quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O professor e seu rito de passagem

Os ritos de passagem (ou de iniciação) são cerimônias que marcam transições importantes no desenvolvimento de uma pessoa, ocorrendo alguma mudança de estatuto social. Eu acredito que o magistério tem o seu rito de passagem.  Saímos sonhadores da faculdade , convictos que o nosso trabalho é mudar o mundo; até que, passados poucos anos, alguém nos faz despertar para a realidade, nua e crua – é o acordar da utopia.

                A minha iniciação ocorreu após cerca de 1 ano lecionando na rede municipal de Volta Redonda (RJ), local da primeira matrícula que obtive na educação pública. Tive um pouco de azar, confesso, pois estava em uma escola dirigida pela versão feminina do Hitler. Estávamos em meio ao segundo bimestre quando fui chamado pela diretora-ditadora e a supervisora educacional – que apesar de não concordar com muitas ideias da primeira, se mantinha como sua assecla.
                Na pequena reunião, a minha conduta como profissional foi elogiada e, supostamente, não havia nada de errado com o meu trabalho. Acontece que o meu “aproveitamento” foi muito baixo no 1° bimestre. Era preciso então achar um defeito. Disseram que eu era muito exigente com os alunos. Eu deveria entender que “a condição socioeconômica do nosso aluno faz com que ele não tenha capacidade de ser atingido com tal exigência”. Precisava fazer algo mais “acessível”. Foi considerado um absurdo eu ter dado zero para alguns trabalhos que foram todos copiados da internet (descaradamente), mesmo com todas as orientações para que isso não fosse feito. Em uma das vezes que me defendi fui advertido pela diretora para “ficar calado”. Ainda fez questão de dizer que ela “está hierarquicamente acima de mim”, o que se traduzia mais ou menos em “rapaz, seja submisso enquanto eu falo”.
               Para terminar, fui ameaçado duplamente. Primeiro, me disseram que se minhas notas não melhorassem seria constrangedor para mim “ter que mudar as médias dos alunos no final do ano, já que, quem decide mesmo sobre isso é o conselho de classe”. Segundo, a diretora disse claramente que se eu continuasse assim “não chegaria até o final do ano”. Para bom entendedor, meia palavra basta!
               Lembro-me como se fosse hoje: quando saí daquela sala, parte de mim ficou. Aquele jovem que queria mudar o mundo ficou para trás. Cada passo pelo corredor parecia me levar para a realidade da profissão. No mesmo ano, uma colega contou o que havia ocorrido com ela. O diretor, após a mesma discussão a respeito da “produtividade”, instruiu a professora a não se preocupar, pois “os alunos vão virar bandidos e as alunas serão putas”. Uma pequena investigação e descobri que os filhos dos dois diretores estudaram em colégios particulares. Assim fica fácil decidir sobre a vida do filho dos outros. Minha filha estuda em escola pública e eu não quero que os professores façam algo “acessível” (eufemismo para “passar de qualquer jeito”) para ela. E mais, não quero que ela vire puta!
               O que esse rito de passagem teve de bom? O despertar de um desejo imenso de fazer alguma coisa. Os textos foram e ainda são o único caminho, mas já enxergo outros. No entanto, hoje estou com os pés no chão. Infelizmente, é bom que se diga, pois o mundo utópico de outrora era bem mais colorido.
               E você? Como foi o seu rito de passagem?

2 comentários:

Paulo disse...

Luiz, coincidentemente, hoje, conversava com uma professora de minha escola, no Município do Rio. O assunto em questão era que, na turma dela, muitos alunos deveriam ser reprovados, mas, infelizmente, não serão, porque, mesmo que ela os reprove, a direção está autorizada pela Coordenadoria Regional de Ensino (CRE)a aprovar os alunos.Isso quem disse a ela foi a própria diretora. Tremenda falta de respeito com o profissional!

Acho que o problema é generalizado. É claro, em Volta Redonda, parece-me que é pior, pois o autoritarismo e a repressão são escancarados e quase que, eu diria, institucionalizados.

Trabalhei, em 2008, no colégio Têmis, no turno da manhã, cuja direção, na época - espero que não esteja mais lá - era constituída por pessoas do mais baixo nível: uma sargentona ridícula e sanguinolenta, que se achava a rainha da cocada preta. E um paspalho como diretor geral.

Espero que essa corja não esteja mais lá e, se estiver, lamento muito pela educação dessa escola, pois educação e respeito, eles nunca tiveram para comigo.

Acho que meu rito de passagem foi ter saído vivo dessa escola, embora as cicatrizes dessa época ainda continuem muito presentes.

Obrigado pelo espaço para o desabafo!

Paulo Victor de Souza Rocha, professor de Língua Portuguesa.

Luiz Eduardo Farias disse...

Paulo, a notícia ruim é que as pessoas que nós citamos (que, aliás, são as mesmas) ainda estão no mesmo lugar, cometendo as mesmas atitudes e tendo o mesmo aval da senhora secretária de educação - que não cumpriu sua palavra quando falou comigo que iri punir a versão feminina do Hitler (ou sargentona, como você disse).
Não tem jeito, meu amigo, a realidade da educação é essa.

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