quarta-feira, 3 de julho de 2013

O que faz o professor pensar em desistir e o que o motiva a permanecer?

Sabe aqueles dias em que dá vontade de largar tudo e desistir de ser professor? E outros em que acontece algo que faz tudo valer a pena? Pois é, que tal viver os dois em 20 minutos?
Esse texto é um desabafo, ok, que fique claro. Não tenho a intenção de escrever pra agradar ou falar mal de ninguém. A situação que vou relatar aqui foi devidamente comunicada para quem é de direito e vou omitir todos os nomes. E como todo desabafo, só vou terminar quando extravasar tudo que tiver entalado. Portanto, vai sim ser um texto longo, sinto muito.
Eu acredito que a educação escolar não pode se resumir ao que ocorre em sala de aula. Aliás, o formato educacional atual mais parece uma prisão, onde todos são controlados (alunos e professores), inclusive em relação às necessidades fisiológicas. Tenho, sinceramente, muita pena dos alunos em ter que ficar 5 horas sentados, todos os dias, assistindo quase sempre a monólogos enfadonhos ou atividades extremamente fúteis e longe de serem desafiadoras.
Desde o meu primeiro ano como professor (e já se foram 7 anos), sempre usei uma estratégia pela qual obtive imenso sucesso na melhora da relação professor-aluno e, consequentemente, um ambiente mais agradável para o aprendizado em sala. Em momentos em que a matéria está adiantada e/ou já chegamos ao fim de um bimestre, quando todas as minhas obrigações já foram feitas (correção de avaliações, recuperação paralela, revisão da matéria, auto-avaliação etc.), proponho uma atividade ao ar livre. Dependendo do perfil dos alunos, tal atividade pode ser futebol, basquete, vôlei, queimada, enfim, algum jogo coletivo. Vocês não imaginam como as crianças ficam felizes! Nunca tive problema algum em todos esses anos. Pelo contrário, já tive turmas em que eu me benzia antes de entrar na sala e que depois disso passou a ser extremamente prazeroso.
Eu nunca tive problema... até hoje!
Sem entender esse contexto todo que abordei acima, aliás, sem ter conhecimento do trabalho que eu realizo, fui abordado e indiretamente criticado por ter saído de sala com uma turma para fazer o que sempre fiz (se bem que nos últimos dois anos eu não havia feito nesta escola). A grande indagação era “o que a bola tinha a ver com a minha disciplina”, se “não era melhor eu estar em sala fazendo lição”. Tá certo que era o último dia antes das recuperações, mas eu já havia feito todas as atividades possíveis e imagináveis e a única coisa que eu poderia fazer era iniciar o bimestre que começa apenas depois das férias. É meio óbvio que essa última opção era um mero “encher linguiça”, pois depois das férias eles não lembram nem o nosso nome, ainda mais a matéria. Mas parece que o “encher linguiça” é mais conveniente para as escolas do que “essas atividades que os professores inventam, que só vai fazer bagunça no colégio” (esse sou eu pensando, tá, não coloque na conta da tal pessoa não, viu). Enfim, deixar os alunos “à toa”, desde que seja dentro da sala de aula pode. Aliás, há muito tempo que tenho dito que ninguém liga para o que se faz dentro de sala, desde que você esteja DENTRO DE SALA. O que mais vejo (e me contam) é professor que deixa os alunos ficarem mexendo no celular, jogando cartas, jogando pingue-pongue nas carteiras... e ninguém reclama. Por quê? Porque ele tá DENTRO DE SALA. Pois bem, eu que devo ser um tremendo idiota, babaca, imbecil, de ficar inúmeros finais de semana preparando e corrigindo atividades, pesquisando coisas novas, fazendo malabarismos em sala pra tonar as aulas mais agradáveis, realmente me importando e fazendo um grande esforço para que meus alunos aprendam, pra no fim das contas ser comparado com aquele outro colega lá de cima, que todos nós sabemos que existe, que simplesmente não quer trabalhar. Eu realmente estou cansado disso tudo, dessa ultrajante hipocrisia existente nas escolas. Dá vontade de desistir de tudo!
Nem continuei a história, né! Mas não importa muito. Mesmo continuando a atividade que havia proposto, não foi a mesma coisa, não deu pra curtir, não interagi como eu queria, enfim, não foi legal. O banho de água fria já havia sido dado. É o ônus de ser diferente em uma escola tradicional.
Pena que isso tudo ofuscou a minha alegria de, 20 minutos antes disso tudo, ter recebido dois presentes de alunas desta mesma turma da tal atividade. Um deles é essa tartaruguinha que chamei de “Tatá” e o outro é uma dessas cartinhas que estão nas fotos.






É claro que esses presentes são carregados de significados. Esses dois e outros que postei aqui são apenas exemplos do carinho que tenho recebido durante esses anos. Se fosse somente atuais alunos, ainda poderia restar aquela dúvida se não estão sendo gentis para receber uma nota em troca. Mas são muitos e muitos ex-alunos que escrevem ou falam coisas das quais não tinha ideia. Momentos que nem eu sabia, mas se tornaram inesquecíveis. A honra de ser considerado o melhor professor da vida deles. Enfim, coisas que me deixam realmente emocionado e me dão orgulho do que eu faço.
Pra finalizar, vou contar somente mais uma situação que ajuda a esclarecer o meu pensamento. Um dia desses, descia uma escada da minha escola e me deparei com uma discussão, no pátio, entre duas alunas minhas, de salas diferentes. Chamei no canto uma delas, a que estava mais alterada e comecei a conversar com ela. Sabe aquelas alunas que gostam de um barraco? Pois bem, mas ela me dizia que estava se esforçando pra ser uma boa aluna, comportada, acabando com essa fama de brigona. Me disse, aos prantos, que não havia feito nada com a outra menina e que haviam inventado uma fofoca que deu inicio a discussão, inclusive com juras de briga tipo MMA. Conversei com ela longamente (tudo isso sem que fosse a minha aula na turma dela), disse que confiava nela e que ela não devia ter medo do que os outros falam, pois o importante é que no coração dela havia a certeza da inocência. E pedi; “você não vai brigar!”. Ela prometeu. Na hora da saída ela veio me procurar, chorando muito, dizendo que não tava aguentando as provocações. Conversamos mais uma vez e no final ela me disse: “Professor, eu não vou brigar, mas é pelo senhor!”.
Me diga, em que índice isso entra? Que números que eu ganhei? Vou receber algum bônus-esmola por isso?
O sistema educacional atual quer máquinas formando outras máquinas. Não há incentivo algum para que sejam seres humanos formando outros seres humanos.
Hoje meu sangue ainda ferve, mas amanhã só me lembrarei da Tatá, das cartinhas e de uma briga que evitei que ocorresse.
Espero!


6 comentários:

Fernanda disse...

Adorei seu texto...... me fez pensar muito sobre minha situação. Eu ao contrário, tento ser igual aos meus antigos professores e não dá certo. :(

Bruno de Oliveira disse...

Texto lindo. A parte propriamente humana da educação é sempre a mais difícil: http://aoinvesdoinverso.wordpress.com/2014/01/23/voltar-a-escola/

Leticia MF disse...

Olá, esse post já faz milhares de anos (mas como é única coisa que ainda parece existir de você) gostaria de deixar meu relato.

Eu sou Leticia, hoje jovem adulta e sou ex aluna do melhor professor de história que já tive na vida.
Você, professor Doofenshmirtz (apelido que te chamava na época), me deu aula em 2009 (ou 2010, sei lá), no colégio no fim de Barra Mansa (com corredores que pareciam de quartéis militares), sendo o professor de história que ironicamente (ou não) marcou a minha história. Tanto que depois de 12 anos ainda te procuro para agradecer.

Seu trabalho é honroso. sem dúvidas você é a pessoa mais humana que já encontrei em toda minha vida escolar (até mesmo acadêmica).

A sua compaixão e visão com temas do holocausto foi um dos pontos que mais me marcou, transmitiu para mim e até hoje é presente na minha vida. Meu primeiro contato foi com o filme/documentário Sobreviventes do Holocausto que você passou na minha turma. Outra recordação, foi uma "palestra" com uma sobrevivente que você nos levou na Apae, também foi muito marcante e emocionante para mim. Hoje em dia uso muito do meu tempo tentando entender as motivações e psicologias da segunda guerra, nazismo e holocausto.

(CONTINUA... pq não vai caber aqui nessa plataforma arcaica)

Leticia MF disse...

(Continuando)

Outro ponto que gostaria de reconhecer publicamente e agradecer imensamente é por aquele trabalho de final de ano, que fizemos um livro da nossa história e que mesmo não sendo mais meu professor me acompanhou o ano seguinte inteiro, lendo desabafos e aconselhando uma aborrecente em crise.

Seu lado sensível e humano era incrível, , você se preocupava com cada aluno mesmo que além da sala de aula, acolhendo fardos que muitos jovém temem contar a qlqr um.

Você sempre foi um professor que transmite paz e confiança. Foi um grande amigo para mim mesmo que nenhum de nós dois entendesse a magnitude disso na época.

Depois que mudei de colégio em 2012, as coisas se complicaram, meus textos de desabafo e quase um diário clássico de filmes de drama/comédia adolescente, me faziam bem.
Depois que essas sessões gratuitas de terapia acabaram por minha mudança de escola, eu entrei em depressão, coisas ruins aconteceram, eu tentei suicídio, fiquei em "coma" por 7 dias no hospital, desenvolvi sérios problemas de nervos e ansiedade, sai e voltei para casa e reprovei na escola por faltas, mas hoje só tenho problemas de pressão (com 25 anos, que idosa).

Depois de acompanhamento psicológico, consegui entender que você foi a salvação da minha vida naquele ano dos desabafos, coisas que até hoje não foram superadas.
Se você fosse só mais um professor de rede pública nada disso existiria (talvez nem eu, ou a pessoa que sou hoje), por isso, minha mais sincera gratidão.

(CONTINUA...)

Leticia MF disse...

(CONTINUANDO)

Outra coisa que me lembro era a paixão por história e que suas aulas floresceram isso ainda mais em mim.

(OBS: Você não teve influência sobre isso, mas mateis muitas aulas naquela biblioteca super escondida da escola lendo sobre história, e foi nesse ano que conheci a arquitetura.)

Me lembro do dia que conversei com você que queria ser decoradora, porque eu assistia Mulheres Ricas na Band TV, e estava muito em dúvida entre história e decoração. No dia levei até um jornal com os classificados de empregos de decoradora para defender meu ponto (caraca, isso é mesmo muito velho kkkk) e você deu o máximo de seus argumentos para me puxar para a graduação de história posteriormente.

Agora, adivinha...
Não, eu não fiz história, mas fui no bloco ao lado ver como era e tinham pessoas sentadas no chão do corredor com roupas largas, dreads e comendo brisadeiro kkkkkk, gosto de humanas mas não é pra tanto.

Pelas suas aulas de história conheci a arquitetura e me apaixonei, em 2019 (coincidentemente 10 anos depois, ou 9 pq não me lembro exato) entrei na faculdade de arquitetura e nunca me esqueci de você que foi o professor que mais me incentivou enquanto tínhamos contato.

No segundo período usei todas as minhas forças para convencer minhas amigas que a aula de história da arquitetura era perfeita, mas elas não curtiram e sempre dormiam nas aulas, já eu, fazia resumos e desenhos até no escuro devido ao slide a aula toda kkkkk.

A disciplina nunca mais esteve ausente a minha vida, essa pandemia desgraçada me fez trancar a faculdade e adivinha... Hoje estudo História da Arte e Arquitetura.


(CONTINUA, de novo mas juro que está acabando kkkk)

Leticia MF disse...

(CONTINUANDO)

A única foto que tirei com você, no último dia antes de mudar de escola, ainda tenho, PQP, a gente era feio que nem umas peste (mi spiace, não podia deixar isso passar kkkkkkkk).

Nunca fui daquela alunas doida apaixonadinha por professor, mas te admirava imensamente, tinha você como melhor amigo, me sentia segura igual a aluna barraqueira ai do seu post, e você me aconselhava igual. (quase como uma figura paterna, que aliás hoje é dia dos pais, que aliás foi a última vez que vi meu pai antes de falecer 3 anos atrás)

Eu queria muito que soubesse de tudo isso, o quanto marcou a minha vida positivamente, como professor, como pessoas, como mentor e como inspiração.

Nessa nova era de EAD, tento passar o mínimo de como você era tentando convencer meu irmão que história é fascinante (disciplina essa que meu irmão odeia) e claro, fazendo inveja nele que eu tive o melhor professor de todos.

Acho que minha sina será sempre tentar convencer pessoas gostar de história, tentar transmitir uma fração desse encanto da disciplina que você me passou.

Eu ainda serei uma sensacional e famosa arquiteta de restauro e preservação de patrimônios, para preservar nossa amada história, e neste dia você será lembrado. Anota isso ai, faço até um vídeo do discurso de formatura :)

ENFIM,
Grande beijo, onde quer que esteja, continue com seu trabalho incrível. Você transforma a vida de muitos jovens.

Att,
aquela tripa que te entregava um mp3 com diário todo mês.

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