sábado, 17 de novembro de 2012

Entre a reprovação e a aprovação automática

Com base em estatísticas que demonstram as altas taxas de reprovação dos alunos brasileiros, o MEC, com mais uma proposta de “tapar o sol com a peneira” decidiu recomendar a todas as escolas a aprovação automática nos três primeiros anos do ensino fundamental. Segundo Edna Martins Borges, coordenadora-geral do Ensino Fundamental da secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, “O Conselho espera que o Brasil deixe, daqui a alguns anos, de reprovar em todas as séries do ensino fundamental (...) pois ser reprovada faz com que interrompa o sucesso escolar que poderia ter (...) a reprovação é uma das responsáveis pelo aluno abandonar o colégio”.
Alguns especialistas e uma professora foram consultados, mas nenhum deles foi tão duro quanto deveria ser. Estamos falando em retirar a autoridade do professor de decidir quem está ou não apto a avançar para outra etapa escolar.
Em primeiro lugar, como já pude me posicionar em artigos anteriores, não sou a favor da reprovação. No entanto, aprovar um aluno sem que ele esteja em reais condições de acompanhar a série posterior é mais danoso do que impedi-lo. Vamos falar em realidade? O que ocorre é que, quando se promove a aprovação automática do 1º ao 5º ano, recebe-se alunos analfabetos no 6º ano, apenas transferindo a responsabilidade de ensinar a ler, a escrever, a somar e diminuir ao professor do segundo segmento, que não foi preparado para isso. Quando tal programa é estabelecido em todo o Ensino Fundamental, como fez por um tempo a cidade do Rio de Janeiro, os alunos chegam ao Ensino Médio semi-analfabetos, mais uma vez jogando a responsabilidade para professores que deveriam receber um aluno capaz de interpretar e construir textos, utilizar o pensamento racional e crítico e relacionar o seu aprendizado com o mundo em que vive.
Pergunte a qualquer professor de faculdade se a cada ano que passa não fica mais complicado dar aula para universitários completamente mal preparados. A aprovação automática só deixará esta situação ainda mais desastrosa.
Em segundo lugar, mais uma mentira contada pelos defensores desta prática é a de que a reprovação provoca a evasão escolar. Falácia! Quero que me mostre uma pesquisa séria fazendo esta relação. Não existe! Sabe o que acontece? Chega-se a conclusão fantástica de que os alunos que saem da escola, em sua maioria, são repetentes. Pois bem, isso quer dizer obrigatoriamente que eles abandonaram por causa da reprovação? Se fizermos um pouquinho de esforço em tentar outra interpretação veremos que a reprovação é parte do processo de evasão, e não a sua causa. Os alunos que têm mais dificuldade em “passar de ano” e, consequentemente, acabam ficando na lista dos repetentes, são os que não têm uma estrutura familiar propícia para o estudo (têm que ajudar os pais trabalhando, por exemplo) e/ou aqueles que não conseguem achar um sentido em estar na escola (este processo acelera-se na medida em que a nossa sociedade valoriza e dá destaque aos que conseguem sucesso na vida com seus talentos natos – atletas, cantores, modelos etc.). Que aluno se entusiasma em estudar, fazer uma faculdade, tornar-se professor e receber menos do que a sua mãe ganha como diarista?
Na verdade, a reprovação acontece paralelamente ao processo que mencionei acima. Quando o aluno decide (levando em conta o abandono voluntário) sair da escola é porque já está com a cabeça fora dela. Passar de ano ou não é apenas um detalhe. Prove-me do contrário com dados concretos!
Não preciso ir longe para encontrar um testemunho do que acabei de falar. Eu mesmo já evadi da escola. Tinha mais ou menos 16 anos, vivia dentro de um furacão familiar (na perspectiva de um adolescente, é claro) e ia para a escola por ir, talvez mais para sair de casa e ficar com os amigos do que verdadeiramente para estudar. Nunca repeti de ano, pelo contrário, era o melhor da sala. Mesmo assim, pedi ao meu pai para abandonar o colégio. Anos mais tarde, o desprezo pelos estudos se transformou na esperança de alcançar uma posição digna para sustentar a minha filha. Voltei a estudar quando encontrei sentido em fazê-lo. Eu sou apenas um exemplo. Sei de muitos casos como o meu.
Resumindo, esta conversa de aprovação automática é típica de pessoas que não conhecem o universo da sala de aula. Faço minha as palavras do professor de políticas públicas e formação humana da UERJ, Gaudêncio Frigotto. Ele diz que “não adianta as crianças terem o direito de passar, se não têm o direito de aprender”. Demonstra verdadeiramente as reais intenções do poder público como um todo quando se fala em educação. O que importa para eles é ter o aluno na escola (melhorando os números e índices, somente eles), não importa como, no menor número de anos possível. Ao mesmo tempo em que podem vangloriar-se de ter todas as crianças na escola, evitando o seu aliciamento pelos bandidos e sua exposição às drogas (como se 4 horas no colégio evitasse isso! Brincadeira!), podem cortar os custos com a educação. Isso porque para cada aluno reprovado existe um aluno novo a menos na rede de ensino. Isso representa menos verba para o Município/Estado. E se tem uma coisa que político gosta é verba para gastar.
Enfim, para evitar frases toscas do tipo “se for proibir reprovar, as pessoas serão obrigadas a ensinar” (dita por Vitor Henrique Paro, professor da Faculdade de Educação da USP) que os professores têm que reagir a este tipo de iniciativa que só nos enfraquece. Além do mais, a respeito desta frase, a experiência dentro das escolas nos permite dizer que pelo contrário, os professores mais medíocres são aqueles que aprovam todos os alunos, são aqueles que são incapazes de cobrar o que não tem a capacidade de ensinar e tem medo que os baixos índices de aprovação lancem holofotes sobre o seu trabalho. São estes professores que irão adorar esta ideia. Para os que realmente se interessam pelo aprendizado dos alunos e primam pela qualidade da educação, a aprovação automática é desestimuladora. 

Com a palavra, os que podem e devem se manifestar – os professores.

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