quarta-feira, 14 de março de 2018

Turma 901

PRÓLOGO [Entram, de um lado, o grupo das populares; do outro, das Nerds]
MANU: Vocês têm certeza que a gente vai ganhar de lavada, não é?
KÁTIA E LEKA: Claro que sim.
MANU: Pois eu não aceito outro resultado que não a minha vitória.
KÁTIA: Manu, a gente fez tudo que você mandou.
MANU: Então vai ser como roubar doce da boca de velho.
LEKA: O certo não é “roubar doce da boca de criança?”
MANU: Tá me desafiando, garota?
KÁTIA: É, maluca! Ela é sinistra, rouba doce da mão de quem ela quiser.
LEKA: Não é da boca? [Ambos olham de cara feia] Relaxa, aí. Você vai ganhar. Todos te admiram, Manu. Você é a mais popular da escola.
MANU: Por que será, né? [muda o foco para o outro lado]
ÂNGELA: Ai, vocês têm certeza que a gente vai ganhar? As pessoas não costumam votar em Nerds para o grêmio estudantil.
FRANCINARA: Refiz meus cálculos ontem à noite. A probabilidade da nossa vitória é grande, porém algumas variáveis são incertas e inexistem parâmetros sólidos para eu afirmar categoricamente um resultado.
CUSTÓDIA: Cê, cê...
ÂNGELA: Eu estou com cê, cê?
CUSTÓDIA: Nãão... Cê, cê.
FRANCINARA: O nome mais apropriado seria bromidose axilar. Talvez você esteja se referindo a mim, mas é fácil explicar: minhas glândulas sudorípares funcionam de modo acelerado, aumentando a umidade em certas regiões abafadas do corpo, fato este que favorece a proliferação de bactérias causadoras do mal odor.
CUSTÓDIA: Na, na, nada disso... tô, tô, dizendo... cê, cê, vai ganhar. [Entra a diretora]
DIRETOR: Meninas e... meninas. Está na hora de saber que ganhou a eleição para o grêmio estudantil da nossa escola. Já tenho o resultado em mãos. Quero dizer que...
TODOS: Fala logo, diretor.
DIRETOR: Tá bem, tá bem. Vocês mulheres são sempre dramáticas e temperamentais. A chapa vencedora foi... [todos param em estátua]
JOANA: Peraí! Essa história vai ser contada assim, já no final?
PROF HIS: Eu também não entendi. Pra que tanta pressa?
JOANA: E olha lá, eu nem estou aparecendo nela.
PROF HIS: Isso é no mínimo uma injustiça com você.
JOANA: Com nós duas, pra dizer a verdade.
PROF HIS: Mas a ideia do grêmio foi sua.
JOANA: Mas sem sua ajuda nada disso teria acontecido. Foi mágico. Não estamos falando só de uma eleição. Conseguimos mudar completamente a nossa escola.
PROF HIS: Isso é verdade. Mas para as pessoas realmente entenderem como foi essa mudança, a gente tem que voltar no tempo. Depois continuamos essa cena.
JOANA: Ótima ideia! [ambos batem palmas e as pessoas em cena saem da estátua e saem. O diretor fica.]

CENA 1

PEDAGOGA: A hora está passando, vamos começar logo esse Conselho de Classe?
DIRETOR: Cadê a professora Esther, de Português?
PROF POR: Não precisa ficar me dando ordens, sei muito bem quais são as minhas obrigações.
DIRETOR: Cadê a professora Odete, de Inglês?
PROF ING (andando com dificuldade): É aqui que vai ser o... vai ser o...
DIRETOR: Conselho de Classe? (...) É aqui mesmo. (...) Professor Agnaldo, de Geografia.
PROF GEO: Agnaldo Bulhões de Alcântara, PHD em Geopolítica Contemporânea pela Universidade de Cambridge, autor de mais de 15 livros...
PROF POR: Eleito para a Academia Barramansense de Letras.
PROF ING: Falou comigo, Sônia?
PROF POR: Meu nome é Esther.
PROF GEO: Não entendo porque a senhorita insiste em me provocar.
DIRETOR: Professora Camila, de História.
PROF HIS: E aí, beleza?
DIRETOR: Tirando o fato que estamos perdendo tempo.
PROF HIS: O que esse Capitalismo maldito é capaz de fazer, não é mesmo? Conseguiu colocar no ser humano a ideia de que o tempo é uma mercadoria. Não há nada que escape das garras desses gaviões burgueses.
DIRETOR: Professor Sidney, de Matemática.
PROF MAT: Vamos começar logo, né? Por que quem começa cedo, né? Termina? Ceeeedo... Isso aí, né!
DIRETOR: Professora Vanessa, de Educação Física.
PROF EDF: Dá pra falar um pouco mais baixo? Minha cabeça tá doendo horrores.
DIRETOR: E professora Maria Imaculada, de Artes.
PROF ART: Paz do Senhor, irmãos. Que Jesus abençoe essa reunião, dê muita luz e sabedoria para todos nós.
PEDAGOGA: Já que estão todos aqui, vamos começar nosso Conselho de Classe.
PROF POR: Se demorasse mais eu levantava e saia de sala.
PROF ING: Você cisma com esse negócio de sair de sala, não é Sônia?
PROF POR: Eu já disse que meu nome é Esther.
PROF GEO: Sugiro a leitura de um trecho do livro “Como me tornei um professor fantástico, sensacional, incrível...”, de minha autoria, como todos sabem.
PROF HIS: Eu mereço!
PROF GEO: “Um professor brilhante, como eu, deve ser humilde, pois nem todos tiveram a chance de nascerem geniais.”
PROF HIS: Posso vomitar agora?
PROF MAT: Eu acho, né, que a gente, né, deveria, o quê? Começar... agora.
PROF ART: Acorda, Vanessa. O Conselho já começou.
PROF EDF: Então quando acabar você me acorda.
PROF ART: Você tem que acordar pra vida, fica aí nessas noitadas, só bebendo. Jesus esta voltando.
PROF EDF: Pode me acordar se ele voltar também.
PEDAGOGA: Toda vez a mesma coisa. Vocês reclamam tanto dos alunos, mas quando a gente se reúne vocês acabam agindo da mesma forma que eles. [Todos começam a falar “foi ele/ela que começou”, seguido de uma reclamação qualquer]
DIRETOR: Silêncio! Isso que dá juntar tanta mulher de uma vez só. Começa a virar feira.
PEDAGOGA: Esse seu machismo também não ajuda, Diretor. Vamos lá, turma 901. Como vocês a descrevem?
PROF POR: Turma insuportável. Não se comportam, não têm modos. Todo dia eu tenho que tirar uns 10 de sala.
PROF MAT: Sabendo que a turma tem 30 alunos, isso quer dizer que você só dá aula para...
PROF HIS: Eu acho que essas crianças não têm culpa. Elas vivem em uma sociedade opressora, a escola não é atraente para elas. É lógico que, como classe oprimida, elas vão se rebelar. Nesse caso, em forma de liberdade dos movimentos corporais.
PROF GEO: Você quer dizer em forma de “bagunça”. Infelizmente tenho que concordar com a professora Esther. Esses alunos estão com uma falta de postura e desinteressados com o saber.
PROF ING: Quando eu comecei a dar aulas, em mil novecentos e (falar enrolado de propósito para disfarçar a idade).
PROF MAT: Quando, professora?
PROF ING: Mil novecentos e (...) A gente podia dar uma reguada na mão da criança, colocá-la ajoelhada no milho, dar um cascudo na cabeça, um beliscão no braço... Hoje não pode nada. Por isso que está desse jeito.
PROF ART: Na verdade, isso tudo é falta de Deus no coração. Essas crianças ficam o dia inteiro nessa coisa do capeta chamada internet. O bicho do mal, só pode ser. Minha sobrinha tem esse tal de Facebook. A primeira coisa que ela faz quando acorda é o quê? Olhar o Facebook. Na hora do café? Olhar o Facebook. No banheiro, cagando? Olhar o Facebook. Na escola, enquanto o professor dá aula? Olhar o Facebook. Acabou...
PROF EDF: Acabou o Conselho?
PROF MAT: Ainda está aonde? Na novecentos e... um.
PROF ART: Como eu ia dizendo, acabou o interesse dessas crianças pela Igreja. Agora tudo é internet. Quando vai pra Igreja é pra ficar tirando foto e colocar no Istagram: #feemdeus; #timedejesus (pode continuar se der certo)
PEDAGOGA: Então eu coloco que a turma é agitada e demonstra pouco interesse pelos estudos. [professores resmungam, meio que concordando] E quais são os alunos que dão mais trabalho? [Na medida em que os professores falam o nome, eles entram e saem de cena, à parte]
PROF POR: O pior, na minha opinião, é o Marcelo. Aquele menino não para quieto.
PEDAGOGA: É TDAH.
PROF MAT: Que significa, o quê? Transtorno do? Déficit de Atenção e? Hiper? Atividade.
PROF HIS: O garoto só está sendo criança. Agora vocês querem que garotos de 12, 13 anos se comportem como a dona Odete.
PROF ING: Hein? Me chamou, Sônia.
PROF POR: Ai, minha santa paciência. Não é Sônia não, eu já disse, lindinha. Meu nome é Esther.
PROF GEO: Aquela Luciana também é completamente sem noção. Certo dia estava eu palestrando sobre o meu décimo segundo livro: “Como ser um homem irresistível e deixar as mulheres loucas por você”
PROF ART: Jesus tenha misericórdia.
PROF GEO: Quando essa menina dormiu na minha aula.
PROF POR: Isso não deve ser muito difícil.
PEDAGOGA: O professor Agnaldo não é o único que reclamou da Luciana. Vários de vocês me procuraram. Eu chamei a mãe aqui.
DIRETOR: Essa eu estava junto. Mãe solteira, sabe? Não tem o pulso firme de um homem em casa. A menina fica até 2, 3 horas da manhã no computador, no celular... chega aqui na escola tá morrendo de sono.
PROF ING: Tem que chamar o responsável pela Laís. Meu Deus do céu! Que menina mais cheia de fogo.
PROF HIS: São os hormônios, dona Odete. A senhora nunca foi adolescente não?
PROF ING: Ih, minha filha, faz tanto tempo.
PROF ART: E o Diogo hein, ninguém vai falar dele?
PEDAGOGA: O que tem o Diogo, professora?
PROF ART: Ah, todo mundo sabe... ele é...
PROF MAT: Ei, quem gosta de fazer isso sou eu.
PROF ART: Ele é meio diferentão. Tá sempre querendo dançar, cantar... agora tem esse negócio de Teatro aqui na escola que eu vou te dizer, isso pra dar boiola é uma tristeza.
PROF HIS: Olha o preconceito!
PROF ART: É por causa de gente como você, que fica ensinando essa coisa ai de liberdade sexual, que esse mundo tá se perdendo. Onde vai parar a família brasileira, meu Deus?
DIRETOR: Podemos voltar ao Conselho de Classe e deixar a intimidade dos alunos de fora da nossa discussão.
PROF MAT: Concordo. Se não, né, o que va acontecer? Vai atra... atra...sar!
PEDAGOGA: E os alunos destaques? Vai me dizer que na 901 não tem bons alunos?
PROF POR: Ah, a Helena é maravilhosa.
PROF GEO: Isso eu concordo, mas tem horas que ela exagera. Quer parecer inteligente demais. Fica até meio arrogante.
TODOS: Pois é, né Agnaldo!
PROF EDF: Acabou o Conselho?
PROF HIS: Ela até pode ser inconveniente em alguns momentos. Mas a Helena ajuda muito as colegas. Não tem aquela amiga dela, a Bianca?
PROF ING: Olha, em 347 anos de profissão, eu nunca vi uma menina tão burra quanto aquela.
PROF HIS: Pois a Helena senta sempre ao lado dela pra ajudar nos deveres. Uma graça.
PEDAGOGA: Ninguém falou das meninas superpoderosas...
TODOS: Meninas superpoderosas?
PEDAGOGA: É como estão chamando as inseparáveis amigas, as mais populares da escola.
DIRETOR: Manu, a menina mais descolada do colégio e suas fiéis escudeiras: Leka, a garota que dorme com o Bozo todos os dias e Kátia, aquela que sonha ser lutadora de MMA.
PEDAGOGA: Até os meninos do Ensino Médio têm medo dela.
PROF POR: Falar o que delas? Elas mandam na sala.
PROF GEO: Eu diria mais... mandam na escola.
PROF HIS: Isso não aconteceria se esse colégio tivesse um grêmio estudantil.
DIRETOR: Ah não, Camila, você novamente com esse papo de grêmio.
PROF HIS: É um direito dos alunos, Maurício. Além do mais, um representante estudantil iria retirar a liderança negativa que essas meninas exercem.
PROF ART: Eu não concordo. Quem garante que os alunos não votariam exatamente nelas.
PROF POR: Isso é verdade. Não existe ninguém que bata de frente com elas.
PROF HIS: Eu penso diferente. Com uma conscientização dos alunos, podemos fazer uma grande revolução nessa escola.
PROF GEO: Minha cara colega Camila, o tempo das revoluções já acabou.
PROF ING: Parece que foi ontem que eu li no jornal... Começa a Revolução Russa.
PROF HIS: Mas isso foi em 1917.
PROF ING: Já tem esse tempo todo? Como passa rápido, minha filha.
DIRETOR: Vamos deixar essa coisa de grêmio com os alunos. Se algum deles se interessar, a gente vê o que faz.
PROF HIS: Isso já é um bom começo.
PEDAGOGA: Então vamos para a turma 902? [Todos em estátua. Entra Joana, que puxa a Camila]

CENA 2

JOANA: Foi só então que eu cheguei na escola.
PROF HIS: É verdade. Eu lembro bem quando você chegou. Era eu mesma que estava na 901.
JOANA: Nossa, é apavorante você chegar em uma escola nova e ainda mais quase no meio do ano.
PROF HIS: Joana, deixa de ser boba. Você tirou isso de letra. [As duas batem palma. O Conselho de Classe se desfaz. Mudança de cenário para uma sala de aula.]
[Entra o diretor]
DIRETOR: Dá licença, professora Camila. Chegou uma aluna nova na turma e gostaria de apresentá-la.
MANU: Aluna nova? Logo na minha sala?
DIRETOR: Que eu saiba, Manuela, você não é dona da turma para chamá-la de sua.
MANU: Tem razão, diretor Maurício. Eu mando na escola, não é só nessa sala, não. Ahh, e me chama de Manu da próxima vez.
RODRIGO: Calma, meu amor. Deve ser só mais uma baranga que... [Entra Joana em grande estilo. Todos ficam admirados]
KÁTIA: Baranga? Quem dera eu tivesse uma lataria dessa.
LEKA: Abre o olho, Manu. Olha lá como o Rodrigo ficou caidinho pela carne nova.
PROF HIS: Seja bem vinda! Qual é o seu nome, querida?
JOANA: É Joana. Minha mãe adorava a História da Joana Darc.
PROF HIS: Sim, claro. É uma heroína francesa. Ela se vestiu de homem, entrou para o Exército e chegou a liderar tropas contra a Inglaterra na famosa Guerra dos Cem Anos.
JOANA: Já percebi que você é a professora de História, não é?
PROF HIS: Acertou! (As duas riem.)
HELENA: Cabe salientar, querida professora, que a Guerra dos Cem Anos, diferente do que se pode concluir a partir do seu nome, durou 116 anos e é conhecida como a guerra mais longa da História.
JOANA: E você pelo jeito deve ser a aluna mais inteligente?
HELENA: Suponho que sim, mas não me orgulho disso, pois a concorrência não me exige muito.
PROF HIS: Queridos, hoje a aula é mais curtinha, lembram. Já estou indo. Angela, vê se cuida da Joana, tá. É bom que ela se cerque de boas companhias. (A prof sai)
ANGELA: Oi, Joana! Eu sou a Angela, essas aqui são minhas fiéis escudeiras.
FRANCINARA: Francinara, mas pode me chamar de Fran.
CUSTÓDIA: Cú...cú...
JOANA: O nome dela é cú?
ANGELA: Calma, já vai sair. É só ter paciência.
CUSTÓDIA: Cú...cú... Custódia. Ufa!
JOANA: Gostei! Vou te chamar de cuscus.
CUSTÓDIA: Tá, tá, tá, tá bom.
JOANA: E quem são aquelas três lá, que não pararam de me encarar desde que eu cheguei?
ANGELA: São as meninas superpoderosas: Kátia, a fortona; Leka, a bobo da corte; e... Manu, a garota mais popular da escola. Se eu fosse você, ficava longe dela.
JOANA: Mas por quê?
ANGELA: Porque ela não gosta de concorrentes. Você é nova, logo logo ela vai querer mostrar quem manda.
PROF ING: Qual turma que é essa, hein?
HELENA: 901, professora Odete.
PROF ING: Ah sim, claro claro... que escola é essa mesmo?
MANU: Olha lá, a velha caducou, não sabe nem onde está mais.
PROF ING: Quem foi que falou isso? [silêncio]
JOANA: Por que vocês não falam que foi aquela menina, a tal da Manu.
ANGELA: Você é doida? Tenho amor à minha vida.
JOANA: Mas ela desrespeitou a professora.
FRANCINARA: Ela não respeita ninguém, Joana.
PROF ING: Vou perguntar pela última vez. Quem foi que me desrespeitou? [Joana se levanta, mas antes dela começar a falar, Manu interrompe.]
MANU: Eu vi quem foi, professora. Aquela aluna nova ali, tá até levantada. Acho que ela ia confessar nesse exato momento. [Joana ameaça retrucar]
CUSTÓDIA: Nã, nã, nã, não fa, fa, fa, fala, na, na, na, nada.
PROF ING: Então a pombinha mal chegou na escola e já colocou as asinhas de fora. Já para a direção.
RODRIGO: Poxa, princesa, podia pegar mais leve. A menina acabou de chegar.
KATIA: Tá com peninha, é?
LEKA: Hummm, Manu. Já falei pra você abrir o seu olho.
MANU: Quem tem pena é galinha, viu Rodriguinho? Se não gostou, leva ela pra casa, leva. [Rodrigo se levanta, fala algo no ouvido da professora e sai]
KÁTIA: Pelo visto ele foi mesmo.
LEKA: Ele lá é maluco de contrariar a Manu? Se bem que a menina é bonitona, mesmo, vocês não acharam? [Ambas olham com cara feia]
PROF ING: Essa confusão toda me cansou, podem sair mais cedo para o recreio. [Todos comemoram e saem de cena]

CENA 3

PEDAGOGA: Eu não acredito que a senhora já se meteu em confusão no primeiro dia de aula.
JOANA: Mas eu já disse que não fiz nada. Foi aquela Manu.
PEDAGOGA: E por que ela faria isso.
JOANA: Não sei, vai ver ela não foi com a minha cara. [Entra o diretor]
DIRETOR: Aí está ela. A professora Odete já me parou no corredor pra fazer reclamação dessa menina.
PEDAGOGA: Nós já estamos conversando.
DIRETOR: Eu acho que já devemos começar com uma suspensão.
JOANA: Suspensão? Mas eu não fiz nada. [Entra Rodrigo lentamente]
DIRETOR: Então por que não apareceu ninguém pra te defender até agora?
RODRIGO: Ela está falando a verdade, diretor. Todos na sala viram que foi a Manu.
PEDAGOGA: Viu, Maurício. Você ia cometer uma grande injustiça.
DIRETOR: Eu vou lá chamar essa Manu agora mesmo.
PEDAGOGA: Faço questão de estar junto. [Ambos saem]
JOANA: Nossa, nem sei como te agradecer.
RODRIGO: Não precisa agradecer, fiz a minha obrigação.
JOANA: Mas a sala estava cheia e ninguém teve a coragem que você teve de enfrentar a Manu.
RODRIGO: Não tenho medo dela.
JOANA: Eu também não tenho.
RODRIGO: Fiquei feliz de você ter entrado na 901.
JOANA: Sério?
RODRIGO: Com certeza. A sala vai ficar muito mais bonita.
JOANA: Que fofo!
RODRIGO: Não consegui tirar o olho de você nem 1 minuto.
JOANA: Sério?
RODRIGO: Você gosta de falar isso, não é.
JOANA: O quê?
RODRIGO: Sério?
JOANA: É mania!
RODRIGO: Sério? [Ambos riem]
JOANA: Acho que é por que você me deixa nervosa. Olha como estou tremendo. [Ele pega na mão dela]
RODRIGO: Nossa, é mesmo. [Coloca a mão no rosto] Você está até gelada.
JOANA: Só se for por fora, pode dentro tá vindo um calor.
RODRIGO: Então por que a gente não dá um jeito nisso? [Se aproxima para beijá-la. Antes, chegam o diretor, a pedagoga e a Manu]
DIRETOR: O que é isso?
PEDAGOGA: O que está acontecendo aqui?
MANU: É mesmo, o que vocês dois estão fazendo?
RODRIGO: Eu posso explicar...
MANU: Com certeza você vai explicar. Pode dar o fora daqui, Rodrigo Augusto.
DIRETOR: Opa, opa! Quem dá ordens aqui sou eu, mocinha.
PEDAGOGA: E além do mais, Rodrigo é a nossa única testemunha.
MANU: Como é que é? Foi o Rodrigo?
JOANA: E ele foi muito homem de ter contado a verdade.
MANU: Menina, cala a boca porque a conversa ainda não chegou no galinheiro.
[Joana ameaça ir pra cima. Rodrigo separa]
MANU: Tá vendo como ela é violenta? É isso aí que vocês estão defendendo.
DIRETOR: Não se trata de defender ninguém, nosso papel é ser justo. Você desrespeitou a professora e depois tentou prejudicar uma colega. Errou duas vezes, mocinha.
PEDAGOGA: Sou obrigada a concordar. Você foi longe demais. Decidimos suspendê-la por 3 dias.
JOANA: A justiça foi feita!
MANU: Bom, comemora agora, sua barangazinha... Isso não vai ficar assim, ouviu? [Manu sai]
RODRIGO: Manu, volta aqui. [Rodrigo sai atrás]
DIRETOR: Joana, acho que devemos desculpas.
PEDAGOGA: Estamos felizes que não tenha sido você. Tivemos ótimas referências suas da outra escola.
DIRETOR: Tem alguma coisa que podemos fazer por você?
JOANA: Na verdade, tem sim. Eu percebi que a escola não tem um Grêmio Estudantil.
PEDAGOGA: A professora Camila que mandou você falar isso?
JOANA: Professora Camila? Não, não. Lá no outro colégio eu era a presidente do Grêmio. Logo que cheguei aqui eu vi que os alunos não eram organizados.
DIRETOR: E o que você pretende fazer?
JOANA: Eu gostaria de organizar a fundação do Grêmio Estudantil aqui na escola. Não penso em me candidatar não, sabe. Só de ajudar a criar já vai me fazer feliz.
PEDAGOGA: Eu acho que não há problemas quanto a isso.
DIRETOR: Eu não sei se é uma boa ideia.
JOANA: Na verdade, senhor diretor, essa organização é um direito dos alunos. Nem mesmo o senhor pode impedir isso.
PEDAGOGA: Ela tem razão, Maurício. [prof Camila entra e fica à parte]
DIRETOR: Procure a professora Camila. Ela com certeza vai te ajudar. [Diretor e Pedagoga saem]


CENA 4

JOANA: Oi, professora. Me pediram para procurar a senhora para falar sobre o Grêmio Estudantil...
PROF HIS: Grêmio Estudantil?
JOANA: Exatamente.
PROF HIS: Menina, você caiu do céu. Como é mesmo o seu nome, querida?
JOANA: Joana.
PROF HIS: Ah sim, Joana. De Joana D’Arc… lembrei.
JOANA: E então, professora, como podemos fazer?
PROF HIS: Veja, Joana, a organização de tudo tem que ser de vocês alunos. Eu apenas posso auxiliar em algumas questões mais burocráticas.
JOANA: Sim, sim. E qual é o primeiro passo? [Entram Angela, Francinara e Custódia]
PROF HIS: Bem, primeiro você tem que mobilizar seus colegas. [Foco muda. Joana se reveza nas conversas]
Angela: Grêmio Estudantil?
Francinara: Pra que serve isso?
Custódia: Ex, ex, ex...
Angela: Va espirrar, Custódia?
Custódia: Não! Ex, ex, explica.
JOANA: O Grêmio funciona como uma organização dos alunos. Ele ajuda a escola para que todos cumpram seus deveres e também luta para garantir os direitos da gente.
FRANCINARA: E que direitos são esses que você está falando?
JOANA: Ter uma boa aula, por exemplo, com bons professores, que ensinam direito a matéria, que tiram nossas dúvidas...
ANGELA: Quem dera se todos fossem assim. Estudar poderia ser muito mais interessante.
JOANA: Eu praticamente só assisti a uma aula. Na outra já fui retirada de sala. Então não conheço muito bem os professores para avaliar.
CUSTÓDIA: Agen, agen, a geeeente con, con, cooonta. [Monta-se uma mini sala de aula. cada um que é citado aparece em cena e sai. A Camila já está]
FRANCINARA: A professora Camila você já conhece. Ela até que é legal, mas de vez em quando exagera nas gírias e acha que é adolescente igual a gente.
PROF HIS: Oi galera! Hoje vamos aprender um bagulho da hora, cês tão ligado que comigo o papo é reto, né, sem embromação. Sou a maior vida loka, tá ligado?
ANGELA: E fora que ela tenta desesperadamente nos transformar em comunistas, né!
PROF HIS: Vocês têm que entender que o Capitalismo é podre, transforma tudo em mercadoria, até mesmo nossas relações. Temos que evitar essa ganância consumista... [som de telefone tocando] Alô, só um minutinho turma, oi Júlio. Fala... Sim, sim, tá confirmado então. Eu vou sair daqui direto para o shopping trocar meu Iphone pelo novo. Depois eu passo na agência para pegar as passagens para a Disney. Dou uma parada no McDonalds porque estou louca para provar aquele sanduiche novo... e depois eu te espero. Vou ficar dando umas voltas nas lojinhas. Tô precisando de sapatos, bolsa... Você sabe, né? Quê? E o que que tem se eu já tenho um closet cheio? A moda passa, meu amor, não é porque sou professora que eu vou ficar fora de moda, não é mesmo? Olha, vou desligar porque tenho que dar aula. Beijos! (...) Onde eu estava mesmo?
FRANCINARA: Outra que você já conhece é a Odete, de inglês. Ela já se aposentou há 20 anos e continua dando aula. Até aí tudo bem, mas o difícil é se manter acordado na aula dela.
PROF ING: Vamos continuar a leitura da aula passada. Onde a gente parou mesmo, hein?
ALUNO: Página 47.
PROF ING: Página 103?
TODOS: 47.
PROF ING: Então tá. O verbo to be corresponde no português aos verbos “ser” ou “estar”. Ele é utilizado para descrever e identificar pessoas e objetos e nas expressões de tempo, de lugar e idade. [Todos dormem] Alguma dúvida?
ANGELA: Tem o professor Agnaldo também, de Geografia. Ele se acha o ser mais iluminado da face da Terra. Não perde a mania de se vangloriar.
ALUNO: Professor, não entendo pra que estudar Geografia. Hoje em dia com o Google Maps e GPS...
PROF GEO: Você sabe que quando eu ouço esse tipo de argumentação esdrúxula e desprovida de inteligência, eu agradeço aos céus por ter um QI de 160. Desta forma eu consigo viver em um mundo diferente de seres inferiores como você. Eu te indico a leitura do meu livro “O que é Geografia”. Entra no seu amado Google que você o encontra.
FRANCINARA: Você vai conhecer também a professora Esther, de Português. A gente a chama de Esther “sai de sala”.
JOANA: Mas por quê?
PROF POR: Como eu ia dizendo, a análise sintática tem como objetivo examinar a estrutura de um período e das orações que compõem um período. [aluno levanta a mão]
ALUNO: Professora, essa análise é com o psicólogo ou psiquiatra? [Todos riem]
PROF POR: Sai de sala! Você aí também porque riu. E você? Me olhou, então é porque quer sair também, pode ir. E a moçona aí? Está de cabeça baixa? Tá me ignorando então... pode sair de sala. [Todos saem] Não ficou ninguém, e agora? Há também a análise morfológica...
JOANA: E ela dá aula para o nada?
ANGELA: Tranquilamente. Já vi isso acontecer duas vezes.
JOANA: Gente, mas isso é muito estranho.
FRANCINARA: É porque você não conheceu ainda o professor de Matemática. Pensa em alguém estranho. Pensou? Eleva ao cubo. Elevou? Agora eleva novamente...
PROF MAT: Hoje, né, vamos aprender a equação, né, que vem depois do primeiro grau, né... é a do... se...guuundo grau. Nela, né, vamos usar uma fórmula famosa, né... a de... de... parece com máscara, mas não é...
ALUNO: Bhaskara?
PROF MAT: Muito bom, garoto! Isso aí.
ANGELA: Eu não sei o que mais me irrita nele, se é a quantidade de vezes que ele fala “né” ou é a mania de achar que a gente tem que participar o tempo todo da aula. Cara, é Matemática. Eu quero a fórmula e os exercícios.
JOANA: Por falar em exercícios... quem é que dá aula de Educação Física?
FRANCINARA: Você quer dizer “quem é a professora” de Educação Física, porque aula mesmo...
ALUNO: Qual esporte a gente vai jogar hoje, professora?
PROF EDF: Chiii, um pouquinho mais baixo porque minha cabeça tá doendo... Hoje é, qualquer coisa, menino, joga futebol.
ALUNA: Mas a gente só joga futebol, professora.
ALUNA: É mesmo, desde o sexto ano. Eu queria aprender a jogar Handebol.
PROF EDF: É simples, quando tocarem a bola pra você é só agachar, pegar com a mão e tentar fazer o gol. Pronto, não tem segredo.
ALUNO: Eu queria aprender a lutar MMA...
PROF EDF: Menino, eu vou dar uma voadora na sua cara se você não falar mais baixo. Vai ser a primeira lição de MMA que você vai aprender.
JOANA: Que horror! Eu gosto tanto de me exercitar. Sabe o que eu adoro também, de Artes.
ANGELA: Eu também gosto. Mas a aula da professora Maria Imaculada é meio pesada.
JOANA: Pesada? Como assim?
PROF ART: Essa sala está carregada.
ALUNO: Vixe, fessora! Não começa com esses papos não que me assusta.
PROF ART: Se assusta é porque você está no pecado. Aliás, dona Kátia, quando foi a última vez que você foi na Igreja.
ALUNA: Eu que sei? Faz é tempo, hein, nem me lembro.
PROF ART: Desviada! Fechem os olhos, todos vocês, vamos fazer uma corrente para limpar a Kátia. [Começa a colocar a mão na cabeça da menina, que foge depois de um tempo, constrangida]
JOANA: Mas isso é muito errado, a escola é laica.
CUSTÓDIA: Que, que, que, que é isso?
JOANA: Quer dizer que a escola não deve estar sujeita à religião, seja qual for.
FRANCINARA: Eu não vejo problema.
ANGELA: Ai, amiga, eu não gosto. E olha que vou sempre na Igreja,
JOANA: Mesmo que todos da sala sejam religiosos, da mesma Igreja, não importa. A escola não é o lugar para esse tipo de coisa. Sem contar que é muito constrangedor e chega a ser ofensivo para quem não é de uma determinada religião ou até mesmo quem não tenha nenhuma.
FRANCINARA: Então é para esse tipo de coisa que existe o Grêmio Estudantil?
JOANA: Exatamente.
ANGELA: Nossa, que legal! Adorei! [saem]


CENA 5

LEKA: Então quer dizer que o Rodriguinho estava de chamego com a mocréia nova?
MANU: Pra você ver, safado!
KATIA: Safado!
MANU: Ei, só eu posso chamar meu namorado de safado.
KATIA: Ah tá! Desculpa!
LEKA: Você ainda acha que ele é seu namorado? Se liga, Manu, a Joana vai te roubar o Rodriguinho.
KATIA: Se não já roubou... Onde ele está agora. [Entram Rodrigo e Joana, de mãos dadas, trocando carícias e se abraçando]
MANU: Ele está... é...
LEKA: Liga pra ele.
MANU: Boa ideia! [Pega o telefone e liga. O Tel toca, Rodrigo olha e ignora]
KATIA: E então?
MANU: Não atende. Ele deve estar no banho ou algo assim.
LEKA E KATIA: Sei! [Rodrigo e Joana saem]
MANU: Mas me conta, quem está organizando esse negócio de Grêmio Estudantil?
LEKA: Quem? A mocréia nova.
MANU: Ah é?
KÁTIA: E parece que as amiguinhas Nerds dela vão se candidatar.
LEKA: Já pensou se elas ganham e colocam uma regra nova sinistra.
KATIA: É, tipo assim: “todos têm que ler 1 livro por semana.”
LEKA: Ou tipo: “todos têm que fazer dever de casa.”
KATIA: Mas peraí, essa já não existe?
LEKA: Existe? Você não fala nada, Manu!
MANU: Só um instante, deixa eu ver se entendi. Aquela ridícula, além de roubar o meu namorado, quer também tirar a autoridade que eu tenho na escola?
KATIA: Tá parecendo que é isso mesmo.
MANU: Leka, quem manda nesse colégio?
LEKA: Manu, a boladona.
MANU: Kátia, quem manda nesse colégio?
LEKA: Manu, a boladona.
MANU: E quem é a Manu?
LEKA E KATIA: É você!
MANU: E quem somos nós?
LEKA E KATIA: As superpoderosas!
MANU: E o que a gente vai fazer?
LEKA E KATIA: A gente vai...
LEKA (cochichando): Você sabe?
KATIA: Eu não, achei que você soubesse.
MANU: A gente vai entrar na disputa pela presidência desse Grêmio.
LEKA E KATIA: Ah tá!
MANU: Aliás, entrar em disputa não. Nós vamos ganhar, não importa como, ouviu bem , meninas.
LEKA E KATIA: Ouvimos!


CENA 6

ANGELA: Não precisa ter medo, meninas.
FRANCINARA: Me admira você dizer isso. Não teve a coragem nem de defender a Joana aquele dia na sala de aula e agora esta aí enfrentando a Manu.
CUSTÓDIA: Ve, ve, verdade!
JOANA: O pronunciamento da chapa é amanhã. Qual das 3 vai fazer o discurso.
ANGELA: A Francinara é uma medrosa. A Custódia é...
CUSTÓDIA: Ga, ga, gaaaga.
ANGELA: Só sobra eu. [Rodrigo aparece na porta da coxia]
RODRIGO: Vamos, princesa. Dá tempo da gente ainda pegar um cineminha.
JOANA: Já vou, meu lindo.
TODAS: Woooon!
FRANCINARA: Vocês dois formam um casal muito fofo.
CUSTÓDIA: Fo, fo, fooofo mesmo.
JOANA: Ai, ele é tão romântico. Ele me escreve poemas.
TODAS: Woooon!
JOANA: Ele me manda flores.
TODAS: Woooon!
JOANA: Ele já até escolheu o nome dos nossos filhos.
ANGELA: Opa, opa! Você disse “filhos”?
FRANCINARA: Você não acha que está muito cedo para pensar nisso, não Joana.
JOANA: Ah, meninas, é coisa de adolescente. A gente sempre acha que nosso namorado vai ser o pai dos nossos filhos.
CUSTÓDIA: Cocô, cocô...cooooitado!
JOANA: Deixa eu ir lá atrás do meu amor. [Entram Katia e Leka, que esbarram em Joana de propósito]
LEKA: Olha quem está aqui.
KATIA: São as Dilmazinhas. As Nerds que acham que vão ser presidente de alguma coisa.
ANGELA: Não são vocês que decidem, tá bom?
LEKA: Aí é que você se engana.
KATIA: Já conversamos com todos os alunos da escola, sala por sala. E eles estão sabendo muito bem em quem vão votar nessa eleição.
FRANCINARA: Isso é corrupção, sabia?
CUSTÓDIA: É, isso é fe, fe, feeeio!
LEKA: É fe, fe, feeeio, bebê. Não interessa! É assim que a gente vai massacrar vocês.
ANGELA: Isso é o que vamos ver. [Cada grupo sai de para um lado]


CENA 7

DIRETOR: Já estou começando a pensar que essa história de Grêmio não foi uma boa.
PEDAGOGA: Maurício, isso não depende de você. Eu já disse que é um direito dos alunos.
DIRETOR: E desde quando aluno tem direito.
PEDAGOGA: Mas é claro que tem.
DIRETOR: Sabe o que está acontecendo? Essa geração tá cheio de moral pra cobrar os seus direitos, mas não quer saber de cumprir os seus deveres.
PEDAGOGA: Mas isso já é outra história. Uma coisa não invalida a outra.
DIRETOR: Pois deveria. Veja só se as superpoderosas ganham essa eleição. A Manu vai se sentir a dona da escola.
PEDAGOGA: Não seja por isso, ela já se sente a dona da escola. [Entram os dois grupos. Monta-se uma plateia]
DIRETOR: Vamos então começar os discursos e começar a eleição.
JOANA: Ai, meu Deus, e agora Angela? Tem certeza que você está sem voz? [Angela tenta falar e não sai nada] E a Francinara, Custódia?
CUSTÓDIA: Su, su, su, sumiu!
JOANA: Então não tem outro jeito. Vai ser você mesmo que vai fazer o discurso, Custódia. [Custódia entra em desespero]
LEKA: Ouvi dizer que a Angela está sem voz.
KATIA: E a Francinara se borrou de tanto medo que nem veio para o discurso.
MANU: Isso vai ser mais fácil do que eu imaginei.
DIRETOR: Manu, você vai ser a primeira. Por favor, diga a seus colegas porque você quer ser a presidente do Grêmio.
MANU: Olá, gente! Na verdade, eu já sou uma espécie de presidente aqui na escola, só não tenho o cargo propriamente dito. Mas tem alguma menina mais popular do que eu?
LEKA e KATIA: Nãaaao!
MANU: Então, gente. A gente vai apenas confirmar o que já existe na prática. E além do mais, as minhas concorrentes são uma piada, não acham? Daqui a pouco elas vão querer que todas sejam bregas e bocós que nem elas. Gente, falando sério... não dá pra votar em um bando de Nerds, ainda mais com o apoio de uma desqualificada que rouba o namorado dos outros. Bom, é isso. Um beijo pra vocês.
LEKA e KATIA: Urrul!! Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!
DIRETOR: Silêncio! Vamos agora para o discurso do outro grupo. Angela, pode vir aqui. [Joana fala algo no ouvido do diretor] Espera um pouco. Acabo de receber a notícia de que Angela não está em condições de falar e Francinara não está presente aqui. Portanto, a única habilitada para fazer o discurso é a Custódia.
JOANA: Respira fundo, vai dar tudo certo. Tá vendo essa bala aqui? Ela retira a gagueira por 5 minutos. É um negócio revolucionário que foi feito na Rússia.
CUSTÓDIA: Te, te, tem certeza?
JOANA: Absoluta! Você não vai gaguejar. Toma isso logo. [entrega a bala. Custódia toma e vai ao centro do palco. Momento de silêncio e tensão]
CUSTÓDIA: Ooooooi! Tuuudo bem? [Ela olha para a Joana e dá um sinal de positivo, como se estivesse conseguindo falar] Se ser Nerd significa levar os estudos a sério; se ser Nerd quer dizer gostar de estudar e tirar notas boas; se ser Nerd significa entrar numa livraria e sentir-se num parque de diversões; se ser Nerd significa lutar por um futuro de sucesso em vez de ficar pensando em coisas fúteis como bolsas, sapatos, cabelo, maquiagem e meninos... sim, somos Nerds com muito orgulho. Daqui há poucos anos vocês serão adultos e votarão para presidente, e não vai ser de um Grêmio estudantil. Quem vocês vão escolher para governá-los? O candidato bonitinho, bem arrumado e simpático? Ou aquele mais bem preparado, mais sério e competente? Na eleição de hoje, não estamos falando apenas da presidência do Grêmio Estudantil. Estamos decidindo que tipo de escola nós queremos estudar. Muito obrigado! [Todos aplaudem com entusiasmo, inclusive Leka e Katia, que é repreendida por Manu]
PEDAGOGA: Custódia, eu não sabia que você falava tão bem.
CUSTÓDIA: Eu, eu, eu, tam, taaambém não. A Jo, Joooana me de, deeeu um re, remééédio.
JOANA: Era uma balinha de Tic e Tac, Custódia. Você conseguiu falar por você mesma.
DIRETOR: Que comecem as eleições. [Todos saem]


CENA 8

PROF ART: Deus abençoe esses alunos para votar.
PROF POR: Mas se eles votarem errado não é culpa deles, não é mesmo. Afinal, nós estamos cansados de ver isso na nossa cidade, no nosso estado, no país...
PROF GEO: É verdade! Não sabemos votar, porém exigimos que nossos alunos saibam.
PROF ING: Eu não vou aceitar se aquela Manu ganhar. Menina desrespeitosa.
PROF HIS: Isso não é democracia, dona Odete. Temos que aceitar a decisão das urnas. Se não vamos repetir o mal exemplo que a gente viu lá em Brasília.
PROF EDF: Essa discussão de impeachment de novo não, hein Camila.
PROF MAT: A gente tem que ter, né, o quê? Paz e? A...mor!
PROF ART: Seja o que Deus quiser. [Todos saem]


CENA 9 [Entram, de um lado, o grupo das populares; do outro, das Nerds]

MANU: Vocês têm certeza que a gente vai ganhar de lavada, não é?
KÁTIA E LEKA: Claro que sim.
MANU: Pois eu não aceito outro resultado que não a minha vitória.
KÁTIA: MANU, a gente fez tudo que você mandou.
MANU: Então vai ser como roubar doce da boca de velho.
LEKA: O certo não é “roubar doce da boca de criança?”
MANU: Tá me desafiando, garota?
KÁTIA: É, maluca! Ela é sinistra, rouba doce da mão de quem ela quiser.
LEKA: Não é da boca? [Ambos olham de cara feia] Relaxa, aí. Você vai ganhar. Todos te admiram, Manu. Você é a mais popular da escola.
MANU: Por que será, né? [muda o foco para o outro lado]
ÂNGELA: Ai, vocês têm certeza que a gente vai ganhar? As pessoas não costumam votar em Nerds para o grêmio estudantil.
FRANCINARA: Refiz meus cálculos ontem à noite. A probabilidade da nossa vitória é grande, porém algumas variáveis são incertas e inexistem parâmetros sólidos para eu afirmar categoricamente um resultado.
CUSTÓDIA: Cê, cê...
ÂNGELA: Eu estou com cê, cê?
CUSTÓDIA: Nãão... Cê, cê.
FRANCINARA: O nome mais apropriado seria bromidose axilar. Talvez você esteja se referindo a mim, mas é fácil explicar: minhas glândulas sudorípares funcionam de modo acelerado, aumentando a umidade em certas regiões abafadas do corpo, fato este que favorece a ploriferação de bactérias causadoras do mal odor.
CUSTÓDIA: Na, na, nada disso... tô, tô, dizendo... cê, cê, vai ganhar. [Entra o diretor]
DIRETOR: Meninas e... meninas. Está na hora de saber que ganhou a eleição para o grêmio estudantil da nossa escola. Já tenho o resultado em mãos. Quero dizer que...
TODOS: Fala logo, diretor.
DIRETOR: Tá bem, tá bem. Vocês mulheres são sempre dramáticas e temperamentais. A chapa vencedora foi...
TODOS: Foi?
DIRETOR: Com 85% dos votos.
TODOS: Foi?
DIRETOR: A chapa das Nerds.
PEDAGOGA: Até você, Maurício, chamando as meninas de Nerds.
MANU: O que vocês têm pra me dizer?
LEKA: Desculpa?
KATIA: Foi mal?
MANU: Foi péssimo! Desculpas não vão diminuir a raiva que eu estou sentindo. Como a gente foi perder para esse bando de Nerds?
LEKA: Aí, acho que você pegou pesado com essas meninas, sabia?
MANU: Não diga.
KATIA: Eu também acho, elas até que são maneiras.
MANU: Como é que é?
LEKA: Vamos lá, Katia, essa história de ficar sendo maltratada já deu pra mim.
KATIA: É isso aí, vamos lá falar com as vencedoras. [Manu sai irritada]
ANGELA: Eu nem sei como te agradecer, Joana.
FRANCINARA: É verdade, se não fosse você nada disso teria acontecido.
JOANA: Que isso, gente. Eu dei só a ideia. Se vocês querem agradecer mesmo, é a Custódia que merece o crédito.
CUSTÓDIA: E, e, eeeeu?
JOANA: Claro! Você deu um show no discurso. Com certeza convenceu os alunos ali.
RODRIGO: Além de linda, também é modesta. Vamos sair todos para comemorar?
TODAS: Vamos!

CENA 10

MANU: Kátia? Leka? Onde estão vocês?
LEKA: Eu estou indo fazer o dever de Matemática.
KATIA: Eu vou na biblioteca trocar meu livro.
MANU: Dever? Biblioteca? Vocês surtaram?
LEKA: Você que está por fora, Manu. A onda agora é estudar.
KATIA: Quer ser popular? Vai ler Machado de Assis, decorar a tabela periódica...
MANU: Como assim? Eu sou a menina mais popular do colégio. Todos me adoram. [Começam a entrar alguns personagens]
MANU: Olha lá o Rodrigo, deve estar arrependido de ter me abandonado... Oi Rodrigo!
RODRIGO: Se liga, Manu! A fila andou.
KATIA: Eu falei!
MANU: Não é possível... Laís, Laís, vamos sair para pegar uns gatinhos?
LAÍS: Eu? Pra ser vista do seu lado? Você quer queimar meu filme? Nem morta!
MANU: Isso só pode ser um pesadelo.
LEKA: Cai na real, Manu. Seu reinado acabou!
MANU: Ai não! E agora? O que eu faço? [As três começam a sair lentamente]
KATIA: Eu sugiro começar por Dom Casmurro, o grande clássico de Machado.
LEKA: A gente vai começar pelos metais alcalinos, principalmente o sódio e o potássio…


FIM


Peça Teatral escrita por Luiz Eduardo Farias


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