O Pequeno
Príncipe
Antoine de Saint-Exupéry
(Adaptação feita por Luiz Eduardo Farias)

PILOTO (4)
PEQUENO PRÍNCIPE (11)
FLOR
RAPOSA
SERPENTE
REI
VAIDOSO
BÊBADO
HOMEM DE NEGÓCIOS
ASTRÔNOMO
ESTRELAS
ACENDEDOR DE LAMPIÃO
GEÓGRAFO
ROSAS
SINOPSE: Um
piloto de avião, após uma pane em sua aeronave, é obrigado a fazer um pouso
forçado no meio do deserto do Saara. O aviador, solitário, tem pouco tempo para
fazer os reparos necessários antes que seu estoque de água termine. É nesse
cenário tenso que surge, inesperadamente, um menino em busca de um carneiro.
Aos poucos, o pequeno príncipe revela, ao surpreso piloto, sua fantástica
história: sua vida no pequeno asteroide B-612, suas viagens antes da chegada à
Terra e, especialmente, suas preocupações e reflexões. O Pequeno Príncipe
é uma narrativa repleta de emoção e revela ao leitor a história de um homem que
reencontra a sensibilidade que tinha quando criança e que havia sido reprimida
pelos adultos. O encontro e a convivência com o misterioso menino do deserto
fazem esse adulto repensar a própria vida, seus valores pessoais, levando-o a
acreditar que as relações afetivas são o grande vínculo entre os seres.
CENA 1
PILOTO 1 (Entrando com um caderno de desenho em mãos, fala com o
público): Certa vez, quando eu tinha seis anos, vi num livro sobre a
Floresta Virgem, Histórias Vividas, uma impressionante gravura.
Ela representava uma jiboia engolindo um animal. Eis a cópia do desenho:
(Imagem no Data Show)

PILOTO 2: Dizia o livro - “As jiboias
engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não podem mover-se e dormem
os seis meses da digestão”. Refleti muito sobre as aventuras da selva, e fiz,
com lápis de cor, o meu primeiro desenho. O meu desenho número 1. Ele era
assim: (Imagem no Data Show)

PILOTO 3: Mostrei minha obra
prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes dava medo.
Responderam-me: (mostra novamente) “Por que é que um chapéu daria medo?”
(Olhando o desenho) Meu desenho não representava um chapéu.
Representava uma jiboia digerindo um elefante. (Para público)
Desenhei então, o interior da jiboia, a fim de que as pessoas grandes pudessem
entender melhor. Elas têm sempre necessidade de explicações detalhadas. Meu
desenho número 2 era assim:

PILOTO 1: As pessoas grandes
aconselharam-me a deixar de lado os desenhos de jiboias abertas ou fechadas e a
dedicar-me de preferência à geografia, à história, à matemática, à gramática. (Suspira
triste) Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma promissora carreira de
pintor. Fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu
desenho número 2. As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é
cansativo, para as crianças, estar a toda hora explicando.
PILOTO 2: Tive então, que
escolher outra profissão e aprendi a pilotar aviões. (Orgulhoso) Voei
por quase todas as regiões do mundo. E a geografia, é claro, me serviu muito.
Sabia distinguir, num relance, a China e o Arizona. Isso é muito útil quando se
está perdido na noite.
PILOTO 3: Desta forma, ao longo
da vida, tive vários contatos com muita gente séria. Convivi com as pessoas
grandes. Via-as bem de perto. (À parte, como se contasse um segredo)
Isso não melhorou muito a minha antiga opinião.
PILOTO 1: Quando encontrava uma
que me parecia um pouco esclarecida, fazia a experiência do meu desenho número
1, que sempre trazia comigo. (Alguém passa por trás. Todos mostram o
desenho) Eu queria saber se ela era na verdade uma pessoa inteligente. Mas
a resposta era sempre a mesma:
ALGUÉM: Ora, isso é um chapéu!
PILOTO 2: Então eu não falava nem
de jiboias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Colocava-me no meu
nível. Falava de economia, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa
grande ficava encantada de conhecer um homem tão culto.
PILOTO 3: Vivi, portanto, só, sem
alguém com quem pudesse realmente conversar, até o dia em que uma pane
obrigou-me a fazer um pouso de emergência no deserto do Saara, há cerca de seis
anos. (Vai tirando a mochila, capa de aviador, boina, cachecol)
PILOTO 1: Alguma coisa se quebrara
no motor. E como não trazia comigo nem mecânico nem passageiros, preparei-me
para executar sozinho aquele difícil conserto. (Se dirige ao avião. Larga as
coisas no chão e se volta ao público, com sua garrafa de água nas mãos)
PILOTO 2: Era, para mim, questão
de vida ou morte. A água que eu tinha para beber só dava para oito dias.
Na primeira noite adormeci sobre a areia, a milhas e milhas de qualquer terra
habitada. Estava mais isolado do que um naufrago numa tábua perdido no meio do
mar. Imaginem então a minha surpresa, quando ao despertar do dia, uma vozinha
estranha me acordou...
(Segue até o avião. Pega uma
caixa de ferramentas e começa a remexê-la a procura de ferramentas. Surge o
Pequeno Príncipe)
CENA 2
PEQ.
PRINCIPE 3: Por favor, desenha-me um carneiro!
PILOTO
3 (Sentado, olha-o assustado): Hein? O quê?
PEQ
PRINCIPE 3: Desenha-me um carneiro...
(Aviador se levanta num salto,
esfrega bem os olhos. Olha a seu redor. E se vira para o menino que o observa
seriamente, sem a aparência de uma criança perdida no deserto.)
PILOTO
2: Mas... Que fazes aqui?
PEQ.
PRINCIPE 2 (Repete, lentamente, como que dizendo algo muito sério): Por
favor... Desenha-me um carneiro...
PILOTO 2 (Sorri,
impressionado. Resolve não fazer mais perguntas e desenhar. Pega seu caderno de
desenho e uma caneta. Mas, antes de começar, resmunga um pouco
mal-humorado): Olha, eu sinto muito. Eu sou péssimo para desenhar. Eu só
estudei geografia, história, matemática, gramática...
PEQ.PRINCIPE 1: Não tem importância... Desenha-me um carneiro.
PILOTO 1: Tá bom! Vamos ver o que eu consigo fazer... (para
a plateia) Menino mais estranho!
Vou fazer o único desenho que sei fazer. (Volta-se para o menino) Vamos lá... Isso... Mais um detalhe
e...Pronto. É o melhor que
eu consigo, certo?
PEQ.PRINCIPE 3: Não! Não! Eu não
quero um elefante numa jiboia. A jiboia é perigosa e o elefante toma muito
espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Desenha-me um carneiro.
PILOTO 3 (Surpreso com a
explicação, desenha novamente): Tá bom, garoto!... Tá bom!... Vamos lá
novamente, não é?... Saindo um carneiro especial pra esse garoto que mora num
lugar pequeno e que não tem muito espaço. Pronto... O que acha?
PEQ.PRINCIPE 2 (Olha atentamente): Não! Esse já está muito
doente. Desenha outro.
(Aviador desenha outro.)
PEQ.PRINCIPE 2 (Sorri
paciente): Bem vês que isto não é um carneiro. É um bode... Olha os
chifres...
(Aviador desenha novamente.)
PEQ.PRINCIPE 1: Esse aí é muito velho. Quero um carneiro que viva
muito tempo.
PILOTO 1 (Perdendo a paciência, rabisca outro desenho e arrisca):
Tá bom! Tá bom!... Mas, olha! Você está atrasando o meu serviço, viu?... Eu
tenho muito trabalho para fazer. Pronto! Esta é a caixa. O carneiro que queres
está aí dentro.
PEQ.PRINCIPE 1 (Com a face
iluminada de felicidade): Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito
capim para esse carneiro?
PILOTO 1: Por quê?
PEQ.PRINCIPE 1: Porque é muito pequeno onde eu moro...
PILOTO
1: Não se preocupe, qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada!
PEQ.PRINCIPE
1 (Inclina a cabeça sobre o desenho): Não é tão pequeno assim... Olha!
Ele adormeceu...
(Aviador se dirige novamente ao
seu avião)
PEQ.PRINCIPE
3: Que coisa é essa?
PILOTO
3 (Orgulhoso de lhe dizer que voa): Não é uma coisa. Aquilo voa. É um
avião. O meu avião.
PEQ.PRINCIPE
3 (Assustado): Como? Tu caíste do céu?
PILOTO 3:
Sim.
PEQ.PRINCIPE
3 (Rindo): Como é engraçado! (Dá uma bela risada)
PILOTO 3 (Profundamente irritado): Se não
se importa... Gosto que levem as minhas desgraças a sério!
PEQ.PRINCIPE 3 (Rindo): Então, tu também vens do céu! De que
planeta és tu?
PILOTO 3 (Vislumbrando um clarão de mistério em sua origem,
pergunta repentinamente): Tu vens então de
outro
planeta?
PEQ.PRINCIPE 3 (Ainda sorridente): É verdade que, nisto aí, não
podes ter vindo de muito longe...
(O Pequeno Príncipe mergulha em
seus pensamentos, sempre olhando as estrelas. Aviador o observa, abismado.
Depois, tira do bolso o carneiro desenhado pelo piloto e o contempla, como se
fosse um tesouro guardado.)
PILOTO
2 (Intrigado com aquela simples menção sobre “os outros planetas”,
esforça-se, então, para saber um pouco
mais): De onde vens, meu caro? Onde é
tua casa? Para onde queres levar meu carneiro?
PEQ.PRINCIPE 2 (Fica algum tempo em silêncio, e depois responde):
O bom é que a caixa que me deste poderá, de noite, servir de casa para ele.
PILOTO 2: Sem dúvida. E se fores
um bom menino, te darei também uma corda para amarrá-lo durante o dia. E uma
estaca para prendê-lo.
PEQ.PRINCIPE 2 (Chocado): Amarrar? Que ideia estranha!
PILOTO 2: Mas se tu não o amarras, ele vai-se embora e se perde...
PEQ.PRINCIPE 2: Mas onde queres que ele vá?
PILOTO 2 (Rindo): Não sei... Por aí... Andando sempre pra
frente.
PEQ.PRINCIPE
2 (Fala muito sério): Não faz mal, é tão pequeno onde moro! (Com um
tom melancólico, acrescenta) Quando a gente anda sempre para frente, não
pode mesmo ir longe... Gosto muito do pôr-do-sol. Vamos ver um...
PILOTO 2: Mas é... Preciso esperar...
PEQ.PRINCIPE 2: Esperar o quê?
PILOTO 2 (Rindo): Esperar que o sol se ponha.
PEQ.PRINCIPE 1 (Faz um ar de surpresa, e logo depois, ri de si
mesmo, dizendo): Eu sempre imagino estar em casa!
PILOTO 1: De fato. Quando é meio
dia nos Estados Unidos, o sol, todo mundo sabe, está se pondo na França.
Bastaria poder ir à França num minuto para assistir ao pôr-do-sol. Infelizmente,
a França é longe demais.
PEQ.PRINCIPE 1: De onde eu
venho, basta apenas recuar um pouco a cadeira. E assim, contemplar o crepúsculo
todas as vezes que eu desejar... Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três
vezes! (Dá uma pequena pausa e depois acrescenta) Quando a gente está
muito triste, gosta de admirar o pôr-do-sol...
PILOTO
1: Estavas tão triste assim no dia em que contemplaste os quarentas e três?
(O principezinho não responde. Se
afasta devagar e senta. Aviador se lembra de voltar ao seu avião e executar o
conserto. Pequeno Príncipe o observa, mas, também de olho em seu carneiro na
caixa. Depois de um tempo, volta a fazer perguntas.)
PEQ.PRINCIPE
3 (Depois de uma longa reflexão, pergunta): Um carneiro se come arbusto,
como também as flores?
PILOTO 3 (Consertando o motor, responde sem se dirigir a ele):
Um carneiro come tudo encontra.
PEQ.PRINCIPE 3: Mesmo as flores que tenham espinhos?
PILOTO 3: Sim, mesmo as que têm.
PEQ.PRINCIPE 3: Então... Para que servem os espinhos?
PILOTO 3 (Irritado com o parafuso, responde qualquer coisa):
Espinhos não servem pra nada. São pura maldade das flores.
PEQ.PRINCIPE 3: Oh!... (Fala com uma espécie de rancor) Não
acredito! As flores são tão fracas.
Ingênuas.
Defendem-se como podem. Elas se julgam poderosas com os seus espinhos...
(Aviador nada responde. O
principezinho perturba de novo seus pensamentos:
PEQ.PRINCIPE 1: E tu pensas então que as flores...
PILOTO 1: Ora! Eu não penso nada. Eu respondi
qualquer coisa. Eu só me ocupo com coisas sérias!
PEQ.PRINCIPE 1 (O olha
surpreso): Coisas sérias! Tu falas como as pessoas grandes!
(Aviador para e o escuta meio envergonhado.)
PEQ.PRINCIPE 1 (Implacável):
Tu confundes todas as coisas... Misturas tudo! (Continua irritado) Há
milhões de anos que as flores fabricam espinhos. Há milhões de anos que, apesar
disso, os carneiros as comem. E não será uma coisa séria, procurar saber por
que elas perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis? Não terá importância a
guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas do
tal sujeito? (Triste, pensativo) E seu eu, por minha vez, conheço uma
flor única no mundo, que só existe no meu planeta e que um belo dia um
carneirinho pode destruir num só golpe, sem saber o que faz – isto não tem
importância? (olha o céu, como se avistasse sua rosa) Se alguém
ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de
estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando a contempla. Ele pensa: “Minha
flor está lá, em algum lugar...” Mas se o carneiro come a flor, é para ele,
bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem! (Chorando) E isto
não tem importância?!
(O principezinho não consegue
dizer mais nada. Imediatamente, se põe a soluçar. O aviador larga as
ferramentas. Se aproxima devagar, com receio.)
PILOTO 2: A flor que tu amas não está em perigo... Eu vou desenhar uma
pequena mordaça para o carneiro... Hum?! Uma cerca para sua flor... Eu...
PEQ.PRINCIPE 2: Não precisa ficar envergonhado.
Venha, vou te contar como eu vim parar aqui. [Todos saem, entra o Peq.
Príncipe 4 e a Flor]
CENA 3
(O príncipe se aproxima de uma
flor que dorme. Ela acorda com a presença dele. É uma flor vaidosa, muito
bonita.)
FLOR: Ah! Eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda toda
despenteada...
PEQ.PRINCIPE 4 (Espantado, com tanta beleza): Como és bonita!
FLOR: É verdade. (Fala docemente) E nasci ao mesmo tempo que o
sol...
(O Pequeno Príncipe percebe logo que a flor não é
modesta. Mas ela é muito envolvente!)
FLOR: Creio que é hora do café da manhã. Tu poderias cuidar de mim.
(O principezinho, atordoado, pega
um regador com água fresca. Ela começa a atormentá-lo com sua vaidade)
FLOR: Tá vendo os meus espinhos? Com eles eu posso me defender dos
tigres e suas garras.
PEQ.PRINCIPE 4: Não há tigres no meu planeta. Além disso, tigres não
comem ervas.
FLOR (Ofendida): O quê? Não sou uma erva!
PEQ.PRINCIPE 4: Perdoa-me...
FLOR: Não tenho receio dos
tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias por acaso um
pára-vento? À noite me colocará sob a redoma de vidro. Faz muito frio no teu
planeta. Não é nada confortável. De onde eu venho... (De repente, cala-se.
Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos.
Encabulada por ter sido pega com uma mentira tão tola, tosse duas ou três vezes
e, para fazê-lo se sentir culpado, pede) E o pára-vento?
PEQ.PRINCIPE
4: Ia buscá-lo. Mas tu me falavas!
(A Rosa força a tosse para causar
remorso no príncipe. Ele se afasta. Apesar da boa vontade do seu amor, ele logo
duvida dela, toma a sério palavras sem importância e se torna infeliz. Fala
para o público.)
PEQ.PRINCIPE 4: Não devia tê-la
escutado. Não se deve nunca escutar as flores. Basta admirá-las, sentir seu
aroma. A minha embalsamava todo o meu planeta (Olha de longe a flor, se
volta para público), mas eu não me contentava com isso. Aquela
história das garras, que tanto me irritava, devia ter-me enternecido...
(A luz cai sobre a Rosa. Ele
continua pensativo. O aviador se aproxima dele, como se estivesse escutando seu
lamento sobre a flor. O príncipe agora fala com ele.)
PEQ.PRINCIPE 4 (Amargurado, para o público): Não soube
compreender coisa alguma! Deveria tê-la julgado por seus atos, não pelas
palavras. Ela exalava perfume e me alegrava... Não podia jamais tê-la
abandonado. Não deveria ter fugido. Deveria ter percebido sua ternura por trás
daquelas tolas mentiras. As flores são tão contraditórias! Mas eu era jovem
demais para saber amá-la.
(A luz cai sobre eles e acende
sobre a Rosa. Ele a rega novamente e pela última vez, logo em seguida, traz uma
redoma. Quando se prepara para colocá-la sobre ela, percebe tem vontade de
chorar.)
PEQ.PRINCIPE: Adeus!
(A flor não responde.)
PEQ.PRINCIPE (Repetindo): Adeus!
FLOR (Tosse, mas não por causa do resfriado): Eu fui uma tola.
Peço perdão. Procura ser feliz.
(A ausência de censuras o
surpreende. Fica parado, completamente sem jeito, com a redoma nas mãos. Não
compreende a delicadeza.)
FLOR: Eu te amo! É claro que eu
te amo! Foi minha culpa não perceberes isto. Mas não tem importância. Foste tão
tolo quanto eu. Tenta ser feliz... Larga esta redoma, não preciso mais dela.
PEQ.PRINCIPE: Mas o vento?
FLOR: Bobagem... Não estou tão
resfriada assim... O ar fresco da noite me fará bem. Eu sou uma flor.
PEQ.PRINCIPE: Mas os bichos...
FLOR: É preciso que eu suporte
duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas... Dizem que são tão
belas! Do contrário, quem virar visitar-me? Tu estarás longe... (Triste,
escondendo os olhos com lágrimas) Bem longe. Quanto aos bichos
grandes, não tenho medo deles. Eu tenho minhas garras. Não demores assim, que é
exasperante. Tu decidiste partir. Então vai!
PEQ.PRINCIPE:
Então, adeus!
(Ela não quer que ele a veja
chorar. É uma flor muita orgulhosa. Príncipe sai lentamente sem olhar para
trás. A luz cai sobre a Rosa que chora, baixinho. Luz cai sobre ela.)
CENA 4
(O Pequeno Príncipe segue viagem
pela região dos asteroides, afim de encontrar uma ocupação e se instruir. A
cada visita, ele vai se convencendo que as pessoas grandes são muito bizarras.
A luz acende sobre um Rei, sentado num trono muito simples, embora majestoso.
Ele está vestido de púrpura e arminho. Entra o príncipe.)
REI (Avistando o príncipe): Ah! Eis um súdito!
(“Como pode ele reconhecer-me, se
jamais me viu?”, pensa o príncipe)
REI: Aproxima-te, para que eu te veja melhor. (Fala todo orgulhoso,
por poder ser rei para alguém)
(O príncipe olha em volta para
achar onde sentar-se; está cansado,
boceja.)
REI:
Mas o que é isso? É contra a etiqueta real bocejar na frente do rei. Eu o
proíbo!
PEQ.PRINCIPE 5 (Meio sem jeito): Desculpe, meu senhor!... Não
posso evitá-lo. Fiz uma longa viagem e não dormi ainda...
REI: Então, eu te ordeno que
bocejes! Há anos que eu não vejo ninguém bocejar. Os bocejos são uma raridade
pra mim. Vamos, boceja! É uma ordem!
PEQ.PRINCIPE 5: Isso me intimida... Assim eu não consigo...
REI (Gaguejando, um pouco envergonhado): Hum... Hum... Então...
Então eu te ordeno ora bocejares e ora...
(O Rei faz questão de que sua
autoridade seja respeitada. Não tolera desobediência. É um monarca absoluto.
Mas, como é muito bom, dá ordens razoáveis.)
PEQ.PRINCIPE 5 (Timidamente): Eu posso sentar-me?
REI: Eu te ordeno que te sentes! (Puxando majestosamente um pedaço
do manto de arminho)
(O príncipe está espantado. O planeta é
minúsculo. “Sobre quem reina o Rei?”)
PEQ.PRINCIPE 5: Obrigado, majestade. Eu vos peço perdão de ousar
interrogar-vos...
REI (Apressadamente): Eu te ordeno que me interrogues!
PEQ.PRINCIPE 5: Majestade... Sobre quem é que reinais?
REI
(Responde com muita simplicidade): Sobre tudo.
PEQ.PRINCIPE
5: Sobre tudo?
(O Rei, com um gesto simples, indica seu planeta, os outros planetas,
e também as estrelas.)
PEQ.PRINCIPE
5: Sobre tudo isso?
REI:
Sobre tudo isso...
(O Rei não é apenas um monarca absoluto, é também um monarca
universal.)
PEQ.PRINCIPE
5: E as estrelas vos obedecem?
REI:
Sem dúvida. Obedecem prontamente. Eu não tolero indisciplina.
PEQ.PRINCIPE
5: Eu desejava ver um pôr-do-sol... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol que se ponha...
REI: Se eu ordenasse a um
general voar de uma flor a outra como uma borboleta, ou escrever uma tragédia,
ou transformar-se numa gaivota, e o general não executasse a ordem recebida,
quem, ele ou eu, estaria errado?
PEQ.PRINCIPE 5 (Responde firmemente): Vossa Majestade estaria
errada.
REI: Exato. É preciso exigir de cada um, o que
cada um pode dar. A autoridade se baseia na razão. Se ordenares a teu povo que
ele se lance ao mar, todos se rebelarão. Eu tenho o direito de exigir
obediência porque minhas ordens são razoáveis.
PEQ.PRINCIPE
5 (Lembrando, pois nunca esquece uma pergunta que foi feita): E o meu
pôr-do-sol?
REI: Teu pôr-do-sol, tu o terás.
Eu o exigirei. Mas eu esperarei, na minha sabedoria de governante, que as
condições sejam favoráveis.
PEQ.PRINCIPE 5 Quando serão?
REI: Hum... Será lá por volta de...
Por volta de sete e quarenta, esta noite. E tu verás como sou bem obedecido.
Até pelo sol.
PEQ.PRINCIPE 5 (Boceja. Sente falta de seu pôr-do-sol e fala
aborrecido): Não tenho mais nada que fazer aqui. Vou prosseguir minha
viagem.
REI: Não partas. Não partas! Eu te faço ministro!
PEQ.PRINCIPE 5: Ministro de quê, majestade?
REI: Da... Da justiça!
PEQ.PRINCIPE 5: Mas não há ninguém aqui pra ser julgado!
REI: Nunca se sabe. Ainda não dei
a volta no meu reino. Estou muito velho, não tenho espaço para uma carruagem,
nem cavalos pra puxá-la, e andar cansa-me muito!
PEQ.PRINCIPE 5: Oh! Mas eu já vi. (Se inclinando para dar uma
olhada no outro lado do planeta) Não consigo ver
ninguém...
REI: Então, como ministro da
justiça, tu julgarás a ti mesmo! É o mais difícil. É bem mais difícil julgar a
si mesmo que julgar os outros. Se consegues fazer um bom julgamento de ti, és
um verdadeiro sábio.
PEQ.PRINCIPE 5: Mas eu posso
julgar a mim próprio em qualquer lugar. Não preciso, para isso, ficar morando
aqui.
REI: Ah! Eu tenho quase certeza
de que há um velho rato no meu planeta. Eu o escuto de noite. Tu poderás julgar
esse rato! Tu condenarás à morte de vez em quando: assim a vida dele dependerá
da tua justiça. Mas tu o perdoarás sempre, para poupá-lo. Pois só temos um.
PEQ.PRINCIPE
5: Eu... Eu não gosto de condenar à morte, e acho que vou mesmo embora.
REI:
Não!
PEQ.PRINCIPE 5 (Sem querer
afligir o velho monarca): Se Vossa Majestade deseja ser prontamente
obedecido, poderá dar-me uma ordem razoável. Poderia ordenar-me, por exemplo,
que partisse em menos de um minuto. Parece que as condições são favoráveis...
REI (Apressado, grita): Eu te faço meu embaixador!
(Luz abaixa sobre o Rei. Ele sai e o Homem de
Negócios entra lentamente. O Príncipe fala com a plateia.)
PEQ.PRINCIPE 5 (Para a plateia): As pessoas grandes são muito
esquisitas. [Sai por um lado, no mesmo
momento que o Peq. Príncipe 6 entra pelo outro]
CENA 5
(O Príncipe
avista e se aproxima da vaidosa)
VAIDOSA: Aha! Um admirador vem visitar-me!
PEQ. PRÍNCIPE 6: Bom dia!
VAIDOSA: Bom dia, meu fã.
PEQ. PRÍNCIPE 6: Eu? Seu fã? O que é ser fã.
VAIDOSA: Fã é quem adora muito alguém.
PEQ. PRÍNCIPE 6: Mas eu nem te conheço.
VAIDOSA: E precisa conhecer, é só olhar para minha beleza encantadora.
(ele olha para a plateia com cara de quem
não concorda)
PEQ. PRÍNCIPE 6: Tu tens um chapéu engraçado.
VAIDOSA: Olha, acho que você devia me agradecer.
PEQ. PRÍNCIPE 6: Agradecer? Por quê?
VAIDOSA: Pela honra de me conhecer e me adorar.
PEQ. PRÍNCIPE 6: Ah é?
VAIDOSA: Bate duas mãos uma na outra. (ele bate; ela tira o chapéu e agradece)
PEQ. PRÍNCIPE 6: Pelo menos isso é mais divertido do que com o rei. (ele bate novamente; ela agradece de novo – 2
vezes)
PEQ. PRÍNCIPE 6: E para o chapéu cair, o que é preciso fazer? (ela finge que não escuta)
VAIDOSA: Você falou alguma coisa?
PEQ. PRÍNCIPE 6: (para a plateia) Tem pessoas que parecem só ouvir os
elogios.
VAIDOSA: Não é verdade que tu me admiras muito?
PEQ. PRÍNCIPE 6: Que quer dizer “admirar”?
VAIDOSA: “Admirar” significa reconhecer que sou a menina mais bela,
mais bem vestida, mais rica e mais inteligente de todo o planeta.
PEQ. PRÍNCIPE 6: Mas só tu moras no teu planeta.
VAIDOSA: Dá-me esse prazer. Admira-me assim mesmo!
PEQ. PRÍNCIPE 6: Tá, tá... (dando
de ombros) Eu te admiro. Mas de que te serve isso? (ela ignora novamente e sai)
PEQ. PRÍNCIPE 6: (para a plateia) As pessoas grandes são de fato muito
estranhas.
[Entra o
bêbado cambaleando]
PEQ. PRÍNCIPE 6: Que fazes aí?
BÊBADO: Eu bebo. (triste)
PEQ. PRÍNCIPE 6: Por que bebes?
BÊBADO: Para esquecer.
PEQ. PRÍNCIPE 6: Esquecer o quê? (com
pena)
BÊBADO: Esquecer que eu tenho vergonha. (fala abaixando a cabeça)
PEQ. PRÍNCIPE 6: Vergonha de quê?
BÊBADO: Vergonha de beber! (sai
cambaleando, lentamente)
PEQ. PRÍNCIPE 6: As pessoas grandes são decididamente estranhas. (para a plateia). Espera, eu te ajudo. [sai por um lado e o Peq Príncipe 7 entra
pelo outro]
CENA 6
(O Príncipe entra e se aproxima
de um empresário. Ele está ocupado, olhando para cima)
PEQ.PRINCIPE 7: Bom dia!
HOMEM DE NEGOCIOS (Ignorando-o):
Três e dois são cinco. Cinco e sete, doze. Doze e três, quinze. Bom dia. Quinze
e sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte e oito. Não tenho tempo para
acendê-lo de novo. Vinte e seis e cinco, trinta e um. Ufa! São quinhentos e um
milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.
PEQ.PRINCIPE 7: Quinhentos milhões de quê?
HOMEM DE NEGOCIOS: Hein? Ainda está aí? Quinhentos e um milhões de...
Eu não sei mais...
Tenho
tanto trabalho! Sou um sujeito sério, não me preocupo com futilidades! Dois e
cinco, sete...
PEQ.PRINCIPE 7 (Repetindo a pergunta): Quinhentos milhões de
quê?
HOMEM DE NEGOCIOS (Levantando
a cabeça): Há cinquenta e quatro anos habito este planeta e só fui
incomodado três vezes. A primeira vez foi há vinte e dois anos por um besouro
que veio não sei de onde. Fazia um barulho terrível, e cometi quatro erros na
soma. A segunda foi há onze anos, quando tive uma crise de reumatismo. Por
falta de exercício. Não tenho tempo para passear. Sou um sujeito sério! Não
posso perder tempo com besteiras. A terceira... É esta agora! Eu dizia,
portanto, quinhentos e um milhões...
PEQ.PRINCIPE
7 (Repetindo novamente a pergunta, sem dar ouvidos a reclamação dele):
Milhões de quê?
HOMEM
DE NEGOCIOS (Compreendendo que não haverá chance de ter paz): Milhões
dessas coisinhas que a se vêem às vezes no céu.
PEQ.PRINCIPE
6: Moscas?
HOMEM
DE NEGOCIOS: Não, não. Essas coisinhas que brilham.
PEQ.PRINCIPE
7: Vaga-lumes?
HOMEM DE NEGOCIOS: Também não.
Essas coisinhas douradas que fazem sonhar preguiçosos... Que brilham no céu...
Que fazem muitos desocupados sonhar e escrever poemas sobre elas. Mas eu, sou
uma pessoa séria! Não tenho tempo pra essas bobagens de escrever poemas e
poesias.
PEQ.PRINCIPE 7: Ah! Estrelas?
HOMEM DE NEGOCIOS: Isso mesmo! Estrelas. Eu até tinha me esquecido do
nome delas. Mas
eu
não tenho tempo pra ficar me lembrando desses detalhes de nomes...
PEQ.PRINCIPE 7: E que fazes com
quinhentos milhões de estrelas? HOMEM DE NEGOCIOS: Quinhentos e um milhões, seiscentos
e vinte e duas mil, setecentos e trinta e uma. Eu sou um sujeito sério! Gosto
de exatidão!
PEQ.PRINCIPE 7: E que fazes com essas estrelas?
HOMEM DE NEGOCIOS: Que faço com elas?
PEQ.PRINCIPE 7: Sim.
HOMEM DE NEGOCIOS : Nada. Eu as possuo.
PEQ.PRINCIPE 7: Tu possuis as estrelas?
HOMEM DE NEGOCIOS : Sim, é isso mesmo. Elas são minhas!
PEQ.PRINCIPE 7: Mas eu já vi um rei que...
HOMEM DE NEGOCIOS: Os reis não
possuem nada... Eles “reinam” sobre as coisas e pessoas. É muito diferente.
PEQ.PRINCIPE 7: E de que te serve possuir as estrelas?
HOMEM
DE NEGOCIOS: Serve-me para ser rico.
PEQ.PRINCIPE
7: E para que te serve ser rico?
HOMEM
DE NEGOCIOS: Para comprar outras estrelas, se alguém achar. Essa é a minha
vida: Ficar cada vez mais rico, cada vez mais rico... Retornando a minha soma, 501.622.731
com mais 11 são...
PEQ.PRINCIPE 7 (Chamando sua atenção para mais perguntas): Como
pode a gente possuir estrelas?
HOMEM
DE NEGOCIOS (Voltando, exaltado): De quem são elas?
PEQ.PRINCIPE
7: Eu não sei. De ninguém.
HOMEM
DE NEGOCIOS: Logo, são minhas, porque pensei nisso primeiro.
PEQ.
PRINCIPE 7: Basta isso?
HOMEM DE NEGOCIOS: Sem dúvida.
Quando achas um diamante que não é de ninguém, ele é teu. Quando achas uma ilha
que não é de ninguém, ela é tua. Quando tens uma ideia antes dos outros, tu a
registras: ela é tua. Portanto, eu possuo as estrelas, pois ninguém antes de
mim teve a ideia de as possuir.
PEQ.PRINCIPE 7: Isso é verdade. E que fazes tu com elas?
HOMEM DE NEGOCIOS: Eu as
administro. Eu as conto e reconto. É complicado! Mas, eu sou um homem sério!
PEQ.PRINCIPE
7 (Ainda insatisfeito): Eu, se possuo um lenço de seda, posso amarrá-lo
em volta do pescoço e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colhê-la e
levá-la comigo. Mas tu não podes levar as estrelas.
HOMEM DE NEGOCIOS: Não. Mas posso colocá-las no banco.
PEQ.PRINCIPE 7: Que quer dizer isso?
HOMEM DE NEGOCIOS: Isso quer
dizer que eu escrevo num pedaço de papel o número de estrelas que possuo.
Depois tranco o papel à chave numa gaveta.
PEQ.PRINCIPE 7: Só isso?
HOMEM DE NEGOCIOS: Isso basta...
PEQ.PRINCIPE 7 (Fala com a
plateia): É divertido... É bastante poético, mas sem utilidade. Eu (Relembra
saudoso)... Possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três
vulcões que revolvo toda semana. Porque revolvo também o que está
extinto. A gente nunca sabe! É útil para os meus vulcões, é útil para a minha
flor que eu os possua. (Para o empresário) Mas tu não és útil às
estrelas...
(O empresário abre a boca, mas não encontra nenhuma resposta. Sai, sem
jeito. Entra o Acendedor de lampião)
PEQ.
PRINCIPE 7 (À plateia novamente): As pessoas grandes são mesmo
extraordinárias.
(Entra um homem com um lampião
numa mão e um acendedor na outra. Ele apaga o lampião. Pequeno Príncipe o
observa.)
PEQ. PRINCIPE 7 (À plateia
novamente): Talvez esse homem seja mesmo um tolo. No entanto, é menos tolo
que o rei, que a vaidosa, que o bêbado e que o empresário. Seu trabalho ao
menos tem um sentido. Quando acende o lampião, é como se fizesse nascer mais
uma estrela, ou uma flor. Quando o apaga, porém, faz adormecer a estrela ou a
flor. É um belo trabalho. E sendo belo, tem sua utilidade. (vira-se para o
homem) Bom dia! Por que acabas de apagar teu lampião?
ACENDEDOR: É o regulamento. Bom dia.
PEQ. PRINCIPE 7: Qual é o regulamento?
ACENDEDOR: É apagar meu lampião. Boa noite. (Torna a acender)
PEQ. PRINCIPE 7: Mas por que acabas de acendê-lo de novo?
ACENDEDOR: É o regulamento.
PEQ.
PRINCIPE 7: Eu não compreendo.
ACENDEDOR: Não é para compreender. Regulamento é regulamento. Bom dia.
(Apaga o lampião.
Em seguida, enxuga a testa com um lenço de
losangos vermelhos) Eu executo uma tarefa difícil! No passado, era
mais sensato. Apagava de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar
e toda a noite para dormir...
PEQ. PRINCIPE 7: E depois disso, mudou o regulamento?
ACENDEDOR: O regulamento não
mudou. Aí é que está o problema! O planeta a cada ano gira mais depressa, e o
regulamento não muda!
PEQ. PRINCIPE 7: Então?
ACENDEDOR: Agora, que ele dá uma
volta por minuto, não tenho mais um segundo de repouso. Acendo e apago uma vez
por minuto!
PEQ. PRINCIPE 7 (Sorrindo): Ah! Que engraçado! Os dias aqui
duram um minuto!
ACENDEDOR: Nada é engraçado! Já faz um mês que estamos conversando.
PEQ. PRINCIPE 7 (Para de rir): Um mês?
ACENDEDOR:
Sim. Trinta minutos. Trinta dias. Boa noite. (Acende o lampião)
PEQ.
PRINCIPE 7: Sabes... Conheço uma maneira de descansares quando quiseres...
ACENDEDOR (Suspirando): Eu
sempre quero descansar. Pois a gente pode ser, ao mesmo tempo, fiel e
preguiçoso.
PEQ. PRINCIPE 7: Teu planeta é
tão pequeno, que podes, com três passos, contorná-lo. Basta andares bem
lentamente, de modo a ficares sempre ao sol. Quando desejares descansar, tu
caminharás... E o dia durará o tempo que quiseres!
ACENDEDOR
(Responde triste): Isso não adianta muito! O que eu mais gosto na vida é
de dormir.
PEQ.
PRINCIPE 7: Então, não há solução.
ACENDEDOR:
Não há solução. Bom dia. (Apaga o lampião e segue viagem. Vai entrando o
Geógrafo)
PEQ. PRINCIPE 7 (À plateia):
Esse aí... Seria desprezado pelos outros... O Rei... O empresário. No entanto,
é o único que não me parece ridículo. Talvez por ser o único que se ocupa de
outra coisa que não seja ele próprio. (Suspira, lamentando) Era o único
com quem eu poderia ter feito amizade. Mas seu planeta é mesmo pequeno demais.
Não há lugar para dois.. [Sai por um
lado, no mesmo momento que o Peq. Príncipe 8 entra pelo outro]
CENA 7
(Se aproxima um velho, trazendo consigo um livro
enorme.)
GEÓGRAFO (Avistando o principezinho): Ora vejam! Eis um
explorador!
(O Geógrafo senta-se em sua mesa
e abre seu enorme livro. O príncipe também senta-se, meio ofegante. Está
cansado de tanto viajar.)
GEÓGRAFO: De onde vens?
PEQ. PRINCIPE 8: Que livro é esse? Que faz o senhor aqui?
GEÓGRAFO: Sou Geógrafo.
PEQ. PRINCIPE 8: Que é um geógrafo?
GEÓGRAFO: É um especialista que
sabe onde se encontram os mares, os rios, as cidades, as montanhas, os
desertos.
PEQ. PRINCIPE 8: Isto é bem interessante! Eis, afinal, uma verdadeira
profissão! O seu planeta é muito bonito! Há oceanos nele?
GEÓGRAFO: Não sei te dizer.
PEQ.
PRINCIPE 8 (Decepcionado): Ah! E montanhas?
GEÓGRAFO:
Não sei te dizer.
PEQ.
PRINCIPE 8: E cidades, e rios, e desertos?
GEÓGRAFO:
Também não sei te dizer.
PEQ.
PRINCIPE 8: Mas o senhor é geógrafo!
GEÓGRAFO: É verdade. Mas não sou
explorador. Faltam-me exploradores! Não é o geógrafo quem vai contar as
cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos, os desertos. O geógrafo é
muito importante para estar passeando. Nunca abandona a sua escrivaninha. Mas
recebe os exploradores, interroga-os, e anota seus relatos de viagem. E quando
algum lhe parece mais interessante, o geógrafo faz um inquérito sobre a moral
do explorador.
PEQ. PRINCIPE 8: Por quê?
GEÓGRAFO: Porque um explorador
que mentisse, produziria catástrofes nos livros de geografia. Assim, como um
explorador que bebesse demais.
PEQ. PRINCIPE 8: Por quê?
GEÓGRAFO: Porque os bêbados vêem
em dobro. Então o geógrafo anotaria duas montanhas onde, na verdade, só há uma.
PEQ. PRINCIPE 8: Conheço alguém... Que seria um mau explorador.
GEÓGRAFO: É possível. Pois bem,
quando a moral do explorador parece boa, faz-se uma investigação sobre a sua
descoberta.
PEQ. PRINCIPE 8: Vai-se vê-la?
GEÓGRAFO: Não. Seria muito
complicado. Mas, exige-se do explorador que ele forneça provas. Tratando-se,
por exemplo, da descoberta de uma grande montanha, é essencial que ele traga
grandes pedras. (De repente, se entusiasma) Mas tu... Tu vens de longe.
Certamente, és explorador! Portanto, vais descrever-me o teu planeta! (Aponta
um lápis) Então?
PEQ. PRINCIPE 8: Oh! Onde eu moro... Não é interessante: é muito
pequeno. Eu tenho três vulcões. Dois vulcões em atividade e um vulcão extinto.
A gente nunca sabe...
GEÓGRAFO (Repetindo): A gente nunca sabe.
PEQ. PRINCIPE 8: Tenho também uma flor.
GEÓGRAFO: Nós não anotamos as flores.
PEQ.
PRINCIPE 8: Por que não? É o mais bonito!
GEÓGRAFO:
Porque as flores são efêmeras.
PEQ.
PRINCIPE 8: Que quer dizer “efêmera”?
GEÓGRAFO: Os livros de geografia
são os mais exatos. Nunca ficam ultrapassados. É muito raro que uma montanha
mude de lugar. É muito raro um oceano secar. Nós escrevemos coisas eternas...
PEQ. PRINCIPE 8 (Interrompendo):
Mas os vulcões extintos podem voltar à atividade. Que quer dizer “efêmera”?
GEÓGRAFO: Que os vulcões estejam
extintos ou não, isso dá no mesmo para nós. O que nos interessa é a montanha.
Ela não muda.
PEQ.
PRINCIPE 8 (Preocupado, insiste): Mas que quer dizer “efêmera”?
GEÓGRAFO: Quer dizer “ameaçada de desaparecer brevemente”.
PEQ. PRINCIPE 8: Minha flor está ameaçada de desaparecer brevemente?
GEÓGRAFO: Sem dúvida.
PEQ. PRINCIPE 8 (Levanta-se. Caminha até a plateia e desabafa):
Minha flor é efêmera... E não tem mais que quatro espinhos para defender-se do
mundo! E eu a deixei sozinha! (Se sente com remorso; se volta novamente para
o geógrafo) Qual planeta me aconselha a visitar?
GEÓGRAFO:
A Terra... tem uma boa reputação... [Estátua]
CENA 8
AVIADOR 4: Então deixa eu ver se
entendi... Você morava em um asteroide. Depois de brigar com a sua flor, você
decidiu viajar pelo universo e passou por vários planetas, onde encontrou um
monte de gente estranha.
PEQ. PRÍNCIPE 11: Exatamente,
mas o “estranho” é por sua conta. Eu diria – peculiares.
AVIADOR 4: E finalmente você
chegou aqui na Terra.
PEQ. PRÍNCIPE 11: Pois é,
disseram que era um planeta interessante.
AVIADOR 4: E o que aconteceu
quando você chegou.
PEQ. PRÍNCIPE 11: Vou continuar
te contando, homem voador. [Entra o Peq.
Príncipe 9]
(O Pequeno Príncipe chega então a
Terra. Fica muito surpreso de não ver ninguém. Então a serpente entra em cena
se arrastando)
PEQ. PRINCIPE 9 (Avistando-a): Boa noite!
SERPENTE (Se aproximando): Boa noite!
PEQ. PRINCIPE 9: Em que planeta me encontro?
SERPENTE: Na Terra, na África.
PEQ. PRINCIPE 9: Ah!... E não há mais ninguém na Terra?
SERPENTE: Aqui é o deserto. Não há ninguém nos desertos. A Terra é
grande!
PEQ. PRINCIPE 9 (Senta-se numa pedra e ergue os olhos para o céu):
As estrelas são todas iluminadas... Será que elas brilham para que cada um
possa um dia encontrar a sua? Olha o meu planeta. Está bem acima de nós... Mas
como ele está longe!
SERPENTE
(Se aproximando mais): Teu planeta é belo! Que vens fazer aqui?
PEQ.
PRINCIPE 9 (Triste): Tive problemas com uma flor.
SERPENTE:
Ah!
PEQ.
PRINCIPE 9 (Se voltando pra ela, torna a perguntar): Onde estão os homens?
A gente se sente um pouco só no deserto.
SERPENTE:
Entre os homens também.
PEQ.
PRINCIPE 9 (A olha por um longo tempo. Sorri): Tu és um bichinho
engraçado! Fino como um dedo...
SERPENTE
(Ofendida, ameaça): Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei!
PEQ. PRINCIPE 9 (Sorrindo): Tu não és tão poderosa assim... Não
tens nem patas... Não podes sequer viajar...
SERPENTE (Em tom ameaçador):
Eu posso levar-te mais longe que um navio! (O cerca, como se enrolasse nele)
Aquele que eu toco, eu o devolvo à terra de onde veio! Mas tu és puro... E
vens de uma estrela...
(O Principezinho não responde.)
SERPENTE (Ainda enroscada nele): Tenho pena de ti, tão fraco,
nessa Terra de granito. Posso ajudar-te um dia, se tiveres muita saudade do teu
planeta. Posso...
PEQ. PRINCIPE 9 (Interrompendo-a,
se afasta): Oh! Eu te compreendo muito bem. Mas por que falas sempre por
enigmas?
SERPENTE (Encara, cruel): Eu os resolvo! Todos!
PEQ. PRINCIPE 9 (Para a
plateia): Que bicho estranho. Não gostei dele. [Sai, seguido da serpente. Enquanto isso entram as rosas]
CENA 9
(Luz. O Príncipe 10 chega a um jardim. É cercado
por vários rosas, que cantam e dançam, o acolhendo, felizes.
ROSA 1 (Simpática, sorrindo): Bom dia!
PEQ. PRINCIPE 10 (Admirado): Quem são?
TODAS AS ROSAS: Somos rosas!
PEQ. PRINCIPE 10 (Desnorteado, disfarça): Ah! E quantas de
vocês são?
ROSA
1 (Simpática, sorrindo): Quatro mil... Cinco mil... (Saem cantando,
felizes)
PEQ. PRINCIPE 10 (Chorando,
fala com plateia): Minha flor me disse que era a única de sua espécie em todo
o Universo. E eis que aqui na Terra há... Cinco mil, iguaizinhas, num só
jardim!... Ela teria se envergonhado se as tivesse visto. Começaria a tossir,
simularia morrer, para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a fingir que
cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ele seria bem capaz de morrer
de verdade. (Reflete um pouco e continua) Eu me julgava rico por ter uma
flor única, e possuo apenas uma rosa comum. Uma rosa e três vulcões que não
passam do meu joelho, estando um, talvez, extinto para sempre. Isso não faz de
mim um príncipe muito poderoso...
(A Raposa que o observava de longe, resolve se
aproximar, mas logo desaparece.)
RAPOSA
(Fala e se esconde): Bom dia!
PEQ.
PRINCIPE 10 (Responde educadamente, olhando a sua volta, sem nada ver):
Bom dia!
RAPOSA
(Fala e se esconde): Eu estou aqui!
PEQ. PRINCIPE 10: Quem és tu? Tu és bem bonita...
RAPOSA (Fala e se esconde): Sou uma raposa.
PEQ. PRINCIPE 10 (Triste): Vem brincar comigo! Estou tão
triste...
RAPOSA (Fala e se esconde): Eu não posso brincar contigo. Não
me cativou ainda.
PEQ. PRINCIPE 10: Ah! Desculpa! (Reflete um pouco e acrescenta)
RAPOSA (Olhando por mais tempo): Tu não és daqui. Que procuras?
PEQ.
PRINCIPE 10: Procuro os homens. Que quer dizer “cativar”?
RAPOSA: Os homens... Têm fuzis e
caçam! É assustador! Criam galinhas também! É a única coisa que fazem de
interessante. (Entusiasmada, sorrindo) Tu procuras galinhas?
PEQ. PRINCIPE 10: Não. Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?
RAPOSA (Ainda de longe): É algo quase sempre esquecido.
Significa “criar laços”...
PEQ. PRINCIPE 10: Criar laços?
RAPOSA: Exatamente. Tu não és
ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E
eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não
passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me
cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E
eu serei para ti única no mundo...
PEQ. PRINCIPE 10: Começo a compreender... Existe uma flor... Eu creio que
ela me cativou...
RAPOSA: É possível. Vê-se tanta coisa na Terra...
PEQ. PRINCIPE 10: Oh! Não foi na Terra.
RAPOSA (Intrigada): Num outro planeta?
PEQ.
PRINCIPE 10: Sim.
RAPOSA
(Curiosa): Há caçadores nesse planeta?
PEQ.
PRINCIPE 10: Não.
RAPOSA
(Aliviada): Que bom! (Esperançosa) E galinhas?
PEQ.
PRINCIPE 10: Também não.
RAPOSA (Decepcionada,
suspira): Nada é perfeito. (Retomando o raciocínio) Minha vida é
monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se
parecem e todos os homens também. E isso me aborrece um pouco. (Muda o
semblante) Mas... Se tu me cativas, minha vida será como cheia de sol.
(Sorri, feliz) Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos
outros. Os outros passos me fazem entrar para debaixo da terra. Os teus me
chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois... Por favor...
Cativa-me!
PEQ. PRINCIPE 10: Eu até
gostaria... Mas não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas
a conhecer.
RAPOSA: A gente só conhece bem,
as coisas que cativou. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma.
Compram tudo já prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os
homens não tem mais amigos. Se tu queres um amigo... Cativa-me!
PEQ.
PRINCIPE 10: Que é preciso fazer?
RAPOSA: É preciso ser paciente. Tu te sentarás primeiro um pouco longe
de mim, assim na relva. (Vai exemplificando o que diz) Eu te olharei com
o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos.
Mas cada dia... Te sentarás um pouco mais perto... E todo dia tu virás à mesma
hora. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde... Desde as três eu começarei
a ser feliz! (Sorrindo) Quanto mais a hora for chegando, mais eu me
sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei
o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora
de preparar meu coração... É preciso que haja um ritual.
PEQ. PRINCIPE 10: Que é um “ritual”?
RAPOSA: É uma coisa muito
esquecida também. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias;
uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, adotam um ritual.
Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. (Sorri, feliz) A quinta-feira é
então o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. (Séria) Se os caçadores
dançassem em qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu nunca teria
férias!
(Os dois vão se aproximando.
Estão felizes. Sorriem. A luz sobre eles vão caindo. E subindo em seguida. Os
dois estão se olhando, tristes.)
PEQ.
PRINCIPE 10: Preciso partir agora.
RAPOSA
(Chorosa): Ah! Eu vou chorar.
PEQ.
PRINCIPE 10 (Preocupado): A culpa é tua. Eu não queria te fazer mal; mas
tu quiseste que eu te cativasse...
RAPOSA
(Chorando, baixinho): Quis.
PEQ.
PRINCIPE 10: Mas, tu vais chorar!
RAPOSA:
Vou.
PEQ.
PRINCIPE 10: Então, não terás ganho nada!
RAPOSA (Enxugando as
lágrimas): Terei sim... Tu vai rever as rosas. Assim, compreenderás que a
tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei
com um segredo.
(A luz cai sobre eles. O Príncipe
caminha um pouco. Logo as rosas se aproximam. São carinhosas, sorridentes. Ele
conversa com elas.)
PEQ. PRINCIPE 10: Vós não sois
absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos
cativou, nem cativastes ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa
igual a cem mil outras. Mas eu a tornei minha amiga. Agora ela é única no
mundo. (Percebe que as rosas ficam desapontadas) Sois belas, mas vazias.
Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer, sem dúvida, pensaria que a minha
rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que todas vós,
pois foi ela quem eu reguei. Foi ela quem pus sob a redoma. Foi ela quem
abriguei com o pára-vento. Foi nela que eu matei as larvas (exceto duas ou três
por causa das borboletas). Foi ela quem eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou
mesmo calar-se algumas vezes. Já que ela é a minha rosa.
(As rosas saem chorosas. O príncipe avista a raposa, que vem ao seu
encontro. Está triste.)
PEQ. PRINCIPE 10 (Para a raposa): Adeus.
RAPOSA: Adeus... Eis o meu
segredo. É muito simples: SÓ SE VÊ BEM COM O CORAÇÃO. O ESSENCIAL É INVISÍVEL
AOS OLHOS.
PEQ. PRINCIPE 10 (Repetindo para não esquecer. Fala para a plateia):
O essencial é invisível aos olhos.
RAPOSA: FOI O TEMPO QUE PERDESTE
COM A TUA ROSA, QUE FEZ TUA ROSA TÃO IMPORTANTE.
PEQ. PRINCIPE 10: Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Que a
fez tão importante.
RAPOSA: Os homens esqueceram
essa verdade. Mas tu não a deves esquecer. TU TE TORNA ETERNAMENTE RESPONSÁVEL
POR AQUILO QUE CATIVAS. Tu és responsável pela tua rosa...
PEQ. PRINCIPE 10 (Repetindo para não esquecer, emocionado): Eu
sou responsável pela minha rosa...
(A luz cai sobre eles.)
CENA 10
(Luz. O Aviador se aproxima do
príncipe. Fala como se tivesse acabado de escutar toda a história de sua
viagem.)
AVIADOR 4: Ah! São bens bonitas
as tuas lembranças, mas eu não consertei meu avião, não tenho mais nada para
beber, e eu também seria feliz se pudesse ir caminhando calmamente em direção a
uma fonte!
PEQ.
PRINCIPE 11: Minha amiga raposa me disse...
AVIADOR
4 (Interrompendo): Meu caro, não se trata mais da raposa!
PEQ.
PRINCIPE 11: Por quê?
AVIADOR
4: Porque vamos morrer de sede...
PEQ.
PRINCIPE 11 (Sem compreender o raciocínio do aviador): É bom ter tido um
amigo, mesmo se a gente for morrer. Eu estou muito contente de ter tido uma
raposa como amiga... Tenho sede também... Procuremos um poço...
AVIADOR 4: Tu tens sede também?
PEQ. PRINCIPE (Sem responder a pergunta, apenas diz): A água
também é boa para o coração...
(O aviador não entende a resposta
e se cala. Ele sabe que não adianta interrogar o príncipe. Eles estão cansados.
Sentam-se um pouco. O pequeno príncipe também olha o céu.)
PEQ.
PRINCIPE 11: As estrelas são belas por causa de uma flor que não se pode ver...
AVIADOR 4: É verdade! (Fica em silêncio e fixa os olhos nas
ondulações da areia iluminada pela Lua)
PEQ. PRINCIPE 11: O deserto é
belo... O que torna belo o deserto... É que ele esconde um poço em algum lugar.
AVIADOR 4: Sim! Quer seja a casa, as estrelas ou o deserto, o que os
torna belo é invisível!
PEQ. PRINCIPE 11 (Sorri para
o aviador, satisfeito): Estou contente que esteja de acordo com a minha
raposa. (Levantando) Os homens do teu planeta... Cultivam cinco mil
rosas num mesmo jardim... E não encontram o que procuram...
AVIADOR 4 (De pé, ao seu lado): É verdade!
PEQ. PRINCIPE 11: E no entanto o que eles procuram poderia ser
encontrado numa só rosa, ou
num
poço de água...
AVIADOR 4: É verdade! (Aviador se sente triste de repente. Presente
a despedida)
PEQ. PRINCIPE 11: Mas os olhos
são cegos. É preciso ver com o coração... (Fala baixinho) É preciso que
cumpras a tua promessa.
AVIADOR 4: Que promessa?
PEQ. PRINCIPE 11: Tu sabes... A mordaça do meu carneiro... Eu sou
responsável por aquela flor!
(O aviador tira do bolso os esboços de desenho.)
PEQ.
PRINCIPE 11 (Vendo os desenhos, fala rindo): Teus baobás mais parecem
repolhos...
AVIADOR
4 (Olhando os desenhos, decepcionado): Oh! Eu caprichei tanto nos meus
baobás!
PEQ.
PRINCIPE 11 (Ainda rindo): Tua raposa... As orelhas dela... Parecem
chifres... E são compridas demais! (Ri alto)
AVIADOR
4 (Sorri também): Tu é injusto, meu caro, eu só sabia desenhar jiboias
abertas e fechadas...
PEQ.
PRINCIPE 11: Não faz mal. As crianças entendem.
AVIADOR
4 (Rabisca, então, uma pequena mordaça. Mas, ao entregá-la, sente um aperto
no coração): Tu tens planos que eu desconheço...
PEQ.
PRINCIPE 11 (Sem responder, diz apenas): Lembras-te da minha chegada na
Terra? Será amanhã o aniversário... Caí pertinho daqui...
AVIADOR 4 (Sem compreender por
que, sente uma estranha tristeza. Mas insiste em querer saber mais): Então, não
foi por acaso que vagavas sozinho, quando te encontrei, há oito dias, a milhas
e milhas de qualquer região habitada! Estavas retornando ao local onde
chegaste? Talvez... Por causa... Do aniversário?
(O principezinho fica mais
vermelho. Não responde nunca às perguntas. Mas quando enrubesce, é o mesmo que
dizer “sim”)
AVIADOR 4: Ah! Eu tenho medo...
PEQ. PRINCIPE 11: Tu deves agora
trabalhar. Voltar para teu aparelho. Espero-te aqui. Volta amanhã de noite...
(O aviador se afasta um pouco. O
príncipe avista a serpente que se aproxima, maliciosa, cruel, vitoriosa. O
aviador assiste)
PEQ. PRINCIPE 11: Ah! Aí estás... O teu veneno é do bom? Estás certa
de que não vou sofrer por muito tempo?
(O aviador grita de longe e se aproxima do
príncipe. A serpente sai.)
AVIADOR 4: Que história é essa? Tu conversas agora com as serpentes? (Afrouxa
o nó do lenço que o príncipe usa no pescoço. Molha sua testa. Dar-lhe de
beber. E não ousa perguntar-lhe mais nada. Olha-o seriamente e o abraça)
PEQ. PRINCIPE 11 (Pálido, como
a neve): Eu volto para casa hoje... É bem mais longe... Bem mais difícil...
(Seu olhar está sério, vagando no além) Tenho o teu carneiro. E a caixa
para o carneiro. E a mordaça... (E sorri com tristeza)
AVIADOR
4: Meu caro, tu tiveste medo...
PEQ.
PRINCIPE 11: Terei mais medo esta noite...
AVIADOR
4: Meu caro, eu quero ainda escutar o teu riso...
PEQ.
PRINCIPE 11: Faz já um ano esta noite. Minha estrela estará exatamente sobre o
lugar onde cheguei no ano passado...
AVIADOR 4: Meu caro, essa
história de serpente, de estrela, não passa de um pesadelo, não é mesmo?
PEQ.
PRINCIPE 11: O que é importante não se vê...
AVIADOR
4: Sim, eu sei...
PEQ. PRINCIPE 11 (Olhando o
céu, com esperança): É como a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa
estrela, é bom, de noite, olhar o céu. Todas as estrelas estão floridas.
AVIADOR 4: É verdade...
PEQ. PRINCIPE 11: À noite, tu
olhará as estrelas. Aquela onde moro é muito pequena, para que eu possa te
mostrar. É melhor assim. Minha estrela será para ti qualquer uma das estrelas.
Assim, gostarás de olhar todas elas... Serão, todas, tuas amigas. E, também, eu
te darei um presente... (Ri outra vez)
AVIADOR
4: Ah! Meu caro, meu querido amigo, como eu gosto de ouvir esse riso!
PEQ.
PRINCIPE 11: Pois é ele o meu presente...
AVIADOR 4: Que queres dizer?
PEQ. PRINCIPE 11 (Se aproxima do público e fala seriamente): As
pessoas vêem estrelas de maneira
diferente. Para aqueles que
viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes.
Para os sábios, elas são problemas. Para o empresário, eram ouro. (Se volta
para o aviador) Mas todas essas estrelam se calam. Tu, porém, terás
estrelas como ninguém nunca as teve...
AVIADOR 4: Que queres dizer? [Entram
aos poucos]
PEQ. PRINCIPE 1: Quando olhares
o céu de noite, eu estarei habitando uma delas, e de lá estarei rindo; então
será, para ti, como se todas as estrelas rissem! Dessa forma, tu, e somente tu,
terás estrelas que sabem rir! (Ri mais uma vez)
PEQ. PRINCIPE 2: E quando
estiveres consolado (a gente sempre se consola), tu ficarás contente por me
teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo! Terás vontade de rir comigo. E às
vezes abrirás tua janela apenas pelo simples prazer...
PEQ. PRINCIPE 3: E teus amigos
ficarão espantados de ver-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: “Sim, as
estrelas, elas sempre me fazem rir!” E eles te julgarão louco. Será como uma
peça que te prego... (Ri de novo)
PEQ. PRINCIPE 4: Será como se eu
te houvesse dado, em vez de estrelas, montes de pequenos guizos que sabem
rir...Esta noite... Por favor... Não venhas...
AVIADOR
4 (Sério): Eu não te deixarei!
PEQ. PRINCIPE 5: Eu parecerei estar sofrendo... Parecerei estar
morrendo. É assim. Não venhas ver. Não vale a pena...
AVIADOR
4: Eu não te abandonarei!
PEQ. PRINCIPE 6: Eu parecerei
estar morto e isso não será verdade... (segura a vontade de chorar) Tu
compreendes. É muito longe. Eu não posso carregar este corpo. É muito pesado.
Mas será como uma velha concha abandonada. (Sorri tristemente) Não tem
nada de triste numa velha concha... (Perde um pouco da coragem, mas faz
ainda um esforço, olhando o céu, com os olhos rasos d’água) Será lindo,
sabes? Eu também olharei as estrelas.
PEQ. PRINCIPE 7: Todas as
estrelas serão como poços com uma roldana enferrujada. Todas as estrelas me
darão de beber... (Vai enfraquecendo a voz) Será tão divertido! Tu terás
quinhentos milhões de guizos, e eu terei quinhentos milhões de fontes... (Se
cala, e chora. Olha o aviador pela última vez)
PEQ. PRINCIPE 8: É aqui. Deixe-me
ficar só. (Engasga ao falar) Tu sabes... Minha flor... Eu sou
responsável por ela! Ela é tão frágil! Tão ingênua! E tem apenas quatro
pequenos espinhos para defendê-la do mundo...
(O Peq. Príncipe 9 e 10 entram e
retiram o corpo do Peq. Príncipe 11. Aos poucos os demais vão saindo. Resta
apenas o Aviador]
AVIADOR 4: Os companheiros que
me encontraram quando voltei do deserto ficaram
contentes de me ver são e salvo. Eu estava triste, mas lhes dizia: “É o
cansaço...” agora já me conformei um pouco. Mas não completamente. Tenho
certeza que ele voltou ao seu planeta, pois ao raiar do dia, não encontrei seu
corpo. Não era um corpo tão pesado assim... E gosto, à noite, de escutar as
estrelas. É como ouvir quinhentos milhões de guizos... [Entram]
AVIADOR 1: Mas uma coisa me
preocupa: na mordaça que desenhei para o pequeno príncipe, esqueci de juntar a
correia de couro! Ele não poderá jamais prendê-la no carneiro. E então eu
pergunto: “O que terá acontecido no seu planeta? Talvez o carneiro tenha comido
a flor...”
AVIADOR 2: Às vezes penso:
“Certamente que não! O principezinho guarda sua flor todas as noites na redoma
de vidro e vigia atentamente seu carneiro...” Então, eu me sinto feliz. E todas
as estrelas riem docemente. Ou penso: “Às vezes a gente se distrai e isso
basta! Uma noite ele esqueceu de colocar a redoma de vidro ou o carneiro saiu
de mansinho, no meio da noite, sem que fosse notado...” E todos os guizos então
se transformam em lágrimas!...
AVIADOR 3 (Sério): Eis aí
um grande mistério. Para vocês, que também amam o pequeno príncipe, como para
mim, todo o Universo fica diferente, se em algum lugar, que não sabemos onde,
um carneiro, que não conhecemos, comem ou não uma rosa...Olhem o céu. Perguntem
a si mesmos: O carneiro terá ou não comido a flor? E verão como tudo fica
diferente... E nenhuma pessoa grande jamais entenderá que isso possa ter tanta
importância!
AVIADOR
4 Esta é, para mim, a mais bela e triste paisagem do mundo. Foi aqui que
o pequeno príncipe apareceu na Terra, e depois desapareceu. Olhem atentamente
esta paisagem... Para que estejam certos de reconhecê-la, se um dia viajarem
pela África, através do deserto.
AVIADOR 1: Se passarem por ali...
(Emocionado) Eu lhes suplico! Eu lhes peço que não tenham pressa... E
esperem um pouco bem debaixo da estrela!
AVIADOR 2: Se... De repente... Um
menino vem ao encontro de vocês... Se ele ri... Se não responde quando é
perguntado... Adivinharão quem ele é.
AVIADOR
3: Façam-me, então um favor! Não me deixem tão triste: escrevam-me depressa...
Dizendo que ele voltou...
(Luz cai lentamente sobre o aviador.)
FIM
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