quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Gari com doutorado

“Concurso público para a seleção de 1.400 garis para a cidade do Rio já atraiu 45 candidatos com doutorado, 22 com mestrado, 1.026 com nível superior completo e 3,180 com superior incompleto, segundo a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana). Para participar do concurso, bastava ter concluído a quarta série do ensino fundamental.”
(Folha de São Paulo – outubro de 2009)

Bom, nem sei por onde começar...
Confesso que fiquei alguns segundos tentando digerir a informação acima. E, para ser sincero, não sei qual é a melhor análise a se fazer sobre a notícia.





Vou tentar seguir uma explicação e espero que consiga argumentar bem a minha tese.
Estas pessoas mencionadas no texto teoricamente poderiam estar concorrendo a vagas com o nível de exigência bem maior. Porém, a opção pelo concurso da Comlurb é fruto, segundo eles, da falta de mercado em suas áreas e da segurança que um serviço público proporciona.
Vamos primeiro debater sobre as duas justificativas.
Por mais saturado que seja o mercado de trabalho, como é o caso do direito, não faltam vagas. As empresas, pelo contrário, sentem dificuldades de contratarem profissionais. No entanto, a exigência é grande e o simples fato de ter um diploma não garante a qualificação do sujeito. Muitas profissões procuram pessoas com conhecimento em informática, em língua estrangeira, com boa bagagem cultural e/ou elementos pessoas como liderança, bom relacionamento inter-pessoal etc.
Em resumo, o desemprego é fruto da falta de qualificação. Pessoas capacitadas, se desempregadas, estão procurando emprego no lugar errado. Vagas não faltam.
Só para finalizar, como citei o caso do direito... quantos concursos públicos são realizados durante o ano nesta área? Inúmeros, não! Mesmo que não seja no direito, dezenas de concursos públicos são feitos todos os anos para a contratação de pessoas em nível superior.
Este último ponto nos leva a segunda justificativa: a estabilidade no emprego.
Concordo que a estabilidade no trabalho é uma das grandes conquistas que o trabalhador pode ter. Afinal de contas, sair de casa para trabalhar e não saber se você será o próximo da lista é altamente estressante.
Para quem não quer viver esta situação o setor público é o paraíso. De lá você só sai se fizer muita força. E só entra se tiver competência.
Não é difícil passar num concurso. Se a pessoa tiver um bom histórico escolar e estudar um pouco é o suficiente.
E este último ponto é exatamente o que quero sublinhar.
Chamo a atenção pra você, leitor que me atura, pensar comigo... se uma pessoa tem um doutorado significa que ele passou no mínimo do mínimo 8 anos tendo contato com professores do primeiro time – a elite do magistério do país. Este doutor persegue a vaga de gari... Então eu faço a seguinte indagação: todos os professores que passaram em sua vida foram incompetentes na sua missão de ensinar ou este aluno fracassou e provavelmente passou a trancos e barrancos até conseguir o diploma de doutor?
Quando eu digo fracassou não é um menosprezo pela profissão de gari... longe disso. Só não dá pra entrar na minha cabeça como pode uma pessoa estudar quase 20 anos da sua vida pra limpar o lixo da cidade.
Talvez a resposta esteja, em parte, para um breve relato sobre a minha vida na universidade.
Como alguns de você já sabem, estudei numa faculdade particular. E assinando embaixo do que disse um reitor de uma desta faculdades, o aluno da faculdade particular chega em um nível menor do que o seu colega da pública. O trabalho dos professores é mais árduo e deve ser feito mais rápido a ponto de que passados 4, 5 ou 6 anos este aluno tenha o mesmo nível do seu colega da pública.
Para encurtar a questão, preciso dizer que no último período da faculdade era comum ter alunos na minha turma que não sabiam escrever uma redação, interpretar corretamente um texto e/ou elaborar um argumento convincente para defender uma hipótese.
Mais do que isso, muitos deste ganharam o diploma deste jeito, apresentando monografias medíocres.
Mais do que isso, tenho uma colega de faculdade que fez pós-graduação em seguida e me “contratava” para elaborar resenhas de livros pra ela. E não é porque ela não tinha tempo pra fazer... é porque não sabia mesmo.
Tive professores excelentes no ensino superior. Acho que aqueles que se esforçaram conseguiram "sugar" o máximo deles. Porém, outros preferiram empurrar com a barriga e pegar o diploma no fim do curso. Para muitos pode parecer loucura mas passar de perídodo na faculdade é tão fácil como passar de ano no ensino básico. Não tem muita diferença... passam quase todos, inclusive os incopetentes.
Enfim, para concluir o raciocínio, tento insistir em dizer que o baixo nível do alunado, em todos os segmentos de ensino - do primário ao doutorado -, não é resultado direto da ação no magistério. Se fosse, não haveria doutores procurando emprego para gari.
Volto a afirmar, o insucesso do aluno não pode ser debitado na conta dos professores, nem mesmo nas instituições de ensino. A maior parte da responsabilidade deve ser atribuída a particularidades da pessoa, seja alguma dificuldade de aprendizado, seja desinteresse ou qualquer outra coisa que, diferente de como os pedagogos querem nos enfiar pela goela, o professor tem poucas ferramentas para reverter.
O professor de faculdade não pode ensinar um aluno a fazer uma resenha, assim como eu não posso ensinar a meus alunos como se lê ou escreve B+A=BA.
O professor de faculdade não pode impedir que seu aluno pense que deveria estar no bar tomando cerveja, assim como eu não posso evitar que meus alunos prefiram estar em casa jogando Playstation.
Em resumo, não podemos lutar contra as individualidades. Por mais que eu fique 386 anos numa escolinha de futebol, nunca chegaria aos pés de um jogador razoável. Por mais que eu tivesse o Picasso como professor, nunca pintaria uma tela tão melhor do que um macaco.
Cada um de nós nasce com uma aptidão para certas áreas. Por melhor que eu seja, nunca terei uma turma com todos os alunos aprendendo História. Isto porque é impossível que todos tenham facilidade com a leitura e escrita (fundamentais para se entender e "fazer" História). O que a escola de hoje me impõe é a exclusão daqueles alunos que não aprendem, seja pela repetência ou pela evasão.
O que talvez os pedagogos de hoje possam fazer, em vez de tentar humilhar o magistério, é imaginar uma escola que consiga se moldar aos alunos, oferecendo atividades que vão ao encontro das habilidades da criança. Se esta escola existisse, talvez aqueles doutores não tivessem perdido tanto tempo de suas vidas e já estariam hoje, felizes, varrendo o calçadão de Copacabana.

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