Quero tentar montar um paralelo entre o universo do livro “Elite da Tropa”, obra escrita em conjunto pelos policiais do Bope André Batista e Rodrigo Pimentel – a segurança pública – e o meu universo – a educação pública.

Tem
dia que a criança chora
Mas a mãe não escuta
E você nada "pra" fora
Mas a vala te puxa
Mas a mãe não escuta
E você nada "pra" fora
Mas a vala te puxa
(Tropa de Elite - Tihuana)
Primeiramente, quero deixar claro para quem não leu o livro de que o
filme Tropa de Elite é apenas baseado na obra escrita, mostrando somente
algumas de suas partes. Praticamente toda a segunda metade do livro, que é o
meu objeto de reflexão, fica de fora da versão cinematográfica. Caso tenha
apenas visto o filme talvez não tenha atentado para as mensagens que a obra
traz consigo. Recomendo que todos leiam a obra.
Muito mais do que falar sobre o dia a dia de um dos mais bem treinados
grupos policiais do mundo, o texto soa mais como um desabafo. Um misto de
confissão dos pecados, indignação e denúncia.
É importante não nos enganarmos com a narrativa. Os acontecimentos e
personagens são partes de uma ficção. O que importa não é a veracidade do que é
relatado, e sim os pensamentos que encontramos por trás da história. Uma
metáfora da segurança pública do Rio de Janeiro, quem sabe do Brasil.
Uma das constatações que o livro faz é da falência do sistema de
segurança pública. Aqui, não estamos falando da corrupção de meia dúzia de
policiais que usam o cargo para ganhar um trocado a mais. O texto é claro em
representar o esfacelamento de toda a estrutura, em todos os níveis, de todas as
formas.
Quando falamos dos serviços que o Estado oferece para a população temos
sempre que levar em conta que existe o ideal e o real. Os discursos dos
políticos, dos secretários e muitas das vezes até do Jornal Nacional
representam a versão oficial dos fatos. Isso acontece não apenas porque querem
te enganar. O que ocorre é que a população tem que confiar no Estado, se sentir
segura. O que aconteceria se um governador chegasse até a TV e dissesse que o
seu povo está entregue aos bandidos? Certamente um caos social, econômico e
político.
Quando eu escrevi o meu primeiro texto de desabafo, relatando a farsa
que é a educação pública no Brasil, fui claro ao apontar exatamente o que Elite
da Tropa fez com a segurança pública. O problema não está nos colegas que não
levam a profissão a sério, a solução não está somente nos baixos salários, tudo
não será resolvido com premiações e computadores. Estamos falando de décadas e
mais décadas de uma máquina sem manutenção. Você consegue imaginar o que seria
do seu carro se passasse anos sem fazer nada nele, somente colocando
combustível e usando... pode ter certeza de uma coisa, ele pode até andar
depois de 5 ou 10 anos (existe cada coisa no trânsito brasileiro!)... mas a
pergunta a se fazer é: Você teria coragem de deixar sua família andar neste
carro? Bom, se você respondeu que não, fique tranquilo. Hoje, existem milhões
de pais que deram a mesma resposta sobre a escola pública. O risco de uma
viagem neste carro é tão grande quanto uma vida no ensino público. Muitos sobrevivem,
é verdade, mas quantos ficam pelo caminho?
Outro ponto que quero chamar atenção sobre Elite da Tropa é quando os
policiais do Bope começam a se sentir usados pela politicagem da segurança
pública. Corrupções e conchavos alimentam um jogo de faz de conta. Oficiais de
polícia e chefes de batalhão ganham dinheiro com o tráfico de drogas. Quando o
Bope domina estes locais, para não afetar o movimento (o que diminuiria o valor
do “arrego”), estes mesmos policiais corruptos manipulam conflitos em outra parte
da cidade, fazendo com que a força especial de segurança deixe a comunidade
livre para o retorno do traficante (e do ganha pão dos policiais corruptos).
Imagine você, descobrindo que o seu trabalho está servindo a interesses escusos
e que, à custa do seu suor, tudo aquilo que você combate está crescendo,
vencendo. Bom, o sentimento de frustração, de revolta, de nojo se instala, sem
dúvidas. Foi assim com estes dois policiais, é assim com milhares de
professores sérios.
Assim como os policiais, labutamos numa batalha diária por aquilo que
acreditamos. Os múltiplos estresses, a desvalorização, a falta de recursos,
tudo é superado pela missão de melhorar este país. Claro que não pensamos nisso
todos os dias. No entanto, esta é a condição fundamental de pertencer ao
magistério – acreditar que você fará diferença na vida de alguém.
Não obstante, perceber que você é apenas um fantoche, manipulado pelos
inúmeros “chefes” que você teve, tem e terá na carreira, é broxante (lembro que
um dos significados da palavra é desistir por exaustão). Não é por acaso que
inúmeros profissionais sérios abandonam o magistério. Muitos outros não chegam
nem a entrar na profissão. Não se engane pensando que o problema está apenas
nos salários nada convidativos. Ser professor hoje é sinônimo de coitadinho. As
pessoas te perguntam como você consegue viver, como é ser xingado, ser agredido
em sala, ter que trabalhar em três lugares diferentes, enfim, falta dizer: Qual
é o seu problema? Podia ter sido advogado, engenheiro, médico etc. Professor?
Deve ter sido falta de opção!
Não só os professores são usados. Os alunos (e eu já cansei de falar
nisso) são apenas números. Não pense que o seu prefeito está preocupado com o
tipo de educação que o seu filho está tendo. Ele não está nem aí. Até porque os
seus filhos e dos demais políticos estudam em escolas particulares. A única
preocupação do político é que a criança esteja matriculada (isto representa mais
verba para o município) e que passe de ano (isto representa que ele dará vaga
para outra criança engordar os cofres da cidade) até que o jovem se forme e o
político possa se gabar de que formou um verdadeiro cidadão (e será um ótimo
cidadão se passar a votar nele).
A única certeza que fica disso tudo é a comunhão de problemas com o qual
professores, policiais, médicos e outros profissionais do setor público são
obrigados a conviver. São heróis que diariamente são obrigados a dirigirem
verdadeiras carroças. Por vezes somos até cobrados se estas carroças não chegam
a 100 km/h. Quando sofremos algum acidente pelo caminho, somos nós que pagamos
pelo conserto. Somos nós que ficamos feridos. Somos nós que morremos.
Ainda vivo,
Luiz Eduardo Farias
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