sábado, 16 de abril de 2011

Você tem medo de muçulmanos?

Existem algumas coisas que me incomodaram profundamente nas últimas semanas. Primeiro, ter visto uma declaração completamente estúpida do cantor Lulu Santos, no programa da Hebe Camargo, a respeito de uma reportagem sobre a convivência entre uma brasileira e uma árabe. Depois, a confirmação de que no dia 11/04, entraria em vigor na França a lei que proíbe as mulheres islâmicas de usarem a burca em locais públicos. Em seguida, ter ouvido de um comentarista na TV que a queima do Corão por um pastor norte-americano não representa uma falta de respeito com os muçulmanos. Por último, a tentativa de alguns meios de comunicação de associar o atirador psicótico que matou 12 adolescentes em uma escola de Realengo com a religião de Maomé. São quatro eventos completamente independentes, mas que se ligam em um aspecto: o preconceito contra tudo que é árabe-islâmico. No primeiro caso, o quadro do programa da RedeTV até me pareceu interessante. Tratava-se de uma troca de experiências entre uma mulher carioca em visita a um país islâmico (não me lembro qual) e vice versa. Assisti ao segundo. A mulher muçulmana, seguida da sua mãe e com toda a vestimenta típica da sua cultura, percorreu a Lapa carioca e o sambódromo, além de conhecer a igreja da Candelária. Já era de se esperar que o estranhamento seria enorme e que houvesse uma crítica das mulheres aos costumes “mundanos” do povo brasileiro (bebidas alcoólicas, bundas e peitos pulando etc). Nada muito diferente do que a carioca havia feito quando visitara o país islâmico (como deu pra perceber em alguns flashes do programa anterior). Nos comentários, Hebe e Lulu Santos foram extremamente grosseiros com a cultura muçulmana, com o segundo chegando a falar que a repulsa da mãe da menina olhar o que acontecia no sambódromo se devia a um desejo subconsciente e reprimido de se entregar aos prazeres da vida. A conclusão de ambos: “essas mulheres são profundamente infelizes!” No dia em que escrevo estas linhas, andar de burca nas ruas de Paris dará multa e até cadeia ao infrator. A justificativa: o Estado é laico e como a rua é pública não pode haver qualquer manifestação religiosa. Ok! Vamos seguir o raciocínio... proíbe-se também os crucifixos, as camisas com imagens de Jesus ou santos católicos, os kipás dos judeus, enfim, porque somente a referência ao costume religiosos muçulmana? Lembremos que o país que outrora pregara valores revolucionários em 1789 é um dos mais xenófobos da Europa. Já o cientista político Carlos Novaes defendeu, e sofreu severas críticas por isso, que o ato de hostilizar símbolos religiosos não é uma falta de respeito, em referência a um pastor evangélico da Flórida (EUA) que havia queimado um exemplar do Corão. Está certo que Novaes citou inclusive o caso do pastor da Igreja Universal que chutou uma santa católica em um culto, mas o assunto em pauta era a reação do mundo islâmico à atitude do pastor “sem noção”. Será que se fosse o inverso, um muçulmano queimando uma Bíblia, o cientista político manteria sua opinião? Por fim, desde o fatídico dia do atentado em Realengo que percebo a tentativa de alguns jornalistas de associar o atirador com a religião islâmica, numa espécie de versão tupiniquim para o homem-bomba muçulmano. Não importa se a polícia achar algo escrito deste psicopata em supostas relações com grupos de radicais islâmicos. A verdade tem que ser dita: este homem não tem a mínima ideia do que seja o islamismo. Sua carta de despedida nos dá a certeza que sua visão religiosa é um emaranhado de ideias desconexas. A conotação deste atentado não é religiosa nem de longe. Isto tudo me faz lembrar de um estudioso chamado Eduardo Said, que escreveu a obra “Orientalismo”. Ele defende que o antissemitismo judaico foi transferido para o antissemitismo árabe após o Holocausto, uma vez que o mundo se chocou com as atrocidades nazistas (lembrando, tanto judeu quanto árabe são semitas). Se procurarmos as charges antijudaicas de outrora e compararmos com as representações dos árabes muçulmanos de hoje encontraremos poucas diferenças. O perigo, a “praga” do mundo mudou de endereço. É claro que nem todo árabe é muçulmano, mas para o mundo ocidental-cristão isso pouco importa – “não é o povo do homem-bomba”, diria um de nós. Afinal, ainda não tem gente que afirma que japonês é tudo igual? Na nossa visão, eles são os estranhos. E o que eu não compreendo, pela diferença, passa a ser perseguido. Assim nasce o preconceito. Sei não, um de nós está paranóico e eu espero, sinceramente, que seja eu.

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