Foram praticamente 6 meses de reclusão. Minhas lutas interiores e a saudade do meu irmão invadiam a minha mente e impossibilitavam a realização daquilo que é uma das coisas que mais gosto: discutir a Educação. Não me livrei daquilo que me dominava, mas estou aprendendo a conviver com elas. E assim a vida tem que continuar. Voltei!
Uma das coisas
que mais me frustram na Educação é a alienação dos próprios profissionais que
nela atuam. Nosso discurso quase sempre diverge das práticas cotidianas. No
final, reproduzimos uma realidade perversa da escola, a qual falaremos adiante.
Hoje é sábado
e ainda agora cheguei de uma Reunião Pedagógica em uma das minhas escolas.
Antes da palestra, uma mensagem linda, que gosto muito, aquela famosa do Rubem
Alves - “Há escolas quesão gaiolas e há escolas que são asas.”Em seguida, uma reflexão extremamente proveitosa sobre o que está por trás de
uma aula, guiada por uma pedagoga que honra a sua formação, diferente de um
monte que nós encontramos por aí (e convenhamos, o inverso também ocorre). A
palestra em si demandaria um novo texto, mas não é meu objetivo agora. O que
quero resumir é que foram quase 3 horas de um discurso muito voltado para uma
escola dinâmica, com professores que servissem de referência para seus alunos,
motivados e que motivassem também. Acrescento todas as mais modernas ideias
propostas pela Pedagogia, de desenvolvimento das múltiplas capacidades do
educando, respeitando seu ritmo e aptidões, sendo o “professor-educador” um
facilitador da aprendizagem etc etc etc.
Bacana... se
acabasse ali! Como a escola não vive apenas de discursos, as demandas
cotidianas vieram à tona no fim da manhã, quando todos já estavam se remexendo
na cadeira, em volta aos relógios e celulares, torcendo para que aquele
“castigo” (é preciso dizer que estávamos ali em pleno sábado porque fizemos
praticamente 1 mês de greve. Por isso, o termo usado pelos professores era
exatamente esse) acabasse o mais rápido possível.
Nesse
contexto, entra a fala da diretora sobre um simulado (aqui cabe uma explicação
importantíssima: trata-se, talvez, de uma das melhores e mais competentes
diretoras que já conheci e trabalhei. Não estou fazendo uma crítica pessoal e
sim do que o que o “sistema” nos impõe e acabamos engolindo sem criticar. E
pior, sem perceber que estamos engolindo algo que não queremos). A indicação da
escola era que tal avaliação tivesse o valor de 2,0 ponto, sendo que os
professores, querendo ou não, teriam que fornecê-la. Quando eu questionei o
valor e sobretudo a intromissão da instituição na liberdade docente de avaliar
seus alunos, a resposta foi que se o simulado valer pouco ninguém vai querer
dar importância.
Desculpa,
leitor, mas o que passou foi apenas uma introdução para o que realmente
pretendo tratar neste texto: que escola queremos? Será que aumentar o valor de
uma avaliação para que o aluno se interesse mais não é aceitar uma prática
mercantil e reforçar esse comportamento que tanto combatemos? Sabemos que o
maior interesse dos políticos quando se fala numa valorização da Educação,
ressaltando a sua importância para o país, estão se referindo à lógica
capitalista, que vê a escola como produtora de mão de obra dócil e acrítica.
Quando adotamos essa visão mercadológica (“só faço isso se ganhar aquilo”) e
utilizamos um modelo classificatório e mensurador como base para progredir o
aluno estamos fazendo o trabalho sujo do capitalismo, modelando os futuros
assalariados alienados.
Vou além disso. Nessa mesma escola que se
considera, ao menos no discurso, “moderna”, eu sou obrigado a fornecer 1,0
ponto do chamado “conceito” (em cada região muda o nome e os critérios, mas se
trata daquele aspecto comportamental) e 4,0 a 5,0 pontos da famigerada “prova”.
Enfim, o que está sendo configurado é que cerca de 70% da pontuação do aluno
seja nos moldes tradicionais (uma avaliação escrita, individual e sem consulta),
para mensurar o conteúdo de um currículo imposto. Tirando o ponto de conceito,
sobram 2,0 pontos para eu “oferecer” ao aluno em troca de atividades que
realmente possam “dar asas” aos alunos. Alguém aí percebe o que está
acontecendo ou eu estou ficando louco? Se eu quero fazer um bimestre cheio de propostas
diferentes, motivadoras, criativas, estimuladoras do aprendizado que ultrapassa
o conteúdo estático das disciplinas, tudo isso valerá quase nada comparado à
avaliação tradicional. Que mensagem eu passo para o meu aluno? O que é mais
importante? A escola está virando uma “preparadora de provas” como os
pré-vestibulares de outrora?
Para finalizar,
pois a minha única intenção aqui é incitar a discussão e não ditar respostas
prontas, não quero dizer que um modelo é melhor do que o outro. Existem escolas
“modernas” que são boas e ruins e tradicionais idem. Mas os profissionais que
trabalham nessas escolas devem ter bem claro seus princípios e objetivos. Se eu
vou trabalhar ou estudar numa escola militar, por exemplo, sei exatamente o que
vou encontrar. O que não pode é uma mesma escola adotar um discurso e praticar
outra coisa. A imagem que me vem é uma adaptação grotesca do belo texto de
Rubem Alves, como se essa escola cortasse as asas de um pássaro, tirasse o
esperançoso animal da gaiola e o jogasse bem do alto de um prédio. Que
liberdade, não!?
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