quarta-feira, 14 de março de 2018

Coloque-se no meu lugar*

CENA 1

NARRADOR: Empatia: substantivo feminino. Capacidade psicológica para sentir o mesmo que uma outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo. Colocar-se no lugar do outro é uma das melhores qualidades que uma pessoa pode adquirir na vida. Tarefa complicada, é verdade. Muitas vezes, essa atividade mental não se aproxima da realidade. É preciso vivenciá-la. [Monta o cenário de uma escola]
PROFESSOR: Vamos começar a aula da matéria mais legal da escola.
PEDRO: Você não é professor de Educação Física.
LUANA: Fica quieto, garoto! melhor aula não é Educação Física.
RAFAEL: Qual é então?
LUANA: A aula... vaga. (todos riem)
PROFESSOR: Quanta baboseira. Vamos aprender História. (muito animado)
ALUNOS: Ahhhhh! (desanimados)
PROFESSOR: Que animação, hein galera?
SIMONE: Eu não entendo pra que aprender História.
PEDRO: É, só tem coisa velha.
LUANA: Quem vive de passado é museu.
PROFESSOR: Ignorância pura. Olhar para o passado nos faz entender melhor o presente. Vocês não querem compreender o mundo onde vivem?
ALUNOS: Não!!!!
PROFESSOR: Se não vai por bem, então vai por mal. Vamos fazer uma prova oral surpresa.
RAFAEL: Ah não, professor! Você não avisou nada.
PROFESSOR: Deve ser por isso que ela se chama “surpresa”, não acha?
SIMONE: É, faz sentido.
PROFESSOR: Vamos começar... Pedro, qual é o continente mais rico do mundo atualmente?
PEDRO: É a África.
PROFESSOR: Muito bom!
LUANA: Essa também era fácil.
PROFESSOR: Então vou te fazer outra bem fácil... Qual é o continente mais pobre do mundo atualmente?
LUANA: A Europa, ué!
PROFESSOR: Exatamente.
SIMONE: Faz uma mais difícil pra mim, professor.
PROFESSOR: Então tá bom, tem algo na História desses dois continentes que explica a situação atual deles.
SIMONE: Mas é claro, os europeus foram escravizados por séculos. E foram os africanos que usaram essa mão de obra nas suas colônias.
RAFAEL: Os europeus mereciam isso mesmo, aqueles brancos sempre viveram de modo primitivo, se matando...
PROFESSOR: Rafael, não fale uma coisa dessas. Já não basta os séculos de preconceito que meu povo sofreu? Só por que você é negro acha que tem o direito de se achar superior a nós?
PEDRO: É, cara, viajou agora, hein!
LUANA: Isso é racismo, viu?
SIMONE: Que idiota pensar assim.
TODOS: Coloque-se no meu lugar. [Todos continuam a conversar e o Rafael se destaca]
RAFAEL: Eu não sou racista. Tenho um monte de amigos brancos. A empregada lá de casa é branca e eu nunca a tratei mal. Pelo contrário [riso malicioso]... Depois o errado sou eu. Percebe só. A maioria dos criminosos na prisão são... brancos. Vai me dizer que é coincidência? Pra cima de mim? [todos percebem e retrucam]
PROFESSOR: Quer dizer que os brancos são mais criminosos do que os negros?
RAFAEL: São os números, professor.
PEDRO: E você acha que não tem nada a ver com os anos de exclusão social?
LUANA: A desigualdade de oportunidades é enorme.
SIMONE: Sim, você acha que é fácil ser branco no Brasil.
TODOS: Coloque-se no meu lugar. [retirada do cenário, todos saem]

CENA 2

CICI: Ai, Gisele, o Marquinhos está tão estranho.
GISELE: Também acho. Tá até andando de um jeito diferente, olha só.
ISABELA: E as roupas, agora só quer saber dessas cores sérias.
MARQUINHOS: O que vocês estão cochichando ai, meninas?
TODAS: Nada!
MARQUINHOS: Ah sim, vou fingir que acredito.
CICI: Vou falar a verdade, tá... você anda muito diferente, Marquinhos.
MARQUINHOS: Diferente como?
GISELE: Ah, sei lá, você era tão alegre, espalhafatoso. Agora tá mais contido.
ISABELA: Usava umas calças coladas, coloridas... olha isso agora. (aponta)
MARQUINHOS: Vocês têm razão.
CICI: Você admite que mudou?
MARQUINHOS: Acho que está na cara, né?
GISELE: Muito, tá dando até na pinta.
MARQUINHOS: Será?
ISABELA: Já tem gente por aí comentando...
MARQUINHOS: Comentando o quê?
CICI: Ah, Marquinhos. A gente já percebeu que você não olha mais para os meninos.
GISELE: E olha que o Hugo do primeiro ano dá um mole pra você.
ISABELA: E tem uma coisa ainda pior.
MARQUINHOS: Ah não!
CICI E GISELE: O que é?
ISABELA: Esses dias eu me abaixei pra falar com o Marquinhos e reparei que ele ficou olhando para o meu peito.
CICI E GISELE: Que nojo, Marquinho.
MARQUINHOS: Não é o que vocês estão pensando… (falação) Tinha uma mancha de ketchup na blusa.
CICI: Bem que agora eu também lembrei de um dia que eu te vi entortando o pescoço quando a Gisele passou.
GISELE: Não acredito, Marquinho!
MARQUINHOS: Eu posso explicar.
CICI: Acho bom mesmo.
GISELE: A gente vê na televisão, ouve falar, mas nunca acredita que alguém tão próximo vai acabar nesse caminho.
ISABELA: Vamos, Marquinhos, fala.
MARQUINHOS: Calma, gente, eu vou falar.
CICI: Então fala.
GISELE: A gente não aguenta mais essa agonia.
ISABELA: Desembucha logo, Marquinhos.
MARQUINHOS: Eu sou...
TODAS: Você é...
MARQUINHOS: Eu sou...
TODAS: Você é...
MARQUINHOS: Eu sou hétero!
TODAS: Eu sabia!!!
MARQUINHOS: Eu estava me segurando com medo da reação de vocês.
CICI: É meio nojento, sabe, mas somos suas amigas, relaxa.
GISELE: Vai ser difícil pra sociedade te aceitar.
ISABELA: Ai gente, vou confessar. Ainda estou em choque. Tem certeza que você gosta de meninas?
MARQUINHOS: Tenho, Isabela. Você acha que é fácil se assumir assim.
CICI: Pelo menos agora ele saiu do armário.
GISELE: Só não vai agora querer dar em cima da gente.
ISABELA: Ah é, amizade tem limite. Quer saber, Deus não gosta que faça essas coisa... é pecado.
MARQUINHOS: Pecado é roubar, matar... não estou fazendo mal para ninguém. Eu bem que tentei ser diferente, sabe. Existe toda uma pressão da família, de todo mundo. Mas eu nasci assim, não é uma escolha. Coloque-se no meu lugar.
ISABELA: Não sei não. Minha mãe falou que esse tipo de gente vai tudo para o inferno.
CICI: Se enxerga, Isabela. Fala para sua mãe que os preconceituosos é que vão para o inferno.
MARQUINHOS: Por que as pessoas se incomodam tanto com o que a gente faz com nossa sexualidade?
GISELE: Eu ouvi dizer que um tal Freud (usar a pronúncia errada – “Freudi”)
TODOS: Freud (com a pronúncia correta – “Fróidi”)
GISELE: Esse mesmo... Ele falou que as pessoas que se importam muito com a sexualidade dos outros é porque tem a sua mal resolvida.
CICI: Ah, eu já li isso também. Na verdade, o medo de ser hétero faz com que a pessoa ataque quem é assim.
ISABELA: Eu não concordo.
CICI: Ignora essa aí, Marquinho. Não há diálogo possível com quem é dogmático.
ISABELA: Ei! Eu não sou dogmática… Mas espera aí, Cici, o que isso significa?
CICI: Significa que a pessoa acredita numa verdade absoluta e não aceita discuti-la.
MARQUINHOS: Olha, falou bonito agora.
CICI: Vamos, Marquinhos, libera esse hétero que tem dentro de você.
GISELE: A gente até te ajuda com as gatinhas. [no fundo do palco, passa uma menina]
MARQUINHOS: Dá licença, meninas. Agora o papai aqui vai trabalhar.

CENA 3

[Entram dois trios, um de meninas e outro de meninos; as falas se intercalam; primeiro acende a luz das meninas]
FABIANA: E essa menina nova que se mudou lá pra escola, hein?
LIVIA: Nossa, menina mais lerda... nunca vi.
PAULA: Não pega ninguém, muito fraca.
FABIANA: Não fala muito não porque você também é do time dela.
LIVIA: É mesmo, Paula. Geral apareceu com um gatinho na festa da Letícia e você tava lá sozinha.
PAULA: Tá bom, vai, quero enganar quem? É a minha mãe.
FABIANA: O que tem a sua mãe?
PAULA: Ela me disse que eu tenho que ser mais reservada, esperar o menino certo.
LIVIA: Misericórdia, que coisa mais ultrapassada.
FABIANA: Sua mãe parece que está no século XXI.
LIVIA: Fabiana, nós estamos no século XXI.
FABIANA: Ahhh, aqueles “xisinhos” me confundem toda.
PAULA: Pra ser sincera. Eu não acho que as mulheres têm que ser tão pra frente, sabe. Eu concordo com minha mãe.
LIVIA E FABIANA: Chata!
PAULA: Eu quero conhecer um príncipe, casar com ele e formar uma família feliz.
LIVIA E FABIANA: Iludida!
LIVIA: Paula, se liga, o lance é pegar geral, tá ligada?
FABIANA: Esse lance de casamento é coisa de homem.
LIVIA: Chega a ser patético ver aqueles homens apaixonados, crente que a gente liga pra isso.
PAULA: Eu gosto!
LIVIA E FABIANA: Cala a boca, Paula!
FABIANA: A gente fala assim uma com a outra porque sabe que ninguém se magoa. Se fosse com um menino...
LIVIA: Ele já estava chorando (imita): “sua bruta, grossa, eu sou sensível, tá?” [riem; apaga as meninas, acende os meninos]
FERNANDO: Vou ser sincero com você, Bruno: esses braços de fora estão indecentes.
TIAGO: Eu acho que essa bermuda tá muito curta também.
BRUNO: Ah, o que é que tem? O que é bonito é pra se mostrar.
FERNANDO: E o que as pessoas vão falar de você?
TIAGO: Vão falar não, né Fernando... já estão falando.
BRUNO: Falando o quê?
FERNANDO: Você fica andando na rua desse jeito, às vezes até sozinho.
TIAGO: Qualquer dia uma mulher aparece aí e te pega à força.
BRUNO: Então você está sugerindo que se isso acontecer eu serei o culpado?
FERNANDO e TIAGO: Com certeza!
BRUNO: Mas que papo é esse agora?
FERNANDO: A gente tem que se dar valor, Bruno. Ficar mostrando o corpo assim não é coisa de homem decente.
BRUNO: Mas não está calor?
TIAGO: Só por isso vai ficar andando por aí como um galinha.
BRUNO: Aí não!
FERNANDO: Eu vou ter que concordar. Desse jeito está parecendo que você quer pegar todas as meninas.
BRUNO: Agora você está me ofendendo. Sou homem direito. O tamanho das minhas roupas não define o meu caráter.
TIAGO: Sei não, tá agindo que nem mulher agora.
FERNANDO: Essas bruxas que só nos vêem como um pedaço de carne.
TIAGO: Não liga para os nossos sentimentos.
FERNANDO: Nos magoam com suas cantadas toscas.
BRUNO: Que cantadas?
FERNANDO: Uma vez, uma mulher me disse: “me chama de roupa suja e me esfrega no seu tanquinho.”
TIAGO: E outra vez, passou um grupo de mulheres, tinha acabado de sair do futebol, e começaram a gritar: “gato, você vai pegar ônibus? Porque você tá no ponto.”
BRUNO: Pois eu gosto das mulheres de antigamente. [os dois vão saindo e Paula se aproxima] Gosto de dar flores, fazer poesias, beijar a mão, puxar a cadeira ou abrir a porta primeiro... hoje em dia é difícil encontrar uma menina assim.
PAULA: Eu gosto dessas coisas.
BRUNO: Sério?
PAULA: Sério.
BRUNO: Então temos muito que conversar.
PAULA: Eu também acho.

CENA 4

NARRADOR: Achei o casal bonito, e vocês? Bom, o que importa mesmo é que você esteja percebendo por qual caminho estamos te levando. Repito, não é fácil se colocar no lugar do outro, principalmente quando você está dentro do padrão imposto pela sociedade. [Entram as meninas; Solange fica afastada]
ANDRESSA: Vocês viram como a Solange emagreceu?
JULIA: Foi só começar a namorar... esse povo não tem jeito.
DAYANE: Se continuar assim o João vai largar essa menina.
ANDRESSA: Eu acho que a gente tinha que dar um toque nela.
JULIA: Amiga é para essas coisas, né gente?
DAYANE: Além do mais, nós somos...
TODAS: A gang das gordinhas suculentas!
ANDRESSA: E quem é do nosso bando não pode se desviar não.
JULIA: Cruz credo, se eu perder minhas gordurinhas eu acabo com o meu charme.
DAYANE: Até porque, vamos combinar, os garotos gostam é de um baconzinho.
TODAS: Quem gosta de osso é cachorro! [chegam perto da Solange]
ANDRESSA: Oi amiga maravilhosa!
JULIA: Só se for por dentro, né?
DAYANE: Julia, guarda seu veneno, guarda. (Julia faz o gesto de limpar o veneno)
SOLANGE: Oi, meninas! Tudo bem com vocês?
ANDRESSA: Com a gente está.
JULIA: Você que não parece nada bem.
DAYANE: Pode se abrir com a gente.
TODAS: A gente gosta tanto de você! (faz o gesto de limpar o veneno)
SOLANGE: Eu não tenho nada, pelo contrário, minha vida está ótima.
ANDRESSA: Você tem espelho em casa, Solange?
JULIA: Você perdeu todas as suas dobrinhas.
DAYANE: Esqueceu quem nós somos?
TODAS: A gang das gordinhas suculentas!
SOLANGE: Ai amiga, vocês sabem que eu sou do contra. Você olha as atrizes, as cantoras, as modelos... só tem gordinhas.
ANDRESSA: Mas é claro, meu amor!
TODAS: Se é gordinha, tem saúde.
SOLANGE: Mas é um padrão de beleza irreal. Eu já tentei de tudo. Coloco um prato de pedreiro na minha frente e a fome não vem.
JULIA: Conheço esse tipinho. (cochichando para a amiga) Se não consegue engordar é porque não tem força de vontade.
DAYANE: Minha filha, olha essas camadas de suculência aqui (aponta para a barriga). E essa protuberância aqui. (aponta para a bunda) Isso aqui é muito Big Mac com coca cola, querida.
SOLANGE: Mas eu não consigo, juro que já tentei de tudo.
ANDRESSA: Se não bastasse ter perdido a suculência, dá até pra ver que você está torneada.
JULIA: Quem vê assim até pensa o pior.
DAYANE: Não, Solange, não vai me dizer que...
TODAS: Você entrou pra academia?
SOLANGE: (envergonhada) Entrei, mas só faço 4 vezes na semana.
TODAS: Quatro vezes?
ANDRESSA: Já estou até vendo, daqui a pouco tá com aquela barriga chapada, sarada.
JULIA: Vira essa boca pra lá, Andressa. Você quer que o João largue ela?
DAYANE: (puxando a amiga) Eu quero. Ele é tão gato! (faz o gesto de limpar o veneno)
SOLANGE: Gente, lá na academia é super tranquilo. Um treininho bem de leve, duas horinhas. [entram um professor de ginástica bem espalhafatoso e 3 meninas repetindo os gestos]
PROFESSOR: Vamos lá minhas franguinhas. Quem vai ficar cavalona nesse verão?
TODAS: Eu.
PROFESSOR: Então vamos começar com um alongamento pra evitar lesões. Dobra a coluna até 45 graus. [todas imitam e uma fica parada.
MENINA 1: Serginho, É 45 graus celsius ou fahrenheit?
PROFESSOR: Ai você me pegou. Sou péssimo em Matemática! Vou pesquisar e te falo.
MENINA 2: Continua Serginho, quero ficar cavalona.
PROFESSOR: Então como é que é... é 1, é 2, é 3, é 4...
MENINA 3: Eu tô sentindo queimar a perna.
PROFESSOR: Vai poderosa, deixa esse quadríceps crescer.
MENINA 1: Lá vem ele com Matemática de novo.
PROFESSOR: Deixa de moleza, meninas. Agora vamos tornear esse bumbum.
MENINA 2: Ah, essa série eu gosto.
PROFESSOR: Prende...solta. Prende... solta... (faz o gesto com)
MENINA 3: Xô, gordurinhas!!! [apaga a luz; saem]
ANDRESSA: Deus me livre.
JULIA: Cansei só de pensar.
DAYANE: Solange, vamos agora para um rodízio de pizza pra tirar essa secura toda.
ANDRESSA: Afinal...
JULIA: Nós somos...
TODAS: A gang das gordinhas suculentas! [saem]

CENA 5

[Cenário de escola; 3 meninos de um lado e 3 meninas do outro]
FÁBIO: Nossa, cara, hoje a Rosinha tá um esculacho.
ROBERTO: Isso é bom ou é ruim?
FÁBIO: Deixa de ser bobo, tô falado direito com você.
ROBERTO: Você não tem chance, tira seu cavalinho da chuva.
FÁBIO: Por que está falando isso?
ROBERTO: Fábio, todo mundo sabe que a Rosinha é gamadona no Geraldo.
FÁBIO: pô, cara, não brinca não.
ROBERTO: Tô te falando... quer um conselho? Tenta outra, meu velho.
FÁBIO: Será? Se bem que competir com o Geraldo é covardia.
ROBERTO: Pois é, olha só o charme dele [enquanto isso o Geraldo faz caras e bocas].
FÁBIO: E o óculos fundo de garrafa.
ROBERTO: Maior sacanagem, ele sabe que as mulheres perdem a linha com isso. [chega perto do Geraldo]
FÁBIO: E aí Geraldo, tudo tranquilo?
GERALDO: Neste momento estou sereno, o céu dos meus pensamentos não encontram nebulosidade.
FÁBIO: O cara fala bonito, né?
ROBERTO: É, diz a previsão do tempo sem nem perguntar.
FÁBIO: Deixa de ser burro, é uma figura de linguagem.
GERALDO: Mais precisamente uma metáfora, caros colegas de classe.
ROBERTO: Ah sim, agora eu entendi.
FÁBIO: Geraldo, você tem que contar pra gente qual é o seu segredo.
GERALDO: Seja mais específico, meu caro Fábio.
ROBERTO: Ele quer saber como você faz para fazer sucesso com as meninas.
GERALDO: Queridos colegas, se vocês tivessem a fórmula para transformar qualquer coisa em ouro, vocês contariam para alguém.
ROBERTO: Caraca, tu consegue fazer isso?
FÁBIO: Roberto, fica quieto, fica.
GERALDO: Todos nós sabemos que as mulheres preferem os homens de grande...
ROBERTO e FÁBIO: De grande?
GERALDO: De grande... QI.
ROBERTO: O que é “QI”
FÁBIO: Aquilo que você tem bem pequenininho.
ROBERTO: Ué, mudou de nome? Nem é tão pequenininho, tá?
GERALDO: QI é o quoeficiente de inteligência. As mulheres se derretem quando eu digo que o meu é 130.
FÁBIO: Caramba! Assim você humilha a gente.
ROBERTO: Nem pra emprestar um pouquinho pra gente, maior egoísta... [foco nas meninas]
MARTA: Queria tanto que o Geraldo desse bola pra mim.
TATI: Ai, só em sonho. Ele só tem olhos pra...
AMBAS: Rosinha!
ROSINHA: Dirigiram a palavra para a minha pessoa?
MARTA: Ah Rosinha, chega ser chato esse lance dos meninos só olharem pra você.
TATI: É só você passar que dá pra sentir a paixão no ar.
ROSINHA: Impossível!
AMBAS: Impossível o quê?
ROSINHA: Nitrogênio, oxigênio, gás carbônico, argônio, esses gases nobres sim estão no ar. A paixão não.
MARTA: Nossa, como você é sem imaginação, hein, Rosinha.
TATI: Só pensa em estudo, nunca vi.
ROSINHA: É por isso que sou tão popular. Se vocês estão incomodadas, tem uma fila de meninas querendo ser minha amiga. Vou começar a distribuir senha.
MARTA: Não Rosinha, pelo amor de Deus. Não faz isso com a gente.
TATI: Se a gente não andar com você ninguém enxerga nós duas.
MARTA: Você acha que é fácil ser só um rostinho bonito?
TATI: Eu não pedi pra nascer assim, tá.
AMBAS: Coloque-se no meu lugar.
ROSINHA: Ai, não fala assim. Eu ajudo vocês.
AMBAS: Oba!
ROSINHA: Fiquem aí olhando como a mamãe aqui conquista a caça. [vai em direção ao Geraldo com um andar desajeitado]
MARTA: Será que um dia eu vou andar com tanto charme assim?
TATI: Eu sonho todos os dias com isso.
GERALDO: Olá!
ROSINHA: Olá!
GERALDO: Tenho que dizer que nem a mais potente placa de vídeo é capaz de reproduzir tamanha beleza.
ROSINHA: Que lindo! Sabe, Geraldo. Existe o Star War, o Star Trek... mas o que eu queria mesmo era Star perto de você.
GERALDO: (tímido) Me dá um Ctrl + Alt + Del porque travei agora.
ROSINHA: Ahhh, você não é postagem do Facebook, mas eu estou curtindo.
GERALDO: Então aperta o Start e namora comigo?
ROSINHA: Claro que sim. Pode fazer o download do meu coração. [saem]
TODOS: Queria tanto ser como eles.

CENA 6

NARRADOR: Não é tão difícil imaginar um mundo assim, não é mesmo? O complicado mesmo é ter consciência de que você tem algum preconceito. O problema sempre está no outro... Agora, qual seria a melhor forma de mudar esse cenário? Sou meio pessimista, sabe? Mas é sempre bom ter um fio de esperança no ser humano. A começar por vocês que estão aqui. [Monta o cenário de uma escola]
PROFESSOR: Vamos lá pessoal. Todos lembram o que a gente discutiu na última aula?
PEDRO: Quando foi a última aula?
LUANA: A gente discutiu alguma coisa?
RAFAEL: Não lembro nem o que eu comi hoje no café da manha.
SIMONE: Professor?
PROFESSOR: Finalmente alguém lembra de alguma coisa nessa sala.
SIMONE: Qual é a sua matéria mesmo?
PROFESSOR: Simone, estamos em Junho e você não sabe que dou aula de História?
SIMONE: Já estamos em Junho? Caracoles!! O tempo passa rápido, gente.
PEDRO: Essa aí é doidinha.
LUANA: Doida sou eu, ela é surtada.
RAFAEL: Vamos prestar atenção na aula?
TODOS: Pode começar a aula, querido professor.
PROFESSOR: É bom mesmo... Na última aula, discutimos a questão do racismo.
PEDRO: Ah é, verdade. Agora eu lembrei.
PROFESSOR: Pois então, por que, sob o ponto de vista científico, é incorreto falarmos em raças humanas?
LUANA: Essa é bem simples. O que identifica a cor da nossa pele é uma substância chamada melanina. Quanto maior a sua quantidade, mais escura será a nossa pele.
RAFAEL: Por isso, Luana, os cientistas não enxergam sentido em dividir as pessoas de acordo com a cor da pele, pois é apenas uma dentre milhares de características físicas que nos diferenciam.
SIMONE: É só pensar bem, gente: tem algum sentido você dizer que existe a raça das pessoas de olhos azuis, dos olhos, verdes, castanhos...? E pior, dizer que um deles é superior a outro?
PEDRO: E se disséssemos que os carecas são inferiores aos cabeludos? Ou que os baixinhos são superiores aos altos? [começam a se virar para a plateia]
LUANA: Isso parece estranho pra você?
RAFAEL: E pra você
SIMONE: É um absurdo, não acham?
PROFESSOR: Então, turma, por que será que ainda existem pessoas racistas?
PEDRO: Ah, sei lá. Só pode ser ignorância.
LUANA: Eu, sinceramente, acho que é burrice.
RAFAEL: Eu não queria dizer isso, mas... achar que alguém é superior a outro por causa da cor da pele? Que lixo!
SIMONE: Isso não faz sentido algum. Nenhuma característica física, nenhuma, determina o caráter ou a capacidade de uma pessoa.
PROFESSOR: Pelo visto vocês aprenderam direitinho.
PEDRO: Tiramos 10, professor?
PROFESSOR: Calma, também não é assim. 10 eu não dou pra nenhum aluno.
LUANA: Ihhhh, olha o preconceito, hein professor.
RAFAEL: É isso aí, tá discriminando os alunos agora.
PROFESSOR: Vocês estão deturpando as minhas palavras.
SIMONE: Você não disse agorinha mesmo que não ia dar 10 pra gente.
PROFESSOR: Perfeitamente. Disse isso aí.
PEDRO: Não estou entendendo.
PROFESSOR: Alunos maravilhosos como vocês merecem mil.
TODOS: Professor, professor, professor. [Todos em estátua. Entra o narrador.]
NARRADOR: Quando eu imaginei um final feliz, algo pra dar esperança, não precisava ser uma coisa tão surreal assim, não é mesmo. Acho que vou colocar só um pouquinho de realidade aqui.
PROFESSOR: Pelo visto vocês aprenderam direitinho.
PEDRO: Tiramos 10, professor?
PROFESSOR: Calma, também não é assim. 10 eu não dou pra nenhum aluno.
LUANA: Ihhhh, olha o preconceito, hein professor.
RAFAEL: É isso aí, tá discriminando os alunos agora.
PROFESSOR: Vocês estão deturpando as minhas palavras. Quer saber? Esse debate valeu só 1 ponto. Quero o resumo dos capítulos 4, 5, 6 e 7 para a próxima aula. 10 linhas por página.
SIMONE: E quem não fizer?
PROFESSOR: Vai tomar uma fichinha de ocorrência.
PEDRO: E se não trouxer a ficha assinada?
PROFESSOR: Só vai entrar com o responsável. [Luana levanta a mão] O que foi, Luana?
LUANA: Posso ir ao banheiro? [Professor faz cara de decepção. Toca o sinal da saída.]
PROFESSOR: (para a plateia)Todos aqui já devem ter ouvido falar que no Brasil não existe racismo.
RAFAEL: Isso só pode ser conversa de quem não quer enxergar a realidade.
SIMONE: Os negros ganham em média 55% da renda dos brancos.
PEDRO: Dos 10% mais pobres do Brasil, 71% são negros. Aliás, esse número também está presente em outro dado chocante. De cada 100 pessoas assassinadas no país, 71 são negras.
LUANA: Acho que vocês estão começando a perceber que o racismo não está só nas palavras.
PROFESSOR: Ele está presente na brutalidade policial, que enxerga a cor da pele como uma marca de que um indivíduo é mais perigoso do que outro.
RAFAEL: Ele está presente na cultura nacional. Só 10% dos livros publicados no Brasil têm autores negros.
SIMONE: E não vai ser fácil achar protagonistas negros nesses livros, pois 80% deles são brancos.
PEDRO: Onde estão os negros nas novelas? Fazendo papel de empregada doméstica? Eles não podem ser empresários, médicos…
LUANA: Vocês podem achar que estamos exagerando. Mas no cinema nacional, cerca de 30% dos atores são negros, só que a maioria deles em papéis marginais.
PROFESSOR: Isso sem contar que só 2% dos diretores são negros.
RAFAEL: Não precisa decorar esses números, tá?
SIMONE: É, o professor não vai te cobrar na prova.
PEDRO: Só quero que você reflita.
LUANA: Então vamos, gente? (Todos estão de saída e Rafael fica. Olhar fixo no público)
PROFESSOR: Você não vem, Rafael?
RAFAEL: Eu ainda não deixei o meu pedido pra eles… (devagar) COLOQUE-SE NO MEU LUGAR. (aumenta a voz) COLOQUE-SE NO MEU LUGAR (Todos chegam até ele e o pegam. Ele continua repetindo, mas cada vez mais baixo)

CENA 7

ISABELA: Eu ainda estou de queixo caído com a revelação do Marquinhos.
CICI: Não tem motivo pra isso. Cada um tem a sexualidade que quiser.
ISABELA: Ai, não sei não. Difícil ter que conviver com um amigo assim.
CICI: Eu que o diga, difícil é pra ele ter que conviver com uma amiga assim.
ISABELA: Você acha que eu sou…
GISELE e CICI: Preconceituosa!
ISABELA: Nossa! É um complô agora? Até você, Gisele? Tá concordando com a Cici agora?
GISELE: Não sei, acho que já comecei a pensar diferente.
CICI: Eu não tenho mais dúvidas. Vou apoiar o Marquinhos no que ele decidir ser.
ISABELA: Por que você tomou essa decisão?
CICI: Lembram da última vez que a gente conversou com ele? (Marquinhos aparece e espia)
ISABELA: Como não lembrar, o dia em que o Marquinhos saiu do armário.
CICI: Pois é exatamente esse tipo de piada ridícula que magoa o nosso amigo.
ISABELA: Ah, não tem nada demais. Todo mundo fala essas coisas. [Marquinhos chega]
MARQUINHOS: Todo mundo, Isabela? Então se todo mundo começar a comer cocô você vai sair comendo?
GISELE: Que nojo!
MARQUINHO: Se todo mundo se tacar no rio Paraíba você pula junto, Isabela?
CICI: Responde agora!
ISABELA: Eu não queria te deixar assim.
MARQUINHOS: Eu confio em você, somos amigos. O mínimo que a gente espera é compreensão, carinho...
GISELE: Você também agora anda espiando os outros, isso é típico de...
MARQUINHOS: Chega, Gisele. Respeito é bom e eu gosto.
CICI: Bem feito, eu avisei pra vocês.
ISABELA: A gente respeita a sua opção sexual.
MARQUINHOS: Opção? Sério isso? Você escolheu gostar de homem, Isabela?
ISABELA: Claro que não. Eu, eu simplesmente gosto, ué.
MARQUINHOS: Então é isso que eu sinto.
GISELE: Quer dizer que se você pudesse escolher...
MARQUINHOS: Não sei, Gisele. É muito mais complexo do que vocês imaginam. Você acha que é fácil viver o tempo todo sob os olhares intimidadores enviando flechas venenosas pra você? Senhoras falando que Jesus vai voltar, que sou um pecador. Valentões dizendo que isso é falta de porrada. Mulheres falando que sou um desperdício... (se emociona) Meu pai... dizendo... que sou a vergonha da família. Acha mesmo que alguém escolheria essa vida? Eu nasci assim e não acho que preciso ficar me justificando para as pessoas como se isso fosse um crime.
CICI: O que vocês têm que entender é que o que o Marquinhos ou quem quer que seja faz na sua intimidade é problema só deles.
MARQUINHOS: Eu queria saber por que as pessoas vivem se metendo na vida dos outros.
ISABELA: Mas vocês podiam ser mais discretos.
GISELE: Aí, não Isabela. Vou concordar com eles. O que é ser discreto pra você? Basta duas pessoas do mesmo sexo andarem de mãos dadas para causar um tumulto. Que mundo é esse que faz alguém se incomodar com um gesto de carinho e ignorar uma criança que dorme na rua ou um mendigo que passa fome na esquina. Há algo muito errado com os valores das pessoas. [começam a olhar para a plateia]
CICI: Isso quando não ouvem ofensas, xingamentos ou até mesmo são agredidas.
MARQUINHOS: A cada hora, um gay sofre algum tipo de violência no Brasil. E quase diariamente, ao menos uma pessoa é assassinada por causa da sua orientação sexual. São dados que dão ao Brasil o triste troféu de país mais perigoso do mundo para um homossexual viver.
ISABELA: E tudo isso por causa de pessoas como eu... como vocês. (aponta para a plateia)
TODOS: Sim, como vocês!
GISELE: Não se sinta ofendido. Só admita que você se sente incomodado com o assunto.
CICI: Que já fez piadinhas idiotas sobre isso.
MARQUINHOS: Admitir é o primeiro passo para mudar. E nunca é tarde para isso.
CICI: Sabe aquele colega homossexual? Aquele mesmo que você, sendo uma pessoa ignorante, implica, magoa.
GISELE: Você se lembrou? Ontem mesmo você fez isso?
ISABELA: Você é o que ouviu? E o que você fez? Achou normal?
MARQUINHO: Você é o que sofreu? Saiba que isso é inaceitável. Tenha coragem de denunciar. Porque isso é errado e tem um nome:
TODOS: HOMOFOBIA.
CICI: Não deixe que a religião, sua família, seus amigos.
GISELE: Quem quer que seja.
ISABELA: Pense por você.
MARQUINHOS: Você é responsável por suas ideias.
CICI: Questione.
GISELE: Pesquise.
ISABELA: Abra sua mente.
MARQUINHOS: Coloque-se no meu lugar.

CENA 8

NARRADORA: Eu faço isso o tempo todo. Questionar é o verbo mais praticado por mim. As pessoas tem uma mania louca de achar que o que acontece hoje em dia sempre foi do mesmo jeito. Gente, as coisas mudam o tempo todo. Sempre vai haver uma origem, uma explicação sobre tudo, até mesmo dos preconceitos. E vocês sabiam que o machismo pode ser considerado o mais antigo deles?
FERNANDO: Não acredito que quem está narrando a nossa história seja uma mulher.
TIAGO: Saudades do tempo de Shakespeare.
NARRADORA: Por quê?
BRUNO: Você não sabe? Naquela época todos os papéis teatrais eram interpretados por homens, inclusive os femininos.
NARRADORA: Que horror! Então o Romeu daquela época beijava outro homem?
TIAGO: Isso aí.
NARRADORA: Credo! [entram as meninas]
FABIANA: Pelo visto essa narradora perdeu a última cena.
LIVIA: Acabamos de falar sobre isso e você esta aí fazendo piadinha de mal gosto?
PAULA: Acho bom você dar o fora. A gente continua daqui. [narradora sai]
FERNANDO: Onde estávamos mesmo?
FABIANA: Estávamos discutindo por que os homens e mulheres têm que ter papéis tão definidos.
TIAGO: Porque homem é homem, mulher é mulher.
LIVIA: Falou O FILÓSOFO.
PAULA: Descobriu a pólvora: (imita) Homem é homem, mulher é mulher.
BRUNO: Quem gosta de zoar é homem. Mulher deve se comportar, ser recatada.
TODAS: Ah coitado!
FABIANA: Meninas fazem tudo que os meninos fazem, queridos. Vocês que não veem.
TIAGO: Ah tá, vai me dizer que meninas arrotam.
LIVIA: O quê? A Paulinha aqui sabe cantar o hino do Flamengo só com arroto. Vai, Paula, mostra pra eles.
PAULA: Tá maluca?
BRUNO: Viu? Fica mentindo só pra comprovar suas teses.
PAULA: Que mentindo o quê, Bruno. Só não faço agora porque preciso de no mínimo uma latinha de coca-cola.
TODOS: Que nojo!
FABIANA: Até parece que vocês também não fazem nada que as pessoas dizem ser de menina.
FERNANDO: Não fazemos mesmo.
LIVIA: Ah é, vai me dizer agora que vocês não assistem novela? Não choram?
FERNANDO: Não! [percebe que falou sozinho] Você não vão falar nada?
TIAGO: Pô, Fernando. Você sabe que a gente se amarrava em Carrossel.
BRUNO: Tiago (emocionado), e quando a Maria Joaquina ficava sacaneando o Cirilo?
TIAGO: Cara (chorando), não lembra não que volta a emoção toda de novo. [as meninas se aproximam e os meninos tentam disfarçar]
TODAS: Que fofo! [agora, falas para a plateia]
FABIANA: Vamos combinar? Os meninos ficam muito mais interessantes quando assumem que são sensíveis.
FERNANDO: Eu tenho que falar que as meninas ficam mais interessantes quando arrotam?
TIAGO: Cara, não é isso. Mas aquelas que são muito bonequinhas são um saco mesmo.
BRUNO: Meu sonho é ter uma mulher que jogue vídeo game, assista futebol comigo...
PAULA: Eu adoro videogame. (tentando se aproximar)
BRUNO: Sério? E futebol?
PAULA: Bruno, eu arroto o hino do Flamengo... eu adoro futebol.
BRUNO: Eu vou comprar uma Coca-Cola e você me mostra.
PAULA: Só se for agora. (os dois saem apaixonados)
LIVIA: Esses aí se deram bem de novo.
TIAGO: A gente também pode se dar bem.
LIVIA: Jura? Mas você não vai ser machista, né.
TIAGO: Com você, meu amor, eu sou o que você quiser.
LIVIA: Acho bom. [saem]
FABIANA: Acho que sobrou pra gente, Fernando.
FERNANDO: É, mas vamos ter que colocar um pouco mais de seriedade, porque o assunto é mais grave do que parece.
FABIANA: Verdade, mesmo após a conhecida Lei Maria da Penha, mais de 5 MIL mulheres são assassinadas no Brasil.
FERNANDO: São crimes geralmente cometidos pelos próprios parceiros, homens que dizem amá-las.
FABIANA: Amor é muito diferente disso, não é Fernando.
FERNANDO: Claro, quem ama não usa a violência, seja qual for a relação.
FABIANA: Vocês meninas, fiquem atentas. Quem já namora ou pretende namorar... nunca deixe o menino te agredir.
FERNANDO: Não aceite nada que não seja um gesto de carinho. Vocês mulheres merecem.
FABIANA: E quanto aos meninos... tome cuidado. Agredir uma mulher não é só um crime.
FERNANDO: É sinal de que você é covarde e não tem moral de ser chamado de homem.
FABIANA: Agora a gente pode relaxar, né Fê?
FERNANDO: Acho que sim Fabi. Mas tá cheio de gente olhando.
FABIANA: É só a gente sair, ué.
FERNANDO: E quem vai continuar a História? [chegam as meninas]
TODAS: Nós.
FABIANA E FERNANDO: E quem são vocês?
TODAS: A gang das gordinhas suculentas! [Fabiana e Fernando saem]

CENA 9

SOLANGE: Ai, amigas, queria agradecer vocês por abrir os meus olhos.
ANDRESSA: Imagina, Solange, amiga é para essas coisas.
JULIA: O que fez você mudar de ideia?
SOLANGE: Eu não aguentava mais o controle que estava fazendo sobre meu corpo.
DAYANE: Como assim?
SOLANGE: Você acredita que, quando eu acordava, a primeira coisa que eu fazia era ir direto para o banheiro?
ANDRESSA: Mas todo mundo faz isso.
JULIA: É, dá uma vontade louca de fazer xixi.
SOLANGE: Mas não era pra isso.
DAYANE: Era pra que então?
SOLANGE: Eu ia me pesar, tirar todas as medidas do corpo... ficava lá uns 5 minutos olhando para o espelho. E isso se repetia o dia todo, até a hora de dormir.
ANDRESSA: Nossa, deve ter uns 5 anos que eu não subo numa balança.
JULIA: As duas estão erradas.
DAYANE: Verdade, o excesso de preocupação ou o desleixo completo com o corpo são igualmente ruins para a nossa saúde.
SOLANGE: Não só para a saúde física, pra ser sincera. Eu comecei a deixar de fazer um monte de coisas que eu gosto, de sair e me divertir... estava ficando neurótica.
ANDRESSA: É, vou admitir. A ansiedade em saber que eu não conseguia emagrecer me fazia comer ainda mais.
JULIA: Aí você começa a “chutar o balde”, né?
ANDRESSA: Acho que é isso mesmo.
DAYANE: Quando a gente levanta a nossa autoestima com o nosso grito de guerra.
TODAS: A gang das gordinhas suculentas.
DAYANE: É um manifesto contra qualquer tentativa de padronizar o nosso corpo.
SOLANGE: Eu entendi... nós temos genéticas diferentes, estilos de vida diversos, é natural que nossos corpos não sejam iguais.
ANDRESSA: E temos que entender que há beleza nessa diversidade.
JULIA: Claro que há, mas seja que tipo de corpo você tem, a saúde é prioridade.
DAYANE: Ninguém está pedindo pra você ter aqueles gominhos na barriga. Vai por mim, a maioria das fotos de revista que você vê são todas retocadas de fotoshop.
SOLANGE: Isso é fato. Lembra daquela atriz da Globo toda bonitona que eu te falei que encontrei na rua? Na revista ela tá lá com a pele perfeita, bumbum empinadinho, cinturinha fina... vai ver pessoalmente.
ANDRESSA: Muito diferente?
SOLANGE: Diferente? A Júlia dá de 10 a zero nela.
JULIA: Eu? Nossa, obrigada pelo elogio.
DAYANE: Amiga, isso é sarcasmo, não é elogio. (limpa o veneno)
JULIA: Olha só, sua jararaca...
ANDRESSA: Opa, opa, vamos nos acalmar que a gente tem que dar o nosso recado pra essa galera que está aqui.
JULIA: Você está certa, desculpa.
SOLANGE: Eu que peço desculpas, vamos terminar logo com isso.
DAYANE: A obesidade é uma doença, não se trata apenas de estética. Hoje, as maiores causas de morte do mundo estão ligadas ao excesso de peso.
ANDRESSA: Mais da metade dos brasileiros estão nessa situação. Quase 20% são considerados obesos. Esse é um assunto que você precisa refletir.
JULIA: Do outro lado, muitas pessoas se perdem arriscando a própria vida para ficarem supostamente mais “bonitas”. São mulheres que morrem em cirurgias de fundo de quintal, fazendo uma lipoaspiração ou colocando silicone nos seios.
SOLANGE: Isso sem contar os homens que usam anabolizantes para acelerar artificialmente o crescimento dos músculos.
DAYANE: Meninas, vou propor um novo grito de guerra.
ANDRESSA: Sério?
JULIA: E qual é?
SOLANGE: Ai, fiquei curiosa. [numa roda, Dayane fala baixinho]
DAYANE: Vamos mudar logo agora?
ANDRESSA: Por mim sim. Eu adorei!
JULIA: Então vamos, 1, 2, 3...
SOLANGE: O que nós somos?
TODAS: A GANG DAS SAUDÁVEIS SUCULENTAS!

CENA 10

FÁBIO: Geraldinho, você é o cara mesmo, hein!
ROBERTO: Assino embaixo, quando eu crescer quero ser igual a você.
GERALDO: Até parece. Já esqueceram a nossa conversa?
FÁBIO: Não esqueci não, mas não me convenceu muito.
ROBERTO: Eu não consigo entender como você pode invejar a gente.
GERALDO: É fácil, a gente só sente falta do que não tem.
FÁBIO: Como assim?
GERALDO: Eu sou o mais inteligente da turma, aquilo que costumam chamar de Nerd.
ROBERTO: (começa a rir alto)
GERALDO: O que foi, Roberto?
ROBERTO: Desculpa, eu achei que era uma piada. Você fala tudo tão difícil que quando é piada mesmo eu não entendo. Só quis me antecipar.
FÁBIO: Sei, e o Roberto aqui é o que chamam de “burro bem humorado.”
GERALDO: Talvez seja só um disfarce para que as pessoas não olhem para seu pequeno desenvolvimento intelectual.
FÁBIO: Ahhh, mas essa burrice não dá pra disfarçar não.
ROBERTO: Pô, cara, assim você me magoa.
GERALDO: Enfim, o que quero dizer é que da mesma forma que o Roberto gostaria de ser mais estudioso, eu queria muito ser mais engraçado e popular.
FÁBIO: Entendi, então o lance é respeitar nossas características. Tentar se aproximar das pessoas diferentes para aprender com elas, para ser uma pessoa melhor.
ROBERTO: Eita, acho que até eu entendi.
GERALDO: Tenho orgulho de vocês, meus amigos.
ROSINHA: Será que é tão difícil as pessoas perceberem que nossos comportamentos não são padronizados.
MARTA: O que você quer dizer com isso?
TATI: É, Rosinha, você é inteligente e a gente é burra.
ROSINHA: Pois é exatamente isso que estou questionando. Não é porque eu estudo mais do que você que devo me sentir superior.
TATI: E não é porque a gente é descolada q os meninos vão cair aos nossos pés.
ROSINHA: Exatamente. Viu como você não é burra?
TATI: Essa coisa de popularidade é perigosa. A pessoa fica buscando isso e se esquece de ser ela mesma.
MARTA: Verdade! Nenhuma pessoa tem que se cobrar pra ser famosa. Até porque existe espaço para todas as tribos.
ROSINHA: Pensa quanta gente é admirada porque é escritora, cientista… (Marta e Tati fofocam) O que vocês estão tramando aí?
MARTA: Tem certeza disso, Tati?
TATI: Claro que tenho, estava escrito no roteiro.
ROSINHA: Ah, agora eu entendi. Anda, meninas, a gente tem que finalizar essa peça.
MARTA: Mas eu deixo de ser a minha personagem e viro uma narradora?
TATI: Que importância isso tem, Marta?
ROSINHA: Já que vocês não se entendem, deixa eu começar... queridos e queridas aqui presentes. Obrigado por nos aturarem até aqui.
MARTA: Sua presença é fundamental, sem ela não existe teatro.
TATI: Mais do que isso, sem vocês não conseguimos multiplicar o que aprendemos aqui hoje.
ROSINHA: Respeito.
MARTA: Respeito.
TATI: Respeito. [começam a entrar todos os atores. Eles repetem a palavra.]
ROSINHA: É bom ser tratado com respeito, vocês não acham?
MARTA: O problema é que geralmente é uma palavra que colocamos somente na prateleira dos direitos.
TATI: O mundo será um lugar muito melhor se praticarmos mais o respeito como uma obrigação.
ROSINHA: Por isso e por tudo que você viu aqui hoje.
MARTA: Antes de ser uma pessoa preconceituosa.
TATI: Tenha uma atitude simples, mas muito valiosa.
TODOS: COLOQUE-SE NO MEU LUGAR. [som sobe, luz se apaga, atores se preparam para cumprimentar o público]


FIM


*Título provisório

Peça teatral escrita por Luiz Eduardo Farias

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