra daquela atriz da Globo toda bonitona que eu te falei que encontrei na rua? Na revista ela tá lá com a pele perfeita, bumbum empinadinho, cinturinha fina... vai ver pessoalmente.
ANDRESSA: Muito diferente?
SOLANGE: Diferente? A Júlia dá de 10 a zero nela.
JULIA: Eu? Nossa, obrigada pelo elogio.
DAYANE: Amiga, isso é sarcasmo, não é elogio. (limpa o veneno)
JULIA: Olha só, sua jararaca...
ANDRESSA: Opa, opa, vamos nos acalmar que a gente tem que dar o nosso recado pra essa galera que está aqui.
JULIA: Você está certa, desculpa.
SOLANGE: Eu que peço desculpas, vamos terminar logo com isso.
DAYANE: A obesidade é uma doença, não se trata apenas de estética. Hoje, as maiores causas de morte do mundo estão ligadas ao excesso de peso.
ANDRESSA: Mais da metade dos brasileiros estão nessa situação. Quase 20% são considerados obesos. Esse é um assunto que você precisa refletir.
JULIA: Do outro lado, muitas pessoas se perdem arriscando a própria vida para ficarem supostamente mais “bonitas”. São mulheres que morrem em cirurgias de fundo de quintal, fazendo uma lipoaspiração ou colocando silicone nos seios.
SOLANGE: Isso sem contar os homens que usam anabolizantes para acelerar artificialmente o crescimento dos músculos.
DAYANE: Meninas, vou propor um novo grito de guerra.
ANDRESSA: Sério?
JULIA: E qual é?
SOLANGE: Ai, fiquei curiosa. [numa roda, Dayane fala baixinho]
DAYANE: Vamos mudar logo agora?
ANDRESSA: Por mim sim. Eu adorei!
JULIA: Então vamos, 1, 2, 3...
SOLANGE: O que nós somos?
TODAS: A GANG DAS SAUDÁVEIS SUCULENTAS!

CENA 10

FÁBIO: Geraldinho, você é o cara mesmo, hein!
ROBERTO: Assino embaixo, quando eu crescer quero ser igual a você.
GERALDO: Até parece. Já esqueceram a nossa conversa?
FÁBIO: Não esqueci não, mas não me convenceu muito.
ROBERTO: Eu não consigo entender como você pode invejar a gente.
GERALDO: É fácil, a gente só sente falta do que não tem.
FÁBIO: Como assim?
GERALDO: Eu sou o mais inteligente da turma, aquilo que costumam chamar de Nerd.
ROBERTO: (começa a rir alto)
GERALDO: O que foi, Roberto?
ROBERTO: Desculpa, eu achei que era uma piada. Você fala tudo tão difícil que quando é piada mesmo eu não entendo. Só quis me antecipar.
FÁBIO: Sei, e o Roberto aqui é o que chamam de “burro bem humorado.”
GERALDO: Talvez seja só um disfarce para que as pessoas não olhem para seu pequeno desenvolvimento intelectual.
FÁBIO: Ahhh, mas essa burrice não dá pra disfarçar não.
ROBERTO: Pô, cara, assim você me magoa.
GERALDO: Enfim, o que quero dizer é que da mesma forma que o Roberto gostaria de ser mais estudioso, eu queria muito ser mais engraçado e popular.
FÁBIO: Entendi, então o lance é respeitar nossas características. Tentar se aproximar das pessoas diferentes para aprender com elas, para ser uma pessoa melhor.
ROBERTO: Eita, acho que até eu entendi.
GERALDO: Tenho orgulho de vocês, meus amigos.
ROSINHA: Será que é tão difícil as pessoas perceberem que nossos comportamentos não são padronizados.
MARTA: O que você quer dizer com isso?
TATI: É, Rosinha, você é inteligente e a gente é burra.
ROSINHA: Pois é exatamente isso que estou questionando. Não é porque eu estudo mais do que você que devo me sentir superior.
TATI: E não é porque a gente é descolada q os meninos vão cair aos nossos pés.
ROSINHA: Exatamente. Viu como você não é burra?
TATI: Essa coisa de popularidade é perigosa. A pessoa fica buscando isso e se esquece de ser ela mesma.
MARTA: Verdade! Nenhuma pessoa tem que se cobrar pra ser famosa. Até porque existe espaço para todas as tribos.
ROSINHA: Pensa quanta gente é admirada porque é escritora, cientista… (Marta e Tati fofocam) O que vocês estão tramando aí?
MARTA: Tem certeza disso, Tati?
TATI: Claro que tenho, estava escrito no roteiro.
ROSINHA: Ah, agora eu entendi. Anda, meninas, a gente tem que finalizar essa peça.
MARTA: Mas eu deixo de ser a minha personagem e viro uma narradora?
TATI: Que importância isso tem, Marta?
ROSINHA: Já que vocês não se entendem, deixa eu começar... queridos e queridas aqui presentes. Obrigado por nos aturarem até aqui.
MARTA: Sua presença é fundamental, sem ela não existe teatro.
TATI: Mais do que isso, sem vocês não conseguimos multiplicar o que aprendemos aqui hoje.
ROSINHA: Respeito.
MARTA: Respeito.
TATI: Respeito. [começam a entrar todos os atores. Eles repetem a palavra.]
ROSINHA: É bom ser tratado com respeito, vocês não acham?
MARTA: O problema é que geralmente é uma palavra que colocamos somente na prateleira dos direitos.
TATI: O mundo será um lugar muito melhor se praticarmos mais o respeito como uma obrigação.
ROSINHA: Por isso e por tudo que você viu aqui hoje.
MARTA: Antes de ser uma pessoa preconceituosa.
TATI: Tenha uma atitude simples, mas muito valiosa.
TODOS: COLOQUE-SE NO MEU LUGAR. [som sobe, luz se apaga, atores se preparam para cumprimentar o público]


FIM


*Título provisório

Peça teatral escrita por Luiz Eduardo Farias

Continue lendo >>

Turma 901

PRÓLOGO [Entram, de um lado, o grupo das populares; do outro, das Nerds]
MANU: Vocês têm certeza que a gente vai ganhar de lavada, não é?
KÁTIA E LEKA: Claro que sim.
MANU: Pois eu não aceito outro resultado que não a minha vitória.
KÁTIA: Manu, a gente fez tudo que você mandou.
MANU: Então vai ser como roubar doce da boca de velho.
LEKA: O certo não é “roubar doce da boca de criança?”
MANU: Tá me desafiando, garota?
KÁTIA: É, maluca! Ela é sinistra, rouba doce da mão de quem ela quiser.
LEKA: Não é da boca? [Ambos olham de cara feia] Relaxa, aí. Você vai ganhar. Todos te admiram, Manu. Você é a mais popular da escola.
MANU: Por que será, né? [muda o foco para o outro lado]
ÂNGELA: Ai, vocês têm certeza que a gente vai ganhar? As pessoas não costumam votar em Nerds para o grêmio estudantil.
FRANCINARA: Refiz meus cálculos ontem à noite. A probabilidade da nossa vitória é grande, porém algumas variáveis são incertas e inexistem parâmetros sólidos para eu afirmar categoricamente um resultado.
CUSTÓDIA: Cê, cê...
ÂNGELA: Eu estou com cê, cê?
CUSTÓDIA: Nãão... Cê, cê.
FRANCINARA: O nome mais apropriado seria bromidose axilar. Talvez você esteja se referindo a mim, mas é fácil explicar: minhas glândulas sudorípares funcionam de modo acelerado, aumentando a umidade em certas regiões abafadas do corpo, fato este que favorece a proliferação de bactérias causadoras do mal odor.
CUSTÓDIA: Na, na, nada disso... tô, tô, dizendo... cê, cê, vai ganhar. [Entra a diretora]
DIRETOR: Meninas e... meninas. Está na hora de saber que ganhou a eleição para o grêmio estudantil da nossa escola. Já tenho o resultado em mãos. Quero dizer que...
TODOS: Fala logo, diretor.
DIRETOR: Tá bem, tá bem. Vocês mulheres são sempre dramáticas e temperamentais. A chapa vencedora foi... [todos param em estátua]
JOANA: Peraí! Essa história vai ser contada assim, já no final?
PROF HIS: Eu também não entendi. Pra que tanta pressa?
JOANA: E olha lá, eu nem estou aparecendo nela.
PROF HIS: Isso é no mínimo uma injustiça com você.
JOANA: Com nós duas, pra dizer a verdade.
PROF HIS: Mas a ideia do grêmio foi sua.
JOANA: Mas sem sua ajuda nada disso teria acontecido. Foi mágico. Não estamos falando só de uma eleição. Conseguimos mudar completamente a nossa escola.
PROF HIS: Isso é verdade. Mas para as pessoas realmente entenderem como foi essa mudança, a gente tem que voltar no tempo. Depois continuamos essa cena.
JOANA: Ótima ideia! [ambos batem palmas e as pessoas em cena saem da estátua e saem. O diretor fica.]

CENA 1

PEDAGOGA: A hora está passando, vamos começar logo esse Conselho de Classe?
DIRETOR: Cadê a professora Esther, de Português?
PROF POR: Não precisa ficar me dando ordens, sei muito bem quais são as minhas obrigações.
DIRETOR: Cadê a professora Odete, de Inglês?
PROF ING (andando com dificuldade): É aqui que vai ser o... vai ser o...
DIRETOR: Conselho de Classe? (...) É aqui mesmo. (...) Professor Agnaldo, de Geografia.
PROF GEO: Agnaldo Bulhões de Alcântara, PHD em Geopolítica Contemporânea pela Universidade de Cambridge, autor de mais de 15 livros...
PROF POR: Eleito para a Academia Barramansense de Letras.
PROF ING: Falou comigo, Sônia?
PROF POR: Meu nome é Esther.
PROF GEO: Não entendo porque a senhorita insiste em me provocar.
DIRETOR: Professora Camila, de História.
PROF HIS: E aí, beleza?
DIRETOR: Tirando o fato que estamos perdendo tempo.
PROF HIS: O que esse Capitalismo maldito é capaz de fazer, não é mesmo? Conseguiu colocar no ser humano a ideia de que o tempo é uma mercadoria. Não há nada que escape das garras desses gaviões burgueses.
DIRETOR: Professor Sidney, de Matemática.
PROF MAT: Vamos começar logo, né? Por que quem começa cedo, né? Termina? Ceeeedo... Isso aí, né!
DIRETOR: Professora Vanessa, de Educação Física.
PROF EDF: Dá pra falar um pouco mais baixo? Minha cabeça tá doendo horrores.
DIRETOR: E professora Maria Imaculada, de Artes.
PROF ART: Paz do Senhor, irmãos. Que Jesus abençoe essa reunião, dê muita luz e sabedoria para todos nós.
PEDAGOGA: Já que estão todos aqui, vamos começar nosso Conselho de Classe.
PROF POR: Se demorasse mais eu levantava e saia de sala.
PROF ING: Você cisma com esse negócio de sair de sala, não é Sônia?
PROF POR: Eu já disse que meu nome é Esther.
PROF GEO: Sugiro a leitura de um trecho do livro “Como me tornei um professor fantástico, sensacional, incrível...”, de minha autoria, como todos sabem.
PROF HIS: Eu mereço!
PROF GEO: “Um professor brilhante, como eu, deve ser humilde, pois nem todos tiveram a chance de nascerem geniais.”
PROF HIS: Posso vomitar agora?
PROF MAT: Eu acho, né, que a gente, né, deveria, o quê? Começar... agora.
PROF ART: Acorda, Vanessa. O Conselho já começou.
PROF EDF: Então quando acabar você me acorda.
PROF ART: Você tem que acordar pra vida, fica aí nessas noitadas, só bebendo. Jesus esta voltando.
PROF EDF: Pode me acordar se ele voltar também.
PEDAGOGA: Toda vez a mesma coisa. Vocês reclamam tanto dos alunos, mas quando a gente se reúne vocês acabam agindo da mesma forma que eles. [Todos começam a falar “foi ele/ela que começou”, seguido de uma reclamação qualquer]
DIRETOR: Silêncio! Isso que dá juntar tanta mulher de uma vez só. Começa a virar feira.
PEDAGOGA: Esse seu machismo também não ajuda, Diretor. Vamos lá, turma 901. Como vocês a descrevem?
PROF POR: Turma insuportável. Não se comportam, não têm modos. Todo dia eu tenho que tirar uns 10 de sala.
PROF MAT: Sabendo que a turma tem 30 alunos, isso quer dizer que você só dá aula para...
PROF HIS: Eu acho que essas crianças não têm culpa. Elas vivem em uma sociedade opressora, a escola não é atraente para elas. É lógico que, como classe oprimida, elas vão se rebelar. Nesse caso, em forma de liberdade dos movimentos corporais.
PROF GEO: Você quer dizer em forma de “bagunça”. Infelizmente tenho que concordar com a professora Esther. Esses alunos estão com uma falta de postura e desinteressados com o saber.
PROF ING: Quando eu comecei a dar aulas, em mil novecentos e (falar enrolado de propósito para disfarçar a idade).
PROF MAT: Quando, professora?
PROF ING: Mil novecentos e (...) A gente podia dar uma reguada na mão da criança, colocá-la ajoelhada no milho, dar um cascudo na cabeça, um beliscão no braço... Hoje não pode nada. Por isso que está desse jeito.
PROF ART: Na verdade, isso tudo é falta de Deus no coração. Essas crianças ficam o dia inteiro nessa coisa do capeta chamada internet. O bicho do mal, só pode ser. Minha sobrinha tem esse tal de Facebook. A primeira coisa que ela faz quando acorda é o quê? Olhar o Facebook. Na hora do café? Olhar o Facebook. No banheiro, cagando? Olhar o Facebook. Na escola, enquanto o professor dá aula? Olhar o Facebook. Acabou...
PROF EDF: Acabou o Conselho?
PROF MAT: Ainda está aonde? Na novecentos e... um.
PROF ART: Como eu ia dizendo, acabou o interesse dessas crianças pela Igreja. Agora tudo é internet. Quando vai pra Igreja é pra ficar tirando foto e colocar no Istagram: #feemdeus; #timedejesus (pode continuar se der certo)
PEDAGOGA: Então eu coloco que a turma é agitada e demonstra pouco interesse pelos estudos. [professores resmungam, meio que concordando] E quais são os alunos que dão mais trabalho? [Na medida em que os professores falam o nome, eles entram e saem de cena, à parte]
PROF POR: O pior, na minha opinião, é o Marcelo. Aquele menino não para quieto.
PEDAGOGA: É TDAH.
PROF MAT: Que significa, o quê? Transtorno do? Déficit de Atenção e? Hiper? Atividade.
PROF HIS: O garoto só está sendo criança. Agora vocês querem que garotos de 12, 13 anos se comportem como a dona Odete.
PROF ING: Hein? Me chamou, Sônia.
PROF POR: Ai, minha santa paciência. Não é Sônia não, eu já disse, lindinha. Meu nome é Esther.
PROF GEO: Aquela Luciana também é completamente sem noção. Certo dia estava eu palestrando sobre o meu décimo segundo livro: “Como ser um homem irresistível e deixar as mulheres loucas por você”
PROF ART: Jesus tenha misericórdia.
PROF GEO: Quando essa menina dormiu na minha aula.
PROF POR: Isso não deve ser muito difícil.
PEDAGOGA: O professor Agnaldo não é o único que reclamou da Luciana. Vários de vocês me procuraram. Eu chamei a mãe aqui.
DIRETOR: Essa eu estava junto. Mãe solteira, sabe? Não tem o pulso firme de um homem em casa. A menina fica até 2, 3 horas da manhã no computador, no celular... chega aqui na escola tá morrendo de sono.
PROF ING: Tem que chamar o responsável pela Laís. Meu Deus do céu! Que menina mais cheia de fogo.
PROF HIS: São os hormônios, dona Odete. A senhora nunca foi adolescente não?
PROF ING: Ih, minha filha, faz tanto tempo.
PROF ART: E o Diogo hein, ninguém vai falar dele?
PEDAGOGA: O que tem o Diogo, professora?
PROF ART: Ah, todo mundo sabe... ele é...
PROF MAT: Ei, quem gosta de fazer isso sou eu.
PROF ART: Ele é meio diferentão. Tá sempre querendo dançar, cantar... agora tem esse negócio de Teatro aqui na escola que eu vou te dizer, isso pra dar boiola é uma tristeza.
PROF HIS: Olha o preconceito!
PROF ART: É por causa de gente como você, que fica ensinando essa coisa ai de liberdade sexual, que esse mundo tá se perdendo. Onde vai parar a família brasileira, meu Deus?
DIRETOR: Podemos voltar ao Conselho de Classe e deixar a intimidade dos alunos de fora da nossa discussão.
PROF MAT: Concordo. Se não, né, o que va acontecer? Vai atra... atra...sar!
PEDAGOGA: E os alunos destaques? Vai me dizer que na 901 não tem bons alunos?
PROF POR: Ah, a Helena é maravilhosa.
PROF GEO: Isso eu concordo, mas tem horas que ela exagera. Quer parecer inteligente demais. Fica até meio arrogante.
TODOS: Pois é, né Agnaldo!
PROF EDF: Acabou o Conselho?
PROF HIS: Ela até pode ser inconveniente em alguns momentos. Mas a Helena ajuda muito as colegas. Não tem aquela amiga dela, a Bianca?
PROF ING: Olha, em 347 anos de profissão, eu nunca vi uma menina tão burra quanto aquela.
PROF HIS: Pois a Helena senta sempre ao lado dela pra ajudar nos deveres. Uma graça.
PEDAGOGA: Ninguém falou das meninas superpoderosas...
TODOS: Meninas superpoderosas?
PEDAGOGA: É como estão chamando as inseparáveis amigas, as mais populares da escola.
DIRETOR: Manu, a menina mais descolada do colégio e suas fiéis escudeiras: Leka, a garota que dorme com o Bozo todos os dias e Kátia, aquela que sonha ser lutadora de MMA.
PEDAGOGA: Até os meninos do Ensino Médio têm medo dela.
PROF POR: Falar o que delas? Elas mandam na sala.
PROF GEO: Eu diria mais... mandam na escola.
PROF HIS: Isso não aconteceria se esse colégio tivesse um grêmio estudantil.
DIRETOR: Ah não, Camila, você novamente com esse papo de grêmio.
PROF HIS: É um direito dos alunos, Maurício. Além do mais, um representante estudantil iria retirar a liderança negativa que essas meninas exercem.
PROF ART: Eu não concordo. Quem garante que os alunos não votariam exatamente nelas.
PROF POR: Isso é verdade. Não existe ninguém que bata de frente com elas.
PROF HIS: Eu penso diferente. Com uma conscientização dos alunos, podemos fazer uma grande revolução nessa escola.
PROF GEO: Minha cara colega Camila, o tempo das revoluções já acabou.
PROF ING: Parece que foi ontem que eu li no jornal... Começa a Revolução Russa.
PROF HIS: Mas isso foi em 1917.
PROF ING: Já tem esse tempo todo? Como passa rápido, minha filha.
DIRETOR: Vamos deixar essa coisa de grêmio com os alunos. Se algum deles se interessar, a gente vê o que faz.
PROF HIS: Isso já é um bom começo.
PEDAGOGA: Então vamos para a turma 902? [Todos em estátua. Entra Joana, que puxa a Camila]

CENA 2

JOANA: Foi só então que eu cheguei na escola.
PROF HIS: É verdade. Eu lembro bem quando você chegou. Era eu mesma que estava na 901.
JOANA: Nossa, é apavorante você chegar em uma escola nova e ainda mais quase no meio do ano.
PROF HIS: Joana, deixa de ser boba. Você tirou isso de letra. [As duas batem palma. O Conselho de Classe se desfaz. Mudança de cenário para uma sala de aula.]
[Entra o diretor]
DIRETOR: Dá licença, professora Camila. Chegou uma aluna nova na turma e gostaria de apresentá-la.
MANU: Aluna nova? Logo na minha sala?
DIRETOR: Que eu saiba, Manuela, você não é dona da turma para chamá-la de sua.
MANU: Tem razão, diretor Maurício. Eu mando na escola, não é só nessa sala, não. Ahh, e me chama de Manu da próxima vez.
RODRIGO: Calma, meu amor. Deve ser só mais uma baranga que... [Entra Joana em grande estilo. Todos ficam admirados]
KÁTIA: Baranga? Quem dera eu tivesse uma lataria dessa.
LEKA: Abre o olho, Manu. Olha lá como o Rodrigo ficou caidinho pela carne nova.
PROF HIS: Seja bem vinda! Qual é o seu nome, querida?
JOANA: É Joana. Minha mãe adorava a História da Joana Darc.
PROF HIS: Sim, claro. É uma heroína francesa. Ela se vestiu de homem, entrou para o Exército e chegou a liderar tropas contra a Inglaterra na famosa Guerra dos Cem Anos.
JOANA: Já percebi que você é a professora de História, não é?
PROF HIS: Acertou! (As duas riem.)
HELENA: Cabe salientar, querida professora, que a Guerra dos Cem Anos, diferente do que se pode concluir a partir do seu nome, durou 116 anos e é conhecida como a guerra mais longa da História.
JOANA: E você pelo jeito deve ser a aluna mais inteligente?
HELENA: Suponho que sim, mas não me orgulho disso, pois a concorrência não me exige muito.
PROF HIS: Queridos, hoje a aula é mais curtinha, lembram. Já estou indo. Angela, vê se cuida da Joana, tá. É bom que ela se cerque de boas companhias. (A prof sai)
ANGELA: Oi, Joana! Eu sou a Angela, essas aqui são minhas fiéis escudeiras.
FRANCINARA: Francinara, mas pode me chamar de Fran.
CUSTÓDIA: Cú...cú...
JOANA: O nome dela é cú?
ANGELA: Calma, já vai sair. É só ter paciência.
CUSTÓDIA: Cú...cú... Custódia. Ufa!
JOANA: Gostei! Vou te chamar de cuscus.
CUSTÓDIA: Tá, tá, tá, tá bom.
JOANA: E quem são aquelas três lá, que não pararam de me encarar desde que eu cheguei?
ANGELA: São as meninas superpoderosas: Kátia, a fortona; Leka, a bobo da corte; e... Manu, a garota mais popular da escola. Se eu fosse você, ficava longe dela.
JOANA: Mas por quê?
ANGELA: Porque ela não gosta de concorrentes. Você é nova, logo logo ela vai querer mostrar quem manda.
PROF ING: Qual turma que é essa, hein?
HELENA: 901, professora Odete.
PROF ING: Ah sim, claro claro... que escola é essa mesmo?
MANU: Olha lá, a velha caducou, não sabe nem onde está mais.
PROF ING: Quem foi que falou isso? [silêncio]
JOANA: Por que vocês não falam que foi aquela menina, a tal da Manu.
ANGELA: Você é doida? Tenho amor à minha vida.
JOANA: Mas ela desrespeitou a professora.
FRANCINARA: Ela não respeita ninguém, Joana.
PROF ING: Vou perguntar pela última vez. Quem foi que me desrespeitou? [Joana se levanta, mas antes dela começar a falar, Manu interrompe.]
MANU: Eu vi quem foi, professora. Aquela aluna nova ali, tá até levantada. Acho que ela ia confessar nesse exato momento. [Joana ameaça retrucar]
CUSTÓDIA: Nã, nã, nã, não fa, fa, fa, fala, na, na, na, nada.
PROF ING: Então a pombinha mal chegou na escola e já colocou as asinhas de fora. Já para a direção.
RODRIGO: Poxa, princesa, podia pegar mais leve. A menina acabou de chegar.
KATIA: Tá com peninha, é?
LEKA: Hummm, Manu. Já falei pra você abrir o seu olho.
MANU: Quem tem pena é galinha, viu Rodriguinho? Se não gostou, leva ela pra casa, leva. [Rodrigo se levanta, fala algo no ouvido da professora e sai]
KÁTIA: Pelo visto ele foi mesmo.
LEKA: Ele lá é maluco de contrariar a Manu? Se bem que a menina é bonitona, mesmo, vocês não acharam? [Ambas olham com cara feia]
PROF ING: Essa confusão toda me cansou, podem sair mais cedo para o recreio. [Todos comemoram e saem de cena]

CENA 3

PEDAGOGA: Eu não acredito que a senhora já se meteu em confusão no primeiro dia de aula.
JOANA: Mas eu já disse que não fiz nada. Foi aquela Manu.
PEDAGOGA: E por que ela faria isso.
JOANA: Não sei, vai ver ela não foi com a minha cara. [Entra o diretor]
DIRETOR: Aí está ela. A professora Odete já me parou no corredor pra fazer reclamação dessa menina.
PEDAGOGA: Nós já estamos conversando.
DIRETOR: Eu acho que já devemos começar com uma suspensão.
JOANA: Suspensão? Mas eu não fiz nada. [Entra Rodrigo lentamente]
DIRETOR: Então por que não apareceu ninguém pra te defender até agora?
RODRIGO: Ela está falando a verdade, diretor. Todos na sala viram que foi a Manu.
PEDAGOGA: Viu, Maurício. Você ia cometer uma grande injustiça.
DIRETOR: Eu vou lá chamar essa Manu agora mesmo.
PEDAGOGA: Faço questão de estar junto. [Ambos saem]
JOANA: Nossa, nem sei como te agradecer.
RODRIGO: Não precisa agradecer, fiz a minha obrigação.
JOANA: Mas a sala estava cheia e ninguém teve a coragem que você teve de enfrentar a Manu.
RODRIGO: Não tenho medo dela.
JOANA: Eu também não tenho.
RODRIGO: Fiquei feliz de você ter entrado na 901.
JOANA: Sério?
RODRIGO: Com certeza. A sala vai ficar muito mais bonita.
JOANA: Que fofo!
RODRIGO: Não consegui tirar o olho de você nem 1 minuto.
JOANA: Sério?
RODRIGO: Você gosta de falar isso, não é.
JOANA: O quê?
RODRIGO: Sério?
JOANA: É mania!
RODRIGO: Sério? [Ambos riem]
JOANA: Acho que é por que você me deixa nervosa. Olha como estou tremendo. [Ele pega na mão dela]
RODRIGO: Nossa, é mesmo. [Coloca a mão no rosto] Você está até gelada.
JOANA: Só se for por fora, pode dentro tá vindo um calor.
RODRIGO: Então por que a gente não dá um jeito nisso? [Se aproxima para beijá-la. Antes, chegam o diretor, a pedagoga e a Manu]
DIRETOR: O que é isso?
PEDAGOGA: O que está acontecendo aqui?
MANU: É mesmo, o que vocês dois estão fazendo?
RODRIGO: Eu posso explicar...
MANU: Com certeza você vai explicar. Pode dar o fora daqui, Rodrigo Augusto.
DIRETOR: Opa, opa! Quem dá ordens aqui sou eu, mocinha.
PEDAGOGA: E além do mais, Rodrigo é a nossa única testemunha.
MANU: Como é que é? Foi o Rodrigo?
JOANA: E ele foi muito homem de ter contado a verdade.
MANU: Menina, cala a boca porque a conversa ainda não chegou no galinheiro.
[Joana ameaça ir pra cima. Rodrigo separa]
MANU: Tá vendo como ela é violenta? É isso aí que vocês estão defendendo.
DIRETOR: Não se trata de defender ninguém, nosso papel é ser justo. Você desrespeitou a professora e depois tentou prejudicar uma colega. Errou duas vezes, mocinha.
PEDAGOGA: Sou obrigada a concordar. Você foi longe demais. Decidimos suspendê-la por 3 dias.
JOANA: A justiça foi feita!
MANU: Bom, comemora agora, sua barangazinha... Isso não vai ficar assim, ouviu? [Manu sai]
RODRIGO: Manu, volta aqui. [Rodrigo sai atrás]
DIRETOR: Joana, acho que devemos desculpas.
PEDAGOGA: Estamos felizes que não tenha sido você. Tivemos ótimas referências suas da outra escola.
DIRETOR: Tem alguma coisa que podemos fazer por você?
JOANA: Na verdade, tem sim. Eu percebi que a escola não tem um Grêmio Estudantil.
PEDAGOGA: A professora Camila que mandou você falar isso?
JOANA: Professora Camila? Não, não. Lá no outro colégio eu era a presidente do Grêmio. Logo que cheguei aqui eu vi que os alunos não eram organizados.
DIRETOR: E o que você pretende fazer?
JOANA: Eu gostaria de organizar a fundação do Grêmio Estudantil aqui na escola. Não penso em me candidatar não, sabe. Só de ajudar a criar já vai me fazer feliz.
PEDAGOGA: Eu acho que não há problemas quanto a isso.
DIRETOR: Eu não sei se é uma boa ideia.
JOANA: Na verdade, senhor diretor, essa organização é um direito dos alunos. Nem mesmo o senhor pode impedir isso.
PEDAGOGA: Ela tem razão, Maurício. [prof Camila entra e fica à parte]
DIRETOR: Procure a professora Camila. Ela com certeza vai te ajudar. [Diretor e Pedagoga saem]


CENA 4

JOANA: Oi, professora. Me pediram para procurar a senhora para falar sobre o Grêmio Estudantil...
PROF HIS: Grêmio Estudantil?
JOANA: Exatamente.
PROF HIS: Menina, você caiu do céu. Como é mesmo o seu nome, querida?
JOANA: Joana.
PROF HIS: Ah sim, Joana. De Joana D’Arc… lembrei.
JOANA: E então, professora, como podemos fazer?
PROF HIS: Veja, Joana, a organização de tudo tem que ser de vocês alunos. Eu apenas posso auxiliar em algumas questões mais burocráticas.
JOANA: Sim, sim. E qual é o primeiro passo? [Entram Angela, Francinara e Custódia]
PROF HIS: Bem, primeiro você tem que mobilizar seus colegas. [Foco muda. Joana se reveza nas conversas]
Angela: Grêmio Estudantil?
Francinara: Pra que serve isso?
Custódia: Ex, ex, ex...
Angela: Va espirrar, Custódia?
Custódia: Não! Ex, ex, explica.
JOANA: O Grêmio funciona como uma organização dos alunos. Ele ajuda a escola para que todos cumpram seus deveres e também luta para garantir os direitos da gente.
FRANCINARA: E que direitos são esses que você está falando?
JOANA: Ter uma boa aula, por exemplo, com bons professores, que ensinam direito a matéria, que tiram nossas dúvidas...
ANGELA: Quem dera se todos fossem assim. Estudar poderia ser muito mais interessante.
JOANA: Eu praticamente só assisti a uma aula. Na outra já fui retirada de sala. Então não conheço muito bem os professores para avaliar.
CUSTÓDIA: Agen, agen, a geeeente con, con, cooonta. [Monta-se uma mini sala de aula. cada um que é citado aparece em cena e sai. A Camila já está]
FRANCINARA: A professora Camila você já conhece. Ela até que é legal, mas de vez em quando exagera nas gírias e acha que é adolescente igual a gente.
PROF HIS: Oi galera! Hoje vamos aprender um bagulho da hora, cês tão ligado que comigo o papo é reto, né, sem embromação. Sou a maior vida loka, tá ligado?
ANGELA: E fora que ela tenta desesperadamente nos transformar em comunistas, né!
PROF HIS: Vocês têm que entender que o Capitalismo é podre, transforma tudo em mercadoria, até mesmo nossas relações. Temos que evitar essa ganância consumista... [som de telefone tocando] Alô, só um minutinho turma, oi Júlio. Fala... Sim, sim, tá confirmado então. Eu vou sair daqui direto para o shopping trocar meu Iphone pelo novo. Depois eu passo na agência para pegar as passagens para a Disney. Dou uma parada no McDonalds porque estou louca para provar aquele sanduiche novo... e depois eu te espero. Vou ficar dando umas voltas nas lojinhas. Tô precisando de sapatos, bolsa... Você sabe, né? Quê? E o que que tem se eu já tenho um closet cheio? A moda passa, meu amor, não é porque sou professora que eu vou ficar fora de moda, não é mesmo? Olha, vou desligar porque tenho que dar aula. Beijos! (...) Onde eu estava mesmo?
FRANCINARA: Outra que você já conhece é a Odete, de inglês. Ela já se aposentou há 20 anos e continua dando aula. Até aí tudo bem, mas o difícil é se manter acordado na aula dela.
PROF ING: Vamos continuar a leitura da aula passada. Onde a gente parou mesmo, hein?
ALUNO: Página 47.
PROF ING: Página 103?
TODOS: 47.
PROF ING: Então tá. O verbo to be corresponde no português aos verbos “ser” ou “estar”. Ele é utilizado para descrever e identificar pessoas e objetos e nas expressões de tempo, de lugar e idade. [Todos dormem] Alguma dúvida?
ANGELA: Tem o professor Agnaldo também, de Geografia. Ele se acha o ser mais iluminado da face da Terra. Não perde a mania de se vangloriar.
ALUNO: Professor, não entendo pra que estudar Geografia. Hoje em dia com o Google Maps e GPS...
PROF GEO: Você sabe que quando eu ouço esse tipo de argumentação esdrúxula e desprovida de inteligência, eu agradeço aos céus por ter um QI de 160. Desta forma eu consigo viver em um mundo diferente de seres inferiores como você. Eu te indico a leitura do meu livro “O que é Geografia”. Entra no seu amado Google que você o encontra.
FRANCINARA: Você vai conhecer também a professora Esther, de Português. A gente a chama de Esther “sai de sala”.
JOANA: Mas por quê?
PROF POR: Como eu ia dizendo, a análise sintática tem como objetivo examinar a estrutura de um período e das orações que compõem um período. [aluno levanta a mão]
ALUNO: Professora, essa análise é com o psicólogo ou psiquiatra? [Todos riem]
PROF POR: Sai de sala! Você aí também porque riu. E você? Me olhou, então é porque quer sair também, pode ir. E a moçona aí? Está de cabeça baixa? Tá me ignorando então... pode sair de sala. [Todos saem] Não ficou ninguém, e agora? Há também a análise morfológica...
JOANA: E ela dá aula para o nada?
ANGELA: Tranquilamente. Já vi isso acontecer duas vezes.
JOANA: Gente, mas isso é muito estranho.
FRANCINARA: É porque você não conheceu ainda o professor de Matemática. Pensa em alguém estranho. Pensou? Eleva ao cubo. Elevou? Agora eleva novamente...
PROF MAT: Hoje, né, vamos aprender a equação, né, que vem depois do primeiro grau, né... é a do... se...guuundo grau. Nela, né, vamos usar uma fórmula famosa, né... a de... de... parece com máscara, mas não é...
ALUNO: Bhaskara?
PROF MAT: Muito bom, garoto! Isso aí.
ANGELA: Eu não sei o que mais me irrita nele, se é a quantidade de vezes que ele fala “né” ou é a mania de achar que a gente tem que participar o tempo todo da aula. Cara, é Matemática. Eu quero a fórmula e os exercícios.
JOANA: Por falar em exercícios... quem é que dá aula de Educação Física?
FRANCINARA: Você quer dizer “quem é a professora” de Educação Física, porque aula mesmo...
ALUNO: Qual esporte a gente vai jogar hoje, professora?
PROF EDF: Chiii, um pouquinho mais baixo porque minha cabeça tá doendo... Hoje é, qualquer coisa, menino, joga futebol.
ALUNA: Mas a gente só joga futebol, professora.
ALUNA: É mesmo, desde o sexto ano. Eu queria aprender a jogar Handebol.
PROF EDF: É simples, quando tocarem a bola pra você é só agachar, pegar com a mão e tentar fazer o gol. Pronto, não tem segredo.
ALUNO: Eu queria aprender a lutar MMA...
PROF EDF: Menino, eu vou dar uma voadora na sua cara se você não falar mais baixo. Vai ser a primeira lição de MMA que você vai aprender.
JOANA: Que horror! Eu gosto tanto de me exercitar. Sabe o que eu adoro também, de Artes.
ANGELA: Eu também gosto. Mas a aula da professora Maria Imaculada é meio pesada.
JOANA: Pesada? Como assim?
PROF ART: Essa sala está carregada.
ALUNO: Vixe, fessora! Não começa com esses papos não que me assusta.
PROF ART: Se assusta é porque você está no pecado. Aliás, dona Kátia, quando foi a última vez que você foi na Igreja.
ALUNA: Eu que sei? Faz é tempo, hein, nem me lembro.
PROF ART: Desviada! Fechem os olhos, todos vocês, vamos fazer uma corrente para limpar a Kátia. [Começa a colocar a mão na cabeça da menina, que foge depois de um tempo, constrangida]
JOANA: Mas isso é muito errado, a escola é laica.
CUSTÓDIA: Que, que, que, que é isso?
JOANA: Quer dizer que a escola não deve estar sujeita à religião, seja qual for.
FRANCINARA: Eu não vejo problema.
ANGELA: Ai, amiga, eu não gosto. E olha que vou sempre na Igreja,
JOANA: Mesmo que todos da sala sejam religiosos, da mesma Igreja, não importa. A escola não é o lugar para esse tipo de coisa. Sem contar que é muito constrangedor e chega a ser ofensivo para quem não é de uma determinada religião ou até mesmo quem não tenha nenhuma.
FRANCINARA: Então é para esse tipo de coisa que existe o Grêmio Estudantil?
JOANA: Exatamente.
ANGELA: Nossa, que legal! Adorei! [saem]


CENA 5

LEKA: Então quer dizer que o Rodriguinho estava de chamego com a mocréia nova?
MANU: Pra você ver, safado!
KATIA: Safado!
MANU: Ei, só eu posso chamar meu namorado de safado.
KATIA: Ah tá! Desculpa!
LEKA: Você ainda acha que ele é seu namorado? Se liga, Manu, a Joana vai te roubar o Rodriguinho.
KATIA: Se não já roubou... Onde ele está agora. [Entram Rodrigo e Joana, de mãos dadas, trocando carícias e se abraçando]
MANU: Ele está... é...
LEKA: Liga pra ele.
MANU: Boa ideia! [Pega o telefone e liga. O Tel toca, Rodrigo olha e ignora]
KATIA: E então?
MANU: Não atende. Ele deve estar no banho ou algo assim.
LEKA E KATIA: Sei! [Rodrigo e Joana saem]
MANU: Mas me conta, quem está organizando esse negócio de Grêmio Estudantil?
LEKA: Quem? A mocréia nova.
MANU: Ah é?
KÁTIA: E parece que as amiguinhas Nerds dela vão se candidatar.
LEKA: Já pensou se elas ganham e colocam uma regra nova sinistra.
KATIA: É, tipo assim: “todos têm que ler 1 livro por semana.”
LEKA: Ou tipo: “todos têm que fazer dever de casa.”
KATIA: Mas peraí, essa já não existe?
LEKA: Existe? Você não fala nada, Manu!
MANU: Só um instante, deixa eu ver se entendi. Aquela ridícula, além de roubar o meu namorado, quer também tirar a autoridade que eu tenho na escola?
KATIA: Tá parecendo que é isso mesmo.
MANU: Leka, quem manda nesse colégio?
LEKA: Manu, a boladona.
MANU: Kátia, quem manda nesse colégio?
LEKA: Manu, a boladona.
MANU: E quem é a Manu?
LEKA E KATIA: É você!
MANU: E quem somos nós?
LEKA E KATIA: As superpoderosas!
MANU: E o que a gente vai fazer?
LEKA E KATIA: A gente vai...
LEKA (cochichando): Você sabe?
KATIA: Eu não, achei que você soubesse.
MANU: A gente vai entrar na disputa pela presidência desse Grêmio.
LEKA E KATIA: Ah tá!
MANU: Aliás, entrar em disputa não. Nós vamos ganhar, não importa como, ouviu bem , meninas.
LEKA E KATIA: Ouvimos!


CENA 6

ANGELA: Não precisa ter medo, meninas.
FRANCINARA: Me admira você dizer isso. Não teve a coragem nem de defender a Joana aquele dia na sala de aula e agora esta aí enfrentando a Manu.
CUSTÓDIA: Ve, ve, verdade!
JOANA: O pronunciamento da chapa é amanhã. Qual das 3 vai fazer o discurso.
ANGELA: A Francinara é uma medrosa. A Custódia é...
CUSTÓDIA: Ga, ga, gaaaga.
ANGELA: Só sobra eu. [Rodrigo aparece na porta da coxia]
RODRIGO: Vamos, princesa. Dá tempo da gente ainda pegar um cineminha.
JOANA: Já vou, meu lindo.
TODAS: Woooon!
FRANCINARA: Vocês dois formam um casal muito fofo.
CUSTÓDIA: Fo, fo, fooofo mesmo.
JOANA: Ai, ele é tão romântico. Ele me escreve poemas.
TODAS: Woooon!
JOANA: Ele me manda flores.
TODAS: Woooon!
JOANA: Ele já até escolheu o nome dos nossos filhos.
ANGELA: Opa, opa! Você disse “filhos”?
FRANCINARA: Você não acha que está muito cedo para pensar nisso, não Joana.
JOANA: Ah, meninas, é coisa de adolescente. A gente sempre acha que nosso namorado vai ser o pai dos nossos filhos.
CUSTÓDIA: Cocô, cocô...cooooitado!
JOANA: Deixa eu ir lá atrás do meu amor. [Entram Katia e Leka, que esbarram em Joana de propósito]
LEKA: Olha quem está aqui.
KATIA: São as Dilmazinhas. As Nerds que acham que vão ser presidente de alguma coisa.
ANGELA: Não são vocês que decidem, tá bom?
LEKA: Aí é que você se engana.
KATIA: Já conversamos com todos os alunos da escola, sala por sala. E eles estão sabendo muito bem em quem vão votar nessa eleição.
FRANCINARA: Isso é corrupção, sabia?
CUSTÓDIA: É, isso é fe, fe, feeeio!
LEKA: É fe, fe, feeeio, bebê. Não interessa! É assim que a gente vai massacrar vocês.
ANGELA: Isso é o que vamos ver. [Cada grupo sai de para um lado]


CENA 7

DIRETOR: Já estou começando a pensar que essa história de Grêmio não foi uma boa.
PEDAGOGA: Maurício, isso não depende de você. Eu já disse que é um direito dos alunos.
DIRETOR: E desde quando aluno tem direito.
PEDAGOGA: Mas é claro que tem.
DIRETOR: Sabe o que está acontecendo? Essa geração tá cheio de moral pra cobrar os seus direitos, mas não quer saber de cumprir os seus deveres.
PEDAGOGA: Mas isso já é outra história. Uma coisa não invalida a outra.
DIRETOR: Pois deveria. Veja só se as superpoderosas ganham essa eleição. A Manu vai se sentir a dona da escola.
PEDAGOGA: Não seja por isso, ela já se sente a dona da escola. [Entram os dois grupos. Monta-se uma plateia]
DIRETOR: Vamos então começar os discursos e começar a eleição.
JOANA: Ai, meu Deus, e agora Angela? Tem certeza que você está sem voz? [Angela tenta falar e não sai nada] E a Francinara, Custódia?
CUSTÓDIA: Su, su, su, sumiu!
JOANA: Então não tem outro jeito. Vai ser você mesmo que vai fazer o discurso, Custódia. [Custódia entra em desespero]
LEKA: Ouvi dizer que a Angela está sem voz.
KATIA: E a Francinara se borrou de tanto medo que nem veio para o discurso.
MANU: Isso vai ser mais fácil do que eu imaginei.
DIRETOR: Manu, você vai ser a primeira. Por favor, diga a seus colegas porque você quer ser a presidente do Grêmio.
MANU: Olá, gente! Na verdade, eu já sou uma espécie de presidente aqui na escola, só não tenho o cargo propriamente dito. Mas tem alguma menina mais popular do que eu?
LEKA e KATIA: Nãaaao!
MANU: Então, gente. A gente vai apenas confirmar o que já existe na prática. E além do mais, as minhas concorrentes são uma piada, não acham? Daqui a pouco elas vão querer que todas sejam bregas e bocós que nem elas. Gente, falando sério... não dá pra votar em um bando de Nerds, ainda mais com o apoio de uma desqualificada que rouba o namorado dos outros. Bom, é isso. Um beijo pra vocês.
LEKA e KATIA: Urrul!! Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!
DIRETOR: Silêncio! Vamos agora para o discurso do outro grupo. Angela, pode vir aqui. [Joana fala algo no ouvido do diretor] Espera um pouco. Acabo de receber a notícia de que Angela não está em condições de falar e Francinara não está presente aqui. Portanto, a única habilitada para fazer o discurso é a Custódia.
JOANA: Respira fundo, vai dar tudo certo. Tá vendo essa bala aqui? Ela retira a gagueira por 5 minutos. É um negócio revolucionário que foi feito na Rússia.
CUSTÓDIA: Te, te, tem certeza?
JOANA: Absoluta! Você não vai gaguejar. Toma isso logo. [entrega a bala. Custódia toma e vai ao centro do palco. Momento de silêncio e tensão]
CUSTÓDIA: Ooooooi! Tuuudo bem? [Ela olha para a Joana e dá um sinal de positivo, como se estivesse conseguindo falar] Se ser Nerd significa levar os estudos a sério; se ser Nerd quer dizer gostar de estudar e tirar notas boas; se ser Nerd significa entrar numa livraria e sentir-se num parque de diversões; se ser Nerd significa lutar por um futuro de sucesso em vez de ficar pensando em coisas fúteis como bolsas, sapatos, cabelo, maquiagem e meninos... sim, somos Nerds com muito orgulho. Daqui há poucos anos vocês serão adultos e votarão para presidente, e não vai ser de um Grêmio estudantil. Quem vocês vão escolher para governá-los? O candidato bonitinho, bem arrumado e simpático? Ou aquele mais bem preparado, mais sério e competente? Na eleição de hoje, não estamos falando apenas da presidência do Grêmio Estudantil. Estamos decidindo que tipo de escola nós queremos estudar. Muito obrigado! [Todos aplaudem com entusiasmo, inclusive Leka e Katia, que é repreendida por Manu]
PEDAGOGA: Custódia, eu não sabia que você falava tão bem.
CUSTÓDIA: Eu, eu, eu, tam, taaambém não. A Jo, Joooana me de, deeeu um re, remééédio.
JOANA: Era uma balinha de Tic e Tac, Custódia. Você conseguiu falar por você mesma.
DIRETOR: Que comecem as eleições. [Todos saem]


CENA 8

PROF ART: Deus abençoe esses alunos para votar.
PROF POR: Mas se eles votarem errado não é culpa deles, não é mesmo. Afinal, nós estamos cansados de ver isso na nossa cidade, no nosso estado, no país...
PROF GEO: É verdade! Não sabemos votar, porém exigimos que nossos alunos saibam.
PROF ING: Eu não vou aceitar se aquela Manu ganhar. Menina desrespeitosa.
PROF HIS: Isso não é democracia, dona Odete. Temos que aceitar a decisão das urnas. Se não vamos repetir o mal exemplo que a gente viu lá em Brasília.
PROF EDF: Essa discussão de impeachment de novo não, hein Camila.
PROF MAT: A gente tem que ter, né, o quê? Paz e? A...mor!
PROF ART: Seja o que Deus quiser. [Todos saem]


CENA 9 [Entram, de um lado, o grupo das populares; do outro, das Nerds]

MANU: Vocês têm certeza que a gente vai ganhar de lavada, não é?
KÁTIA E LEKA: Claro que sim.
MANU: Pois eu não aceito outro resultado que não a minha vitória.
KÁTIA: MANU, a gente fez tudo que você mandou.
MANU: Então vai ser como roubar doce da boca de velho.
LEKA: O certo não é “roubar doce da boca de criança?”
MANU: Tá me desafiando, garota?
KÁTIA: É, maluca! Ela é sinistra, rouba doce da mão de quem ela quiser.
LEKA: Não é da boca? [Ambos olham de cara feia] Relaxa, aí. Você vai ganhar. Todos te admiram, Manu. Você é a mais popular da escola.
MANU: Por que será, né? [muda o foco para o outro lado]
ÂNGELA: Ai, vocês têm certeza que a gente vai ganhar? As pessoas não costumam votar em Nerds para o grêmio estudantil.
FRANCINARA: Refiz meus cálculos ontem à noite. A probabilidade da nossa vitória é grande, porém algumas variáveis são incertas e inexistem parâmetros sólidos para eu afirmar categoricamente um resultado.
CUSTÓDIA: Cê, cê...
ÂNGELA: Eu estou com cê, cê?
CUSTÓDIA: Nãão... Cê, cê.
FRANCINARA: O nome mais apropriado seria bromidose axilar. Talvez você esteja se referindo a mim, mas é fácil explicar: minhas glândulas sudorípares funcionam de modo acelerado, aumentando a umidade em certas regiões abafadas do corpo, fato este que favorece a ploriferação de bactérias causadoras do mal odor.
CUSTÓDIA: Na, na, nada disso... tô, tô, dizendo... cê, cê, vai ganhar. [Entra o diretor]
DIRETOR: Meninas e... meninas. Está na hora de saber que ganhou a eleição para o grêmio estudantil da nossa escola. Já tenho o resultado em mãos. Quero dizer que...
TODOS: Fala logo, diretor.
DIRETOR: Tá bem, tá bem. Vocês mulheres são sempre dramáticas e temperamentais. A chapa vencedora foi...
TODOS: Foi?
DIRETOR: Com 85% dos votos.
TODOS: Foi?
DIRETOR: A chapa das Nerds.
PEDAGOGA: Até você, Maurício, chamando as meninas de Nerds.
MANU: O que vocês têm pra me dizer?
LEKA: Desculpa?
KATIA: Foi mal?
MANU: Foi péssimo! Desculpas não vão diminuir a raiva que eu estou sentindo. Como a gente foi perder para esse bando de Nerds?
LEKA: Aí, acho que você pegou pesado com essas meninas, sabia?
MANU: Não diga.
KATIA: Eu também acho, elas até que são maneiras.
MANU: Como é que é?
LEKA: Vamos lá, Katia, essa história de ficar sendo maltratada já deu pra mim.
KATIA: É isso aí, vamos lá falar com as vencedoras. [Manu sai irritada]
ANGELA: Eu nem sei como te agradecer, Joana.
FRANCINARA: É verdade, se não fosse você nada disso teria acontecido.
JOANA: Que isso, gente. Eu dei só a ideia. Se vocês querem agradecer mesmo, é a Custódia que merece o crédito.
CUSTÓDIA: E, e, eeeeu?
JOANA: Claro! Você deu um show no discurso. Com certeza convenceu os alunos ali.
RODRIGO: Além de linda, também é modesta. Vamos sair todos para comemorar?
TODAS: Vamos!

CENA 10

MANU: Kátia? Leka? Onde estão vocês?
LEKA: Eu estou indo fazer o dever de Matemática.
KATIA: Eu vou na biblioteca trocar meu livro.
MANU: Dever? Biblioteca? Vocês surtaram?
LEKA: Você que está por fora, Manu. A onda agora é estudar.
KATIA: Quer ser popular? Vai ler Machado de Assis, decorar a tabela periódica...
MANU: Como assim? Eu sou a menina mais popular do colégio. Todos me adoram. [Começam a entrar alguns personagens]
MANU: Olha lá o Rodrigo, deve estar arrependido de ter me abandonado... Oi Rodrigo!
RODRIGO: Se liga, Manu! A fila andou.
KATIA: Eu falei!
MANU: Não é possível... Laís, Laís, vamos sair para pegar uns gatinhos?
LAÍS: Eu? Pra ser vista do seu lado? Você quer queimar meu filme? Nem morta!
MANU: Isso só pode ser um pesadelo.
LEKA: Cai na real, Manu. Seu reinado acabou!
MANU: Ai não! E agora? O que eu faço? [As três começam a sair lentamente]
KATIA: Eu sugiro começar por Dom Casmurro, o grande clássico de Machado.
LEKA: A gente vai começar pelos metais alcalinos, principalmente o sódio e o potássio…


FIM


Peça Teatral escrita por Luiz Eduardo Farias


Continue lendo >>