quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O desencanto mora na sala de aula

Alunos das escolas públicas têm mais vontade de aprender do que os colegas da rede privada. Falta de empenho está ligada à pressão por resultados

por CECÍLIA LOPES/MARTA AVANCINI

Fonte: http://www.revistadarcy.unb.br/



Escola colorida, computador na sala de aula e cadeira confortável não são determinantes para que crianças e adolescentes tenham vontade de estudar. Pesquisa da Universidade de Brasília mostra que os alunos da rede pública, acostumados com instalações precárias, possuem mais motivação para aprender do que os estudantes de instituições privadas, onde a infraestrutura impecável é parte do valor cobrado nas mensalidades.

a conclusão que desafia estereótipos está em pesquisa de mestrado defendida pela pedagoga Mônica Cavalcanti. Ala investigou a percepção de 222 alunos do distrito Federal

- 135 de colégios públicos e 87 de escolas privadas - do 5º ano do ensino fundamental. Ao analisar as respostas, percebeu que os alunos das escolas públicas possuem mais "motivação intrínseca" para se dedicarem aos livros.

a "motivação intrínseca" é a vontade de aprender propriamente dita, o gosto pelo conhecimento.

Um estudante com alto nível de motivação intrínseca é aquele que se diverte resolvendo problemas de matemática ou que frequenta a biblioteca da escola por prazer.

O resultado surpreendeu até a autora. Ela acreditava que a infraestrutura das escolas particulares elevaria a motivação dos alunos. "O estudo mostra que o gosto pelo conhecimento está relacionado com a maneira com que as crianças são educadas pela família e com as situações de estímulo propiciadas pela escola", afirma Mônica.

A "motivação extrínseca", o desejo de receber um elogio, um presente ou qualquer outro tipo de reconhecimento, também foi avaliada na pesquisa. Mas nesse caso os níveis de motivação dos dois grupos não apresentaram diferenças significativas.



Falta de interesse

A falta de interesse pela escola está presente em situações cotidianas. as professoras contam que estudantes de colégios particulares chegam a culpar as empregadas quando esquecem o material didático ou as tarefas pedidas pelos professores. "Eles têm dificuldades em lidar com responsabilidades, estão acostumados a serem servidos", declara Nancy de Fátima silva, assessora do Núcleo Psicopedagógico do 2° ao 5° ano do Colégio marista, também professora da rede pública.

A proteção dos pais acaba inibindo a motivação dos estudantes da rede particular. "Eles sabem que vão ter tudo. São meninos e meninas que não precisam sequer sentir vontades", relata a professora Kátia Regina Pereira, que leciona no colégio marista de Brasília e também na rede pública do DF.

Amábile Pacios, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe/DF) e dona da escola Dromus, concorda: "eles não precisam correr atrás de nada, são crianças e adolescentes que têm tudo na mão." Na escola pública, o cenário que precisa ser enfrentado é outro: a ausência familiar. Os pais se envolvem pouco no cotidiano da escola e, muitas vezes, não se organizam para cobrar qualidade de ensino.

A pesquisa também investigou a percepção dos estudantes sobre o clima de criatividade em sala de aula. E aqui, de novo, as escolas públicas bateram as particulares. Os estudantes da rede pública consideram suas classes mais criativas e possuem uma percepção mais positiva de sua autonomia e do estímulo que recebem para a produção e expressão de ideias.

A presidente do Sinepe acredita que isso acontece porque a rede privada está focada na grade curricular. Os professores são pressionados para cumprir o currículo, o que os afasta de aulas improvisadas. Já na escola pública, a flexibilidade é maior.

A autora do estudo concorda: "Os colégios privados enfatizam o conteúdo em detrimento do estímulo à motivação e à criatividade". Para Mônica, a expectativa dos pais e alunos é a aprovação em concursos ou vestibulares, por isso a pressão por resultados.

Cristiano Muniz, professor da Faculdade de Educação da UnB, explica que as escolas privadas sacrificam o lado lúdico do aprendizado porque estão mais preocupadas com o desempenho dos estudantes. "O modelo de educação está provocando um desinteresse generalizado. É preciso buscar alternativas".



Lições de motivação

A boa notícia é que a motivação intrínseca pode ser desenvolvida por meio de um ambiente criativo e de relações que despertem o interesse de aprender, um processo em que o papel do professor é fundamental. "A motivação intrínseca para aprender não é inata" explica Denise Fleith, professora do Instituto de Psicologia da UnB e orientadora de Mônica. "As teorias e estudos mais recentes articulam criatividade e motivação. É uma via de mão dupla", afirma Denise.

A pesquisadora Evely Burochovitch, da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp), destaca que as estratégias didáticas do professor são determinantes para desenvolver o desejo de aprender no aluno. Evely sugere dar um retorno correto e informativo aos estudantes, dosar o grau de dificuldade das tarefas e fazer com que eles se sintam capazes.

Um clima acolhedor em sala de aula também ajuda a despertar o sentimento de pertencimento nos alunos e a vontade de aprender.

"As escolas públicas pesquisadas são estimulantes", analisa Mônica. "elas possuem um ambiente favorável ao desenvolvimento do aluno, que se sente protegido e ouvido", continua a pesquisadora. São, em síntese, escolas onde as crianças se sentem valorizadas.

A coordenadora do grupo de estudos e Pesquisas em Psicologia na educação da UnB, Teresa Cristina Siqueira Cerqueira, chama atenção para outro aspecto relacionado à formação do professor: o planejamento. "A aula deve ser clara, e a maneira como os conteúdos são apresentadas deve despertar o interesse do aluno, o que requer organização e preparação prévia", explica.



Baixo desempenho

Na hora de checar o boletim, a pesquisa reforçou o que já era sabido. As escolas públicas ainda estão atrás das particulares. Submetidos a testes de Português e Matemática, os estudantes da rede privada obtiveram notas maiores do que seus colegas da rede pública. Em escrita, 46% dos estudantes das instituições particulares obtiveram as melhores pontuações contra 20% das públicas, e em aritmética, 47% da rede privada, contra 24,4% da pública. No fim das contas, o desafio continua sendo conjugar criatividade, motivação e resultado.



A BOA NOTÍCIA É QUE A MOTIVAÇÃO PODE SER DESENVOLVIDA EM UM AMBIENTE CRIATIVO, QUE INCENTIVA A AUTONOMIA DOS ESTUDANTES



Ensinando professores

Na escola Classe 304 Norte, a liberdade criativa estimula o desempenho dos alunos. A escola recebeu 6,6 no Índice de desenvolvimento da educação básica em 2009, o que a coloca entre as dez melhores escolas do DF.

Os alunos da 304 Norte participam ativamente do trabalho pedagógico. Os estudantes opinam sobre os temas que serão desenvolvidos em classe. "Eles dizem se querem estudar sobre dinossauros ou sobre plantas. A partir daí trabalhamos os conteúdos previstos no currículo", conta a diretora da escola, Roberta Farage.

A 304 Norte também é um laboratório para o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas. O projeto Reeducação Matemática existe há seis anos e tenta desmistificar uma das disciplinas mais temidas pelos estudantes. "Tentamos fortalecer a autonomia do aluno, por meio de uma relação menos desigual entre docentes e estudantes", explica Cristiano Muniz, professor da Faculdade de educação da UnB que coordena o projeto.

A metodologia consiste em respeitar as maneiras alternativas que os estudantes encontram para solucionar problemas matemáticos. "Os professores não devem exigir que os alunos dêem as respostas da maneira como eles acham corretas", defende. "Eles devem refletir se a nossas fórmulas são capazes de preparar as crianças de hoje para as situações e os problemas do futuro".



Conheça a Metodologia da Pesquisa

O trabalho de mestrado comparou a rede pública e a particular com base nos seguintes instrumentos de avaliação:



Ascala de Avaliação da Motivação para Aprender

Elaborada por Edna Neves e por Evely Boruchovitch em 2007, a escala é composta por 31 itens que investigam a vontade dos alunos em estudar e aprender e suas alegações para se dedicarem, ou não, aos estudos. A motivação intrínseca é avaliada por 17 itens, e a extrínseca por 14. O estudante poderá responder: sempre, às vezes ou nunca.



Teste Clima para a Criatividade em Sala de Aula

Desenvolvida por Denise Fleith e por Eunice Alencar em 2005, é composta por 22 itens que identificam a percepção dos alunos de 4º e 5º ano do ensino fundamental em relação a cinco fatores que podem favorecer, ou não, o desenvolvimento e a expressão da criatividade em sala de aula. São eles: suporte da professora à expressão de ideias dos alunos, autopercepção do aluno com relação à criatividade, interesse do aluno pela aprendizagem, autonomia do aluno e estímulo da professora à produção de ideias do aluno. Dentro de cada fator existem itens relativos à questão. O estudante poderá responder: nunca, poucas vezes, algumas vezes, muitas vezes e sempre.



Teste de Desempenho Escolar

Desenvolvido por Lilian milnitsky Stein em 1994, o exame mede as capacidades fundamentais em escrita e aritmética do 2º ao 7º ano do ensino fundamental. A avaliação de escrita é composta por 45 palavras que foram ditadas em ordem crescente de dificuldade ortográfica. O teste de aritmética é composto por 38 itens subdivididos em parte oral, relacionada a cálculos mentais de adição e subtração; e parte escrita, constituída de operações fundamentais e cálculos matemáticos em ordem crescente de dificuldade. Todos os conteúdos correspondem aos ministrados do 1º ao 7 º ano do ensino fundamental.



Que é a pesquisadora: Mônica Cavalcanti é graduada em Pedagogia pela Universidade de Brasília. Tem pós-graduação lato sensu em Psicopedagogia pela Universidade Gama Filho e mestrado em Desenvolvimento Humano e Educação pelo Instituto de Psicologia da UnB. Trabalha na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF) como coordenadora do Programa de Atendimento ao Estudante com Altas Habilidades/Superdotação (AEE-AH/SD).

Um comentário:

Accácia disse...

Um absurdo tal pesquisa constatar isso!
Acho que ambos estudantes deveriam ter emprenho e vontade de estudar...
por essas e outras que o país não anda!
Pena..
beijo

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