quarta-feira, 16 de março de 2011

A queda do Império Otomano e a criação do Oriente Médio Moderno

Não sou nem de longe um especialista em Oriente Médio. Gosto e tenho prazer em conhecer mais do tema. Faz parte desta caminhada do historiador, cujo destino ele jamais controla. Quando estava na faculdade queria falar sobre o Getúlio Vargas. E cheguei perto. Falei sobre um movimento de esquerda quando ele era presidente. Na pós-graduação acabei escolhendo o Holocausto. Quando dei por mim estava falando sobre Israel. Pronto! Já havia me metido no Oriente Médio. Vê só como Vargas pode ir longe.
Como gosto de compartilhar o que gosto, tenho que recomendar a leitura de um livro de David Fromkin, professor da Universidade de Boston, chamado “Paz e Guerra no Oriente Médio”. O título lá de cima é plágio do subtítulo do livro.
As próximas linhas não pretendem ser um resumo ou resenha sobre o livro, apenas um bate papo tendo ele como objeto principal.
Basicamente, “Paz e Guerra no Oriente Médio” é resultado de um estudo documental vastíssimo que abrange o período de 1914-1922. A perspectiva é européia, sobretudo britânica. Boa parte da obra é personalista, isto é, enfatiza muito as pessoas envolvidas nas negociações sobre o destino do decadente Império Otomano em meio à Primeira Guerra Mundial. Por vezes, dá-se a impressão de que tudo era resolvido em reuniões entre ingleses e franceses. Em outros momentos a leitura se torna um pouco maçante, com os inúmeros detalhes, em geral irrelevantes, sobre batalhas e diálogos.
Não obstante os pontos negativos, a obra é muito importante para quem deseja compreender a dinâmica do Oriente Médio atual. Toda esta região fazia parte do Império Otomano, que esteve de pé de 1299 até 1922. E foi justamente no contexto do desmembramento deste império que se deu a partilha dos territórios entre ingleses e franceses. São estes países que demarcaram as fronteiras e decidiram onde cada um dos muitos povos habitantes permaneceria. Esta é a origem, ou melhor, o acirramento das disputas e dos ódios pelos quais o Oriente Médio mergulhará. Neste contexto, por exemplo, é que os judeus serão contemplados com a Declaração Balfort* , enquanto os curdos são deixados à própria sorte.
O que mais se pode aproveitar do livro de Fromkin é a parte que aborda as discussões pelo espólio do já derrotado Império Otomano. Os turcos que controlavam todo o Império de maioria árabe acabaram ficando apenas com a Turquia, país criado após a Primeira Guerra.
O limite africano do Oriente Médio, o Egito, já era um protetorado britânico. No entanto, ao ver dirigentes árabes assumindo poderes em seus países aumentaram as pressões para que este país alcançasse de vez sua autonomia.
A Palestina (que compreendia a parte Oriental ao leste do Rio Jordão – Transjordânia) ficou sob domínio britânico. A promessa de um lar judeu provocou acirradas discussões com lideranças árabes. Porém, aumentava cada vez mais o número de judeus chegando à Palestina, principalmente fugindo das perseguições na Europa. A parte Oriental é a precursora do que é conhecido hoje como a Jordânia. Toda a península arábica, assim como o Iraque (antiga Mesopotâmia), a Pérsia (que depois mudou seu nome para Irã) e a Transjordânia foram dados para grandes famílias tradicionais, aliados dos britânicos (como a família Hussein). Na verdade, a preocupação maior e o interesse da Inglaterra nesta região era evitar que uma outra potência européia, até mesmo sua “amiga” França, tivesse o controle daquilo que era a ligação entre as colônias orientais (como a Índia), as colônia africanas (como o Egito) e a Europa. É interessante notar que a questão do petróleo ainda não é determinante nos debates sobre o Oriente Médio, uma vez que havia apenas estimativas de que a região possuía o óleo em abundância. Caso o cenário atual tivesse sido visto uma outra história teria ocorrido com estes povos.
Um desejo antigo impediu que a Inglaterra tivesse o controle de toda a região. Trata-se da França, que lançou suas mãos na Síria (que compreendia também o atual Líbano).
O livro é muito mais denso, apenas pontuei alguns temas. O conflito entre turcos e gregos, o expansionismo russo no Afeganistão, as disputas européias em relação ao Oriente Médio na Guerra, enfim, muitas outras coisas são objetos de estudo de Fromkin.
Uma dos aspectos mais interessantes que o autor aborda é em tom de conclusão. Ao comparar as quedas dos Impérios Romano e Otomano, Fromkin demonstra o tamanho da dificuldade enfrentada pelo Oriente Médio nos últimos 90 anos. O Império Romano demorou um milênio para que os povos que estavam subjugados a Roma e os que ajudaram a enfraquecê-lo pudessem se organizar numa estrutura política, econômica, social e cultural. Mesmo assim, alguns países europeus ainda enfrentam problemas até hoje. Menos de um século depois, parece que os povos do Oriente Médio ainda buscam um norte.
Mais importante do que achar seus caminhos, é essencial, penso eu, que os povos desta região andem com suas próprias pernas e não tentem imitar o modelo europeu. Cada povo tem a sua particularidade e, desta forma, deve encontrar o modelo de sociedade que a comporte. Mas isso já é outra história...
Para os que se interessarem... boa leitura!


*Referência ao ministro do Exterior britânico, Arthur Balfour, que fez uma declaração, que na prática era uma espécie de promessa de que se formaria um Estado judeu na Palestina.

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